quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Entrevista - Maria Clara Drummond

 

  • Em seu romance de estreia, a escritora usa a voz masculina para narrar o deslumbre e as angústias da geração Instagram
Alice Sant’Anna - Transcultura

Em “A festa é minha e eu choro se eu quiser”, Maria Clara retrata, com acidez, um mundo onde todos querem ter glamour
Foto: Michel Filho
Em “A festa é minha e eu choro se eu quiser”, Maria Clara retrata, com acidez, um mundo onde todos querem ter glamour Michel Filho
RIO - Davi poderia ser alguém que você conhece. Cineasta, frequenta as festas mais badaladas da cidade, onde ninguém pode, nem por um minuto, perder a pose. Ele é o protagonista de “A festa é minha e eu choro se eu quiser”, primeiro romance da carioca Maria Clara Drummond, que faz um registro bastante ácido dos nossos dias de Facebook e Instagram. A autora é jornalista e atualmente divide seus dias entre Rio e São Paulo, onde escreve sobre moda, comportamento e cultura para revistas. Clara optou por narrar a história a partir da voz de um homem, com medo de parecer um diário. O risco, ela diz na entrevista a seguir, era que virasse “uma coisa muito pessoal, chata, mimimi”.
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Quando escreveu o livro, você pensou em fazer um retrato de geração?
Eu sempre quis ser escritora, mas nunca tinha conseguido escrever nada mais substancial. Aí houve uma vez em que voltei de uma festa de réveillon, cheguei em casa às 11h da manhã e escrevi: “Cara, melhor réveillon da minha vida. Mas, mesmo assim, ano que vem passo em casa, quieto”. Porque, de fato, passo todos os réveillons em casa, dormindo. Do nada, escrevi páginas e páginas, de um jeito bem instintivo, e muito foi baseado em conversas com amigos meus ou em coisas que eles me falavam. Por exemplo, dois dias antes de começar a escrever o livro, eu disse a um amigo numa festa: “Dani, não estou aguentando minha existência”. E ele falou: “Clara, ninguém aqui aguenta, está todo mundo fingindo”. Aí vi que estava todo mundo superfeliz. Aquilo ficou na minha cabeça, e os pensamentos foram se formando a partir disso, dessa vivência.
Como foi escrever a partir do ponto de vista masculino?
O primeiro fluxo veio todo no masculino, mas então comecei a questionar isso, porque li uma entrevista com o (escritor) Javier Marías em que ele fala que acha um absurdo um homem escrever na voz feminina e vice-versa. E o único livro que li dele, “Os enamoramentos”, foi escrito na voz de mulher. Então, aparentemente, ele mudou de ideia. Fiquei muito preocupada e pensei em mudar para a voz feminina, só que uma das coisas que me vieram à mente foi que, se eu escrevesse na voz feminina, ficaria muito parecido comigo. Eu não ia resistir a transformar o livro num diário, e seria uma coisa muito pessoal, chata, mimimi. Perderia a capacidade de discernir entre o que ficou melodramático e o que ficou bonito, poético.
No livro, é interessante como você descreve uma atmosfera deslumbrada, como se não houvesse muita diferença entre o artista, a pessoa que trabalha no meio cultural e o mauricinho...
Eu li outro dia um artigo que falava que o hipster normalmente é uma pessoa que trabalha com arte, mas que não é artista. E o ambiente do Davi é um ambiente que está crescendo, em que todo mundo quer ter glamour, como se fossem os mauricinhos da área cultural. Então, de certa forma são tribos que têm uma relação com a sede de reconhecimento. Diferentemente do Davi, não acho que o mundo dos mauricinhos e o meio cultural se equivalham em seus defeitos. Tanto que já frequentei os dois meios e opto por conviver mais com pessoas ligadas à arte e à cultura. No entanto, no meio cultural existem os mauricinhos do meio cultural, que, da mesma forma que os mauricinhos, também são ligados ao status. A única diferença é que os símbolos de status são outros.
 
 
* Alice Sant’Anna escreve na página Transcultura, publicada às sextas-feiras no Segundo Caderno


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/maria-clara-drummond-a-dona-da-festa-11665228#ixzz2uTM1juiJ

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