sexta-feira, 2 de março de 2012

Te Contei, não ? - A maldição de Édipo




Por Raymara Martins de Sousa 


 A obra “Édipo Rei” de Sófocles traz em si uma história emblemática da condição humana, onde os deuses são o cerne da vida na Terra. Na obra, vemos Apolo, um dos deuses olímpicos, como único autor do destino do rei de Tebas, Édipo. 

A situação em que ele se encontra, seria o de ser filho de quem não deveria ter nascido, o marido de quem não devia ter desposado e o assassino de quem não devia ter matado. A estas tragédias, Édipo atribui responsabilidade a si próprio (ao mutilar os olhos) e ao mesmo tempo aos deuses, como mostra o fragmento da obra: “Apolo, amigos, foi Apolo o autor de meus males, destes meus males; porém, a mão que vibrou o golpe outra não foi senão a minha. 

Porque, de que serviria enxergar, se não poderia ver nada que me pudesse ser agradável?”  Ao sair de Corinto, sua cidade natal, desafiando os deuses e fugindo do seu destino (casar-se com a sua mãe e matar o seu pai), Édipo se torna governador de Tebas. Ali ele livra a cidade da Esfinge (monstro alado com cabeça de mulher e corpo de leão) que propunha um enigma. Com isso, se tornou famoso entre o povo e respeitado pelos anciões do coro. 

Ao sair de Corinto, por causa da maldição recebida, Édipo desafia os deuses ao fugir do seu destino. Ao assumir o trono de Tebas, Édipo despoja-se da rainha viúva, Jocasta, com quem tem quatro filhos (Etéocles, Polinice, Antígona e Ismênia). Apesar do prestígio do rei, a cidade é tomada por uma peste que ataca a população e o gado. Com isso, o coro suplica ao rei que mais uma vez salve Tebas. Tirésias, considerado o “servo de Apolo” na história, é uma espécie de guia espiritual, porém cego, que faz um prelúdio do desenrolar da vida de Édipo e o seu fim, observe: 

 Embora tenhas vista, não enxergas o abismo de tua desgraça, nem onde moras, nem aqueles com quem coabitas. Acaso sabes de quem descendes? Sem que o saibas, és abominado por teus próprios progenitores, dos quais um ainda vive e o outro já é morto. O duplo e terrível golpe de maldição de teu pai e de tua mãe haverá de varrer-te desta terra um dia. 

Agora vês a luz, daqui a pouco teus olhos serão trevas. Foucault (2002), em “A verdade e as formas jurídicas” faz referência a obra de Sófocles da seguinte maneira: “Tem-se a verdade, já que Édipo é efetivamente designado pelo conjunto constituído das respostas de Apolo, por um lado, e da resposta de Tirésias, por outro. O jogo das metades está completo.” 

 Utilizando a fala de Foucault, Édipo tem seu destino, segundo a obra, destinado pelos deuses que influência nas vontades humanas. A sobreposição das perguntas “Quem matou Laio?” para “Quem sou eu?” no texto, nos dá abertura à questão “conhece-te a ti mesmo” preconizada por Sócrates. Pois, a personagem sofre por não conhecer sua real identidade, resultando na tragédia de toda a sua vida e família. 

 A partir disto, percebe-se que, Sófocles ao escrever “Édipo rei”, utiliza o vilão e o herói em uma personagem só, encontrando nele as melhores virtudes e os piores pecados. Escrita num período de transição, no qual as mentalidades sociais estão se reconfigurando, se transformando, Édipo Rei, de Sófocles, transmite um ensinamento ético valioso que será mais bem detalhado em Aristóteles. 

Édipo Rei ensina o caminho para a virtude (virtus), ou seja, o caminho para encontrar a disposição de caráter que torna o homem bom e que o faz desempenhar bem sua função social (ARISTÓTELES, 1973: 272). Édipo desempenha sua função de rei: descobre (-se) o assassino de Laio, aplica (-se) a pena merecida (o exílio) e salva sua cidade. Utilizando a corrente sociológica, percebe-se que os deuses e heróis eram, em sua maioria, representações coletivas dos valores da sociedade. 

Como exemplo, temos na obra a presença dos deuses como autores da história humana, como se tudo estivesse em favor deles, tanto a vida quanto a morte. Com isso, segundo o sociólogo francês Émile Durkhein, essas representações coletivas determinariam as formas de agir e de pensar da sociedade. 

 Ao analisar a narrativa trágica de Sófocles com um olhar sociológico, percebe-se que a ideologia da sociedade, sob a linha da mitologia grega, é altamente influenciada pelos deuses, que trazem vida (nascimento das quatro filhas de Édipo com Jocasta) e morte (assassinato de Jocasta). 

Na teoria da “Consciência Coletiva”, Émile Durkhein parte do princípio que o homem seria apenas um animal selvagem que só se tornou Humano porque se tornou sociável, ou seja, foi capaz de aprender hábitos e costumes característicos de seu grupo social para poder conviver no meio deste. 

 Analisando a obra por este ângulo, percebe-se que a socialização da cultura, das crenças e até do juízo é unânime, como se observa neste fragmento dito pelo coro na obra de Sófocles: “Pelo que vedes, a nenhum mortal que ainda espera o dia derradeiro considereis feliz, antes que tenha atingido e transposto, livre de qualquer desgraça, o marco final da vida.” 

 Por tudo isso, esta análise socióloga da obra “Édipo rei” de Sófocles, se mostra numa visão em que a socialização das convicções humanas, quanto à mitologia grega, influenciou toda uma sociedade. No caso do rei Édipo, vê-se que a crença mitológica o levou ao trágico fim: cego, sem reino, sem família e desejando a morte. 

Observando por esta vertente, Durkhein está certo ao enfatizar que a “consciência coletiva” determina hábitos e costumes de determinados grupos sociais.

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