quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Artigo de Opinião - O cidadão - inimigo

Barack Obama, como se sabe, é o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. Ao assumir a Casa Branca em 2009 tratou de indicar Eric H. Holder, também negro, para ocupar o quarto cargo mais importante da hierarquia governamental: o de procurador-geral. Holder é o primeiro afrodescendente entre os 81 que o precederam no cargo. Nos Estados Unidos, o procurador-geral — também no Brasil — comanda o Ministério da Justiça e atua como advogado-geral da União.

Mas nem Obama nem Holder conseguem impedir a contínua polarização da América branca e negra. Excetuando-se a progressiva inserção de profissionais urbanos negros na malha socioeconômica do país, o restante do mapa racial americano está deformado.

Um recente levantamento que tomou por base o Censo de 2010 e focou em 20 áreas metropolitanas do país mostrou que a metade das populações negras das regiões analisadas vive em áreas “sem qualquer presença de brancos”. São comunidades que vão tocando a vida à margem do noticiário e nas franjas da sociedade. Até ocorrer algum fato capaz de arrancá-las do anonimato.

Foi o que ocorreu na semana passada com Ferguson, inexpressivo subúrbio de St. Louis, uma das principais cidades do Meio-Oeste americano. Cravada no Estado do Missouri, St. Louis é notória por ser uma das cidades mais segregadas do país. Suas gentes preferem manter distância dos 21 mil moradores de Ferguson, 22% dos quais vivem abaixo da linha de pobreza — e, além de pobres, são majoritariamente negros.

Nem sempre foi assim. Até a geração passada a população de Ferguson era 85% branca e 14% negra. Foi a partir de 2010 que o pêndulo se inverteu e hoje é a comunidade negra ( 69% da população) que sobrevive no desolado subúrbio. Só que o prefeito e o chefe de polícia local continuam sendo brancos, assim como cinco dos seis conselheiros municipais. O Conselho de Educação municipal, por sua vez, é composto por seis brancos e um hispano. E entre os 800 filiados à principal congregação religiosa local o bloco de fiéis não brancos se resume a quatro.

Outro dado tóxico da combustão racial que há uma semana consome Ferguson está na força policial da cidade. São 53 os agentes da lei e ordem que compõem a corporação, dos quais apenas três são negros. Em compensação, essa mesma polícia dispõe de blindados retornados do Iraque e Afeganistão, equipamentos para detectar minas terrestres, silenciadores, fuzis M-16, rifles 5,56 de cano curto capazes de atingir um alvo a 500 metros. Tudo cedido pelas Forças Armadas.

A previsível encrenca eclodiu na tarde ensolarada do sábado passado. Ao caminhar com um amigo por uma rua de Ferguson, em vez de andar pela calçada como manda a lei, um jovem negro de 18 anos, Michael Brown, foi abordado e morto a tiros por um policial branco. “Alvejado mais do que algumas vezes”, admitiu o chefe de polícia, Thomas Jackson.

As versões do ocorrido continuam conflitantes e caberá ao FBI destrinchar a investigação. Mas sabe-se que o último gesto do adolescente já baleado na cabeça foi o de levantar os braços e pronunciar suas derradeiras palavras: “Não atire em mim.”

Foi nas ruas desse subúrbio depauperado de St. Louis que se viu a primeira demonstração prática do “Programa 1033”, nome dado à distribuição de equipamento ocioso das Forças Armadas para delegacias de polícia do país. Desde que os Estados Unidos começaram a enxugar o grosso de sua presença militar no Iraque e no Afeganistão, o arsenal não utilizado foi sendo paulatinamente repassado aos departamentos de polícia locais. Vinte e dois estados, por exemplo, já receberam equipamento para detectar minas terrestres. Trinta e oito ganharam silenciadores — inclusive Walsh County, na Dakota do Norte, que agora ostenta 40 exemplares para manter em ordem uma população de 11 mil almas. Veículos blindados de grande porte, tanques anfíbios, drones , baionetas, rifles M-16 — o repasse é contínuo. E perigoso.

Em Ferguson, a aparição de policiais usando máscaras, portando uniforme de combate e circulando em blindados do Exército estarreceu os moradores. O uso de bombas de gás lacrimogênio, porretes e balas de borracha contra manifestantes e jornalistas aborreceu Obama. Mas a militarização ostensiva da polícia já é um fato. Em alguns casos, não fosse pelo emblema da polícia, seria difícil saber se o sujeito de jaqueta verde e calça de camuflagem que desce de um blindado cor do deserto pertence às Forças Armadas ou à polícia.

Para se entender a extensão desse processo de militarização recomenda-se a leitura de “The rise of the warrior Cop” (“A ascensão do policial guerreiro”), do repórter investigativo Radley Balko. O livro traça a gênese dessa mudança e alerta para o esgarçar da crucial fronteira que sempre separou o policial de um soldado americano. O fato de o uso desse armamento e a prática de táticas paramilitares se voltarem sobretudo contra jovens negros, como atestam as estatísticas, apenas agrava o quadro. Se foi assim na Guerra contra as Drogas, desencadeada décadas atrás e conduzida por equipes especializadas da polícia, não será diferente na atual Guerra contra o Terrorismo.

“Você não conquista a confiança de ninguém se apontar um rifle contra o peito dele”, garante Balko, baseado na sua larga experiência de Afeganistão.

Em última instância, todo cumprimento da lei depende da confiança da população nas forças da ordem a seu serviço. Quando o policial começa a ver no cidadão um inimigo é porque a coisa descarrilhou.

Kara Dasky, coautora de um estudo da American Civil Liberties Union sobre a militarização da polícia americana, tem uma frase que resume tudo: “Se você tem um martelo, tudo se parece com um prego. Quando a polícia tem armas de guerra, a chance de ela usá-las é grande.” Contra quem? Segundo o estudo de Dasky, 54% das pessoas visadas por essas armas serão negros ou latinos.

Dorrit Harazim é jornalista



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/o-cidadao-inimigo-13625362#ixzz3BdQrRPmE

2 comentários:

  1. Inicia-se nos revelando dados tóxicos da combustão racial, a divisão de etnia, cada etnia em seu bairro. Como se os negros não fizessem parte da sociedade, da população, como se o tempo tivesse passado mas nada teria mudado, onde um dos cidadãos foi morto por andar fora da calçada e por ser negro. Obama nem Holder conseguiram mudar esse ‘’passado que ainda é presente’’
    Ao longo do artigo revela a ajuda do Obama e países,onde em vez de estar ajudando, esta havendo mais rincha. Mostra também que os negros são os mais ameaçados mas afinal, não somos todos uma mistura? Pra que haver essa rincha? Só porque os brancos se acham superiores?, mas todos tempos os mesmo direitos e devemos lutar para conseguir ainda mais.
    Aluna;Bruna de Oliveira
    Turma;801
    Colégio:Ativo

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  2. Nessa reportagem nos revela que cada um tem o seu bairro, como se o negro não fizesse parte da nossa humanidade e sim tratado como um animal sem sentimentos. Podemos ver que esse pensamento de exclusão do negro não passou a mudar mesmo agora com o Obama no poder sendo o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Somos uma mistura de raças e muitas pessoas não aceitam isso, pois acham que o negro é uma pessoa suja e feia por causa do seu tom de pele e muitos querem matá-los por serem dessa maneira. Porque as pessoas não aceitam essa mistura? Porque temos essas separações se somos todos iguais?

    Maria Gabriela Naves-701

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