Os gregos representam a toda a idéia do que é considerado como sendo o espírito ocidental.
A grande diferença que esta soberba civilização fez em relação às outras grandes civilizações (seja as civilizações passadas, dentre os fenícios e os egípcios, como nas civilizações futuras, como os romanos e os germanos) foi desenvolver as duas categorias que definem todo o pensamento ocidental a partir de então, que são as instituições conhecidas como razão e democracia.
Toda esta idéia, de uma racionalidade e um espírito livre, sem restrições externas, permeia a política, a moral e a estética do povo grego. Se na política havia um gênio democrata como Péricles, havia na filosofia um Platão e Aristóteles, e no teatro, não menos, um Ésquilo, um Sófocles, e, neste caso em particular, um Eurípides.
Assim, a posteriori, evidencia-se que os gregos são mais compreensíveis para nos hoje do que, por exemplo, o pensamento indiano, que tem por base intelectual o misticismo e a irracionalidade, caracterizada pelos Vedas.
A razão, assim, representa uma evolução metodológica por um motivo muito claro e óbvio: tudo o que é de decisão, de escolha, de ação ou mesmo de opinião, por parte do homem, deve passar necessariamente pelo crivo da lógica e de suas leis atinentes (ex: principio de identidade e não contradição, encontrados na obra de Aristóteles).
Para o pensamento oriental, por outro lado, tudo se revela — as ações humanas, quero dizer — como sendo fruto de escolhas espontâneas de entes supraterrestes e de demonstrada irracionalidade e incompreensão para nós ocidentais, que pensamos sempre pelas leis da lógica do velho Estagirita.
Assim, enquanto os gregos apelam para o caráter humano e racional da existência, os outros povos orientais apelam para o lado inumano, místico, e irracional do homem.
Mas cabe um questionamento: para que estes comentários se a discussão versa sobre uma tragédia grega? A razão é uma só, e muito simples de se observar: só poderemos compreender uma obra de arte se nos situarmos no geist em que ela foi escrita.
Eurípides, assim, representa não somente um autor de teatro, ou escritor que ficou para a posterioridade. Ao contrário, representa um fotógrafo e cronista de seu tempo. Nietzsche definia a obra poética como sendo a captura imediata do Ureine, ou seja, o universal, o tema que transcende o homem.
Mas o que são os temas considerados universais para Nietzsche? São todos os temas que são identificados por nós como sendo os temas unicamente humanos: a paixão, a vida, a morte, o ciúme, a traição, a guerra ou mesmo o suicídio. Onde existe um homem há sempre um poeta ou um artista, pois sempre haverá a necessidade da captura deste espírito universal que ronda os homens e sua existência mais banal.
Entretanto, e é bom deixar claro, este espírito não é o que se definia por espírito na estética romântica, como por exemplo na obra de Hegel ou mesmo na obra de Novalis, mas sim uma noção temática que é fixa e constante. E Eurípides, como todos os escritores gregos, captura soberbamente este espírito.
Deste modo, Medéia assim representa não apenas uma obra literária, uma mensagem sobre a tradição de um povo para com sua mitologia. Representa sim a condição universal do homem como sendo essencialmente racional e lógico para com suas ações.
O significado das ações de Medéia para com Jasão não significa apenas os objetivos imediatos da própria personagem, que é a responsabilização de Jasão pela sua traição.
Do ponto de vista lógico, que para cada ação existe uma reação, a atitude de Medéia foi absolutamente certa e esperada. Houve um motivo (Jasão ficar com Glauce), e um efeito, Medéia assassina os filhos e posteriormente Glauce.
Não quero dizer, de modo algum, que esta atitude seja correta, mas que foi apenas racional e lógica. O significado de uma ação não se vê unicamente pelo seu resultado, mas sim pela compreensão dos fatos que a antecederam.
O assassínio dos seus próprios filhos, para mim, mostra de modo certeiro esta interpretação: o sacrifício próprio para o alcance de uma outra ação que justifica a anterior.
Deste modo, ao meu ver, Eurípides foi um visionário, pois põe na personagem Medéia a idéia de ação e responsabilidade, independente de deuses e causas exteriores, já que Medéia assume toda as conseqüências de seus atos.
Medéia, que a primeira vista passa por assassina, mostra-se neste interpretação como sendo a depositária mais fiel do espírito grego: a racionalidade. (Seguindo esta linha de interpretação fica claro entender o porque de Eurípides ficar do lado da personagem Medéia).
Antes de ficarmos em uma interpretação superficial de uma obra de tão complexa como esta, deve-se entender os motivos de Eurípides, que ao meu ver foi fazer uma bela defesa não somente do que a Grécia tinha de mais valioso, a democracia, mais sim uma defesa de todo o pensamento ocidental.
Para mim, isso mostra o quanto foi Eurípides foi um homem à frente de seu tempo, e isso é o suficiente para que sempre nós continuemos a lê-lo.
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