Diz-se que o café, popular no império otomano, só se difundiu no mundo ocidental depois de absolvido da acusação de ser coisa do diabo pelo Papa Clemente VIII, no início do século XVII. Ao prová-lo, o Sumo Pontífice tratou de dirimir dúvidas: achou que um produto tão saboroso, de aroma tão marcante, só poderia ser, isso sim, coisa de Deus. Às muitas lendas em circulação sobre a bebida, soma-se, quatro séculos depois, uma lista de pesquisas atestando seus efeitos medicinais e, em alguns casos, sua inocência diante de alegações como as de que poderia fazer mal ao coração, aumentar o risco de AVC e prejudicar a absorção de alguns medicamentos.
Segundo a maioria dos estudos mais recentes, além de conferir disposição — efeito conhecido desde o início de seu consumo, mil anos atrás —, o café protege contra o diabetes e alguns tipos de câncer. Há indícios de que também ajude a prevenir doenças neurológicas, como os males de Alzheimer e Parkinson, e de que proteja, principalmente as mulheres, contra AVC, doenças cardíacas e depressão. O mais recente trabalho, publicado na última quarta-feira, na “American Journal of Clinical Nutrition”, acompanhou 42 mil pessoas ao longo de nove anos e revelou que, entre os bebedores de café, as chances de desenvolver diabetes são 23% menores.
Estas informações interessam a todos os brasileiros que tomam café — ou, seja, 95% da população com mais de 15 anos, que consomem, per capita, 82 litros da bebida por ano, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).
— Beber café é melhor do que não beber — sentencia o cardiologista Luiz Antonio Machado Cesar, diretor da Unidade Clínica de Coronariopatia Crônica do Instituto do Coração, de São Paulo, ligado à USP. — Ele não faz mal e, a partir de duas xícaras por dia, já protege contra o diabetes.
Além da cafeína, antioxidantes e vitaminas
Costuma-se pensar nas propriedades do café com base na cafeína. Mas os novos estudos sugerem que seus méritos estão no conjunto da obra: ele tem literalmente milhares de substâncias, de antioxidantes a vitaminas, e apenas umas poucas foram estudadas isoladamente. O teor de cafeína no cafezinho filtrado é de 2% a 2,5%, enquanto no expresso fica entre 2,5% e 3%. Nas outras bebidas que têm cafeína (chá, chocolate, guaraná em pó, coca-cola), a quantidade é parecida. Uma pessoa saudável pode consumir até 300 miligramas de cafeína por dia (o equivalente a três xícaras médias). Para mulheres grávidas, não deve ultrapassar 200 miligramas.
No Brasil, desde 2008 está em curso o projeto “Café e Saúde”, no Incor de São Paulo, sob a coordenação de Machado César. Foi um pedido da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), preocupada com o fato de haver pouca ou nenhuma pesquisa clínica a respeito dos efeitos do café no país que é maior produtor do grão (abastece 30% do mercado internacional) e o segundo em consumo (atrás dos Estados Unidos).
Até agora, 106 pacientes, entre pessoas saudáveis, portadores de doenças coronarianas e diabéticos participaram das pesquisas, que não têm data para terminar. Já foram avaliados o café descafeinado (que tem um teor ínfimo de cafeína), o árabica-pura, o blend (arábica 80%) e o robusta. O próximo passo é avaliar o expresso. Quando houver recursos, terá início um amplo estudo epidemiológico: quatro mil indivíduos da região Sudeste do país serão acompanhados por dez anos. Os testes têm levado os especialistas envolvidos a conclusões animadoras.
— Constatamos que o café de torra escura (o mais consumido no Brasil) não aumenta a pressão arterial, e que a torra clara aumenta-a muito pouco, mas são necessários mais alguns testes para confirmar. Isto pode explicar por que algumas pesquisas dos Estados Unidos, onde a torra clara é mais consumida, apontam que ele aumenta a pressão, enquanto as da Europa, onde é mais comum a torra escura, indicam que não — diz o cardiologista. — Também vimos que café não dá arritmia e aumenta muito pouco o colesterol, que, mesmo assim, se mantém no nível normal. Se ele não for filtrado, a elevação é maior. E um teste com esteira mostrou que a bebida melhora a performance no exercício, como já apontavam vários estudos.
As pesquisas agora se voltam para a tentativa de provar seu efeito protetor contra doenças neurológicas. Ele ajudaria a evitar o acúmulo da proteína beta-amiloide entre os neurônios, uma das causas do Alzheimer, e reduziria o déficit de dopamina presente no Parkinson. Para quem gosta, mais um bom motivo para beber.
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