quarta-feira, 14 de março de 2012

Crônica do Dia - Contratos de amor - Wlacyr Carrasco



Meu amigo Teo viveu um relacionamento de cinco anos com a chef de um grande restaurante, casada. Em vez de chef, deveria ser advogada, tal sua capacidade de mudar as regras que regem seu mundo afetivo. Depois de um ano com Teo, seu marido descobriu. Ameaçou separar. Passada a crise, o sujeito aceitou o romance extraconjugal da mulher. E desistiu do divórcio. Teo sentiu-se vitorioso:

– Ela me ama de verdade. Enfrentou o marido.

– Se ela gostasse de você, rompia o casamento.

– Você não entende. Ficou com ele por causa dos filhos.

Silenciei. Vi que vinha confusão pela frente. Há um ano, Teo viajou muito a trabalho. Meses depois, descobriu: a chef encontrara um terceiro, pela internet. Diante das lamentações, considerei.

– Se foi por um site, ela procurou.

Dessa vez, quem silenciou foi Teo. A gulosa também continuava com o marido, que já aceitara o novo relacionamento! Por causa dos filhos, sempre! Pobres crianças, que carga!

Fiquei algum tempo sem ver meu amigo. Dias atrás, confessou:

– Voltamos. Não sei o que há comigo.

Agora Teo, o marido e o novo amante aceitaram a situação. A chef se relaciona com os três, em horários diferentes. Ainda acha tempo para comandar um restaurante! Puxa! Também devia dar aulas de planejamento em alguma universidade.

O oposto é mais comum. Histórias de mulheres que descobrem as infidelidades dos maridos não são novas. No livro Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado, que estou adaptando para a televisão, há o personagem Tonico Bastos, mulherengo que passa as noites no cabaré e ataca todas as empregadas da casa. Sua mulher, Olga, prefere acreditar que Tonico é uma vítima inocente. As mulheres é que se atiram em cima do marido, afirma ela. A história se passa em 1925, mas continua real até hoje. Todo relacionamento amoroso tem o que pode e o que não pode, diferente para cada casal. Embora alguns preceitos, como a fidelidade, sejam exigidos pela maioria. Funciona como um contrato. O caso é que, nos tempos de hoje, muitos parceiros mudam as regras desse contrato. E manipulam a outra pessoa para aceitar. Contratos flexíveis são cada vez mais a regra na vida amorosa. Quando o relacionamento se torna flexível demais, alguém sempre acaba machucado.

Já me defrontei com todo tipo de acordo. Conheci um grande executivo, bissexual. Resolveu se casar. Tinha uma vida sexual com a noiva. Só não queria abdicar dos rapazes. A moça aceitou, desde que não interferisse em sua vida conjugal. Que nada! Três meses depois da igreja e da festa, ele a convenceu a acompanhá-lo nas baladas. A submissão chegou a ponto de ela ajudar nas conquistas:

– Aquele lá é bonito. Está olhando para você.

Apaixonada, estava disposta a qualquer coisa para salvar o casamento. Até que ele rompeu:

– Não dá mais.

– Por que, se eu aceitei tudo?

Ao perdê-lo, ela surtou. Conheço uma mulher bem-sucedida profissionalmente, próxima dos 40 anos, elegante. Depois de se separar do marido, reencontrou o primeiro namorado. Encantou-se pelo estilo de vida livre, meio hippie, de seu antigo e agora renascido amor. Logo descobriu que de fato ele nunca trabalhara. Aceitou. Começou com uma ajudazinha. Em breve o sustentava. Em seguida, descobriu que ele era usuário de drogas. Ela não é. Novamente aceitou. Praticamente ele não tomava banho. Ela se acostumou, embora seja rigorosa com a própria higiene pessoal. Acaba de descobrir que ele tem hepatite C. Tem medo de ter sido contaminada. Mas ainda o defende:

– Ele só não contou antes por medo de me perder.

E mais: essa mulher tão certinha já se viu às voltas com traficantes cobrando dívidas.

É surpreendente como certas pessoas manipulam a outra, de maneira a redefinir o aceitável.

Passei alguns dias na praia com um amigo. Sua namorada fora viajar com “amigas”. Certa noite quis ligar. O celular da moça só dava caixa postal. Tentou o hotel onde ela se hospedaria. Não estava registrada. Ficou maluco. Ela só respondeu aos recados do celular na tarde seguinte. Ele questionou:

– Liguei, mas disseram que você não está nesse hotel.

– É que o apartamento está no nome das minhas amigas.

– Então dá o número.

– Você está invadindo minha privacidade!

Ainda enfureceu-se. Ele desligou em dúvida.

– Ela pode ter uma explicação.

Nem será necessária a tal explicação. Por sua atitude, ele já aceitou que o relacionamento continue em novas bases. Tem gente que prefere abrir mão de alguma coisa, para não perder alguém. Mas, quando o contrato de amor se torna flexível, alguém sempre acaba machucado.

Walcyr Carrasco / REVISTA ÉPOCA

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