segunda-feira, 26 de março de 2012

Te Contei, não ? - Negro na propaganda, morô?



Há nas redes sociais quem estranhe que a nova cara das Óticas do Povo seja a modelo e atriz Fernanda Lima, a bela loura gaúcha de 34 anos. É que a cadeia popular de venda de óculos era mais conhecida no meio publicitário por ter garotos-propagandas negros, como Grande Otelo, Cosme dos Santos e Jair Rodrigues, que popularizaram o bordão “Óticas do Povo, morô?” 

 A mudança ocorre justamente numa hora em que a empresa, preferida da classe C, com mais de 90 lojas no país, tenta reposicionar sua marca para alcançar outras classes sociais. Mas o empresário Manoel Carlos Pessanha, de 67 anos, diz que a escolha foi feita intuitivamente — e que sempre, desde a fundação da empresa, há 35 anos, andou na contramão da publicidade: 

 — Numa época em que não existia negro na TV, chamei o Grande Otelo. Um ícone, uma lenda que representava o povo brasileiro e atendia às classes menos favorecidas. Mas acho que o Brasil acolhe todas as raças e pessoas. Já tivemos também a Regina Duarte e a Paloma Duarte. Agora, que há vários negros na TV, escolhi Fernanda Lima. Acho que ela passa credibilidade, é carismática, é família e atinge, sobretudo, os jovens. 

 Um pouco de história

 Não faz muito, as Óticas do Povo eram quase exemplo isolado de empresa brasileira que usava negro em seus anúncios. Nos últimos anos, a propaganda tem refletido um pouco mais a diversidade racial brasileira. 

 O músico e ator Toni Garrido, negro, acha que a juventude afro-brasileira está com a autoestima tão em alta que é impossível o mercado ignorar. “Está longe do ideal. Mas está melhor, me sinto mais bem acompanhado”, diz ele, que tem feito muitos anúncios (Guaraná Antártica, Havaianas, Olympikus, iG, Vivo e Coca-Cola). 

 Na verdade, não há muitos estudos sobre o negro na publicidade brasileira. Pesquisa feita durante 20 anos (1985-2005) pelo professor Carlos Augusto Martins, mestre em comunicação pela USP, concluiu que os brancos interpretam todos os tipos de personagens, mas poucos negros conseguem fugir de cinco estereótipos na publicidade na TV (trabalhador braçal, por exemplo). Ainda assim, a pesquisa mostra evolução. Em 1985, havia 3% de anúncios com negros. Em 2005, este percentual subiu para 13%. De qualquer forma, lembra Martins, “é muito pouco se a gente pensar na realidade populacional do Brasil”.

Ana Claudia Guimarães / 
Jornal O Globo 

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