Para proteger sua tribo, índio paiter-suruí combate os males da modernidade com tecnologia e conquista multinacionais como aliadas
Desde que teve seu primeiro contato com o homem branco em 1969, a tribo Paiter-Suruí, de Rondônia, viu seu modo de vida e cultura serem ameaçados pela modernidade. Os mais de cinco mil índios de quatro clãs espalhados por aldeias numa área de mata virgem de 2.480 quilômetros quadrados no município de Cacoal foram abatidos aos poucos por doenças, invasões de madeireiros, avanço desordenado do agronegócio sobre a floresta, alcoolismo e o êxodo de nativos à procura de melhores condições de vida. A certa altura, sobraram pouco mais de 250 índios, conta o cacique Almir Narayamoga Suruí, de 37 anos, um dos mais ativos defensores do povo Paiter-Suruí, eleito, em novembro do ano passado, o líder da comunidade pelo Parlamento Indígena.
A escolha não aconteceu sem razão. Almir Suruí é hoje um dos mais requisitados palestrantes do planeta quando o assunto é preservação autossustentável da Floresta Amazônica. E premiado também. Foi dele a ideia de combater os males da modernidade que se abatiam sobre seu povo com as ferramentas mais modernas do planeta: laptops, aparelhos celulares e GPS.
- Nós decidimos usar a tecnologia para melhorar a comunicação, monitorar as ameaças à floresta e divulgar nosso plano de gestão das riquezas da mata e preservação da cultura Suruí - diz Almir. - Mais de 400 caminhões com madeira extraída ilegalmente saíam do nosso território todos os dias. Precisávamos parar com aquilo.
Em 2007, em uma palestra sobre os problemas que enfrentavam os suruís nos EUA, Almir pediu a executivos do Google que ajudassem sua tribo a monitorar a floresta. No ano seguinte, o Google Earth Outreach - braço da empresa para projetos sociais - fornecia celulares e laptops equipados com programas de dados capazes de passar informações sobre a floresta para a tribo. Uma equipe composta hoje por 30 índios foi treinada para monitorar os limites das terras suruís com o auxílio de celulares e laptops. Eles aprenderam a filmar e a postar vídeos no YouTube, e a usar as ferramentas do Google Earth na fiscalização da mata.
Quem hoje procura no Google Maps a reserva dos suruís em Rondônia percebe logo a exuberância daquele retângulo verde em meio ao cenário de terra arrasada. Graças à parceria, a tribo iniciou um agressivo programa de reflorestamento das áreas desmatadas dentro da reserva, que já plantou, até este ano, 140 mil mudas de árvores nativas da Amazônia. A extração de madeira, que era a fonte única de sustento dos índios, foi aos poucos sendo substituída por agricultura sustentável (café, castanha-do-pará e banana). Com a ajuda da ONG Fundo Estratégico de Conservação (CSF, da sigla em inglês), a tribo desenvolveu um plano de ecoturismo para a região: os visitantes ficam hospedados em moradias típicas e acompanham o dia a dia dos índios, sua culinária e sua cultura.
Rebecca Moore, chefe do Google Earth Outreach, lembra-se exatamente do que pensou quando Almir pediu a ajuda da empresa:
- Quando vimos aquela área verde cercada de desmatamento por todos os lados, pensamos: "Nós podemos e devemos ajudar essa gente" - diz ela sobre a única parceria do Google com uma comunidade indígena no Brasil.
- O lucro da atividade turística vai ser aplicado em benefícios para a comunidade, como construção de centros comunitários, instalação de captação de energia solar ou obras de saneamento, além de empregar os próprios índios, que servirão de guias, recepcionistas, cozinheiros - explica Marcos Amend, diretor-executivo da CSF.
Mas o maior benefício para os suruís de seu projeto tecnológico de monitoramento da floresta e crescimento autossustentável virá mesmo do exterior: a tribo se prepara para se beneficiar do nascente mercado de créditos de carbono, que serão pagos pelos maiores poluidores do planeta para preservar a floresta. Orientados pela ONG Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), a tribo busca certificar seu projeto de conservação e desenvolvimento sustentável num mecanismo de compensações financeiras chamado REDD (sigla de Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação). Por esse sistema, uma empresa ou país poluidor poderá compensar suas emissões de carbono comprando créditos de quem ainda tem o que conservar.
- Estamos buscando uma certificação ainda inédita no Brasil, capaz de dar aos índios, ao longo dos anos, recursos suficientes para não apenas manter a floresta de pé, mas também para melhorar a vida da comunidade - diz Mariano Cenamo, secretário-executivo do Idesam.
Especialistas em meio ambiente estimam que o mercado de créditos de carbono, um segmento ainda em formação no mundo, tem potencial para girar cerca de US$ 140 bilhões quando estiver plenamente desenvolvido. Pelos estudos do Idesam, a área de floresta dos suruís em Rondônia é capaz de evitar a emissão de 7,4 milhões de toneladas de carbono num período de 30 anos se for mantida de pé.
Como esse mercado ainda funciona precariamente, a cotação do carbono varia muito de projeto para projeto e de país para país. Ainda assim, levando-se em conta um preço conservador de US$ 5 a tonelada de carbono - cotação de outro projeto semelhante que o Idesam ajudou a formar -, o plano dos suruís teria potencial para captar pelo menos US$ 37 milhões no mercado internacional pelos próximos 30 anos. Isso faria da tribo a uma das mais ricas do país. Um final perfeito para uma história de superação e sobrevivência indígena.
O Globo
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