Te Contei, não ? - “Ressurreição”: a semente de “Dom Casmurro”?

Laís Azevedo 

 Ressurreição, publicado em 1872, foi o primeiro romance escrito por Machado de Assis. Devido ao tamanho da obra, há alguns críticos que classificam-na como novela. 

Seja como for, o livro é situado, num viés mais tradicional, como pertencente à fase romântica do autor. Outros estudiosos preferem não ler a obra por esse prisma. Assim, percebem-na como uma preparação para os romances que consagraram o escritor fluminense (Memórias póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Quincas Borba). 

 O romance, que está sendo aqui brevemente comentado, narrado em terceira pessoa, traz a história de duas personagens centrais, Félix e Lívia. O primeiro é um homem irônico, um médico, que não se importa muito em manter a constância de seus relacionamentos. Lívia, por seu turno, é uma uma viúva, uma mulher firme que, apesar disso, não perde a ternura. 

O encontro do casal ocorre graças a Viana, irmão de Lívia e amigo de Félix, que é descrito pelo narrador como um parasita, haja vista que está sempre dando um jeito de escorar-se nas famílias de outros, no intuito de aproveitar o máximo da amizade daqueles que lho aceitam em suas casas.  

As duas personagens protagonistas, que já haviam se encontrado num baile anos antes, depois do reencontro se apaixonam uma pela outra. E, é a partir disso que os principais conflitos do romance desencadeiam-se. As outras personas, secundárias, tornam o romance de Lívia e Félix ainda mais cheio de reviravoltas. Meneses, por exemplo, um dos amigos do médico, rapaz que se vê perdido nos labirintos do amor, acaba se apaixonando pela viúva. 

Raquel, moça de 17 anos, filha dum coronel, também desperta um grande amor por Félix, posto que este a salvara de uma terrível enfermidade. Há também a figura de Luís Batista, um homem casado que não resiste aos encantos da bela Lívia e, por isso, tenta a todo custo conquistá-la. 

 Em Ressurreição, de fato, Machado de Assis já demonstra que viria a se tornar um dos prosadores mais hábeis de nossas Letras. No curto romance, ou novela, talvez, o tema do ciúme, que é apresentado, anos depois, em Dom Casmurro, de forma brilhante, aparece como o maior dilema a ser enfrentado por Félix. 

O aludido sentimento, que invade a alma do médico, acaba complicando a história de amor entre os dois protagonistas. A ironia, marca primordial da prosa curta e romanesca do autor de O alienista, é apresentada em diversas pontos da narrativa. O referido elemento eclode, principalmente, através dos diálogos entre Félix e outras personagens, como pode ser notado num dos trechos extraídos do livro, o qual está reproduzido abaixo. 

 Como Félix não lhe animasse a conversa no terreno em que el a pôs. Viana entrou a elogiar-lhe os vinhos. — Onde acha o senhor vinhos tão bons? perguntou depois de esvaziar um cálix. — Na minha algibeira. — Tem razão; o dinheiro compra tudo, inclusive os bons vinhos. (ASSIS, 2008, p. 20). Ora, se o ciúme e a ironia já são presentes em Ressurreição, o adultério à Dom Casmurro também está presente. 

Entretanto, se nesta última, o leitor não saberá jamais, devido a perspicácia de Machado de Assis, se Capitu traiu Bento, o mesmo não acontece em Ressurreição. Não se tem, pois, no decurso deste, a ambiguidade que dá no decorrer da história contada pelo ciumento Bentinho. Com base em tudo que foi explicitado, até aqui, não seria um equívoco dizer que Ressurreição seria a semente de Dom Casmurro e, talvez, também doutros romances do escritor. 

A obra publicada em 1872 já demonstra, como foi dito, um Machado de Assis que começava a dar seus primeiros passos rumo à tessitura de geniais romances que seriam publicados na década seguinte. Posso dizer, por fim, que a obra é leitura imperdível para os que gostam da boa literatura brasileira. 

É também obrigatória para os leitores que, às vezes, embalados pela crítica tradicional, não se arriscam nos romances ditos românticos do escritor fluminense.