quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Artigo de Opinião - A política indigenista - Outra Opinião - Lei e interesses

OUTRA OPINIÃO - ORLANDO VILLAS BÔAS FILHO
 
 
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Os conflitos ocorridos recentemente em Mato Grosso do Sul evidenciam novamente a violência que pauta, historicamente, a relação com os povos indígenas no Brasil, sobretudo quando estão envolvidos interesses fundiários, pragmatismo político e poder econômico. Numa tal situação, o Direito deve impedir que garantias constitucionais sejam violadas.
A Constituição reservou o capítulo VIII do título VIII, além de outros dispositivos, ao tratamento dos direitos dos povos indígenas. Ao fazê-lo, introduziu pelo menos dois aspectos fundamentais que devem nortear a atuação do Estado brasileiro. O primeiro refere-se ao reconhecimento da organização social dos povos indígenas. O segundo consiste no amplo tratamento dado à questão de seus direitos territoriais.
Assim, a Constituição reconheceu línguas, crenças e tradições dos povos indígenas, rompendo abertamente com a orientação de viés assimilacionista que pautava a legislação anterior. É nesse sentido que, ao garantir aos índios uma educação baseada na utilização de suas línguas maternas e seus processos próprios de aprendizagem (art. 210, § 2o), a proteção às suas manifestações culturais (art. 215, § 1o) e, inclusive, a própria legitimação das comunidades e organizações indígenas para ingressar em juízo para a defesa de seus direitos e interesses (art. 232), a Carta contribuiu para a preservação da identidade cultural de tais povos e, com isso, para a salvaguarda de nossa riqueza cultural.
Conexo e, ademais, indispensável à própria implementação do direito ao reconhecimento de sua organização social por parte do Estado brasileiro estão os direitos territoriais dos povos indígenas. Não é por outra razão que o art. 231 da Constituição, reportando-se às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, impõe à União o dever de demarcá-las. A demarcação constitui, assim, um procedimento constitucionalmente previsto para o reconhecimento formal da ocupação indígena de um determinado território. O processo demarcatório, regulamentado pelo Decreto 1.775/96, incumbe à Fundação Nacional do Índio e se realiza, nos termos da lei, mediante a participação dos estados e municípios em que se localiza a área sob demarcação, assim como a dos demais interessados, garantindo-lhes, portanto, contraditório e ampla defesa.
Está em curso no Congresso a PEC 215, cujo intuito é transferir a função da demarcação para o Poder Legislativo. Trata-se de iniciativa inconstitucional e que só se explica em virtude da pressão de grupos fundiários que, sob o argumento de que haveria terra em demasia para os povos indígenas e de que os mesmos atrapalhariam o desenvolvimento econômico, propõem que se desconsiderem direitos historicamente conquistados. Alterar o procedimento legal atualmente em vigor implica submeter os direitos dos índios a interesses privados, ao poder econômico e ao pragmatismo político.
 
 
Orlando Villas Bôas Filho é professor de Direito


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