quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Te Contei, não ? - O Brasil precisa de médicos ?

Governo decide trazer seis mil profissionais de saúde cubanos para as áreas mais remotas do País, onde, apesar dos salários mais altos, brasileiros não querem se estabelecer. As associações médicas reclamam que isso não é a solução

Nathalia Ziemkiewicz
Encravada na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru, Tabatinga é uma cidade amazonense com cerca de 50 mil habitantes. Quando um dos moradores das comunidades ribeirinhas do rio Solimões adoece, tem de torcer pela visita de um barco da Associação Expedicionários da Saúde ou de enfermeiros, pois médicos por lá são coisa rara. Os poucos doutores que circulam são imigrantes ilegais dos países vizinhos, em busca de remuneração mais atraente. “Os brasileiros não aceitam trabalhar nesses locais sem infraestrutura”, afirma o médico Ricardo Affonso Ferreira, presidente da ONG. “Só aqueles muito idealistas mesmo.” Na região Norte, a média é de um médico para cada mil habitantes, segundo pesquisa divulgada em março pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Diante desse diagnóstico alarmante, o governo anunciou na segunda-feira 6 um acordo para importar seis mil médicos cubanos para os municípios brasileiros geograficamente isolados e carentes de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS).
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Médicos cubanos (acima) serão deslocados para atuar em regiões carentes de
profissionais de saúde, como a Amazônia (abaixo), desprezadas pelos colegas brasileiros
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A ideia ganhou força meses atrás, quando a Federação Nacional de Prefeitos (FNP) pressionou o governo federal a encontrar soluções para a falta de médicos em locais como Tabatinga. Embora ofereçam vagas com salários mais altos que os das grandes cidades, as prefeituras do interior e periferias não conseguem atrair profissionais de saúde. Enquanto isso, a população clama por atendimento. “Sugerimos a contratação de médicos ibero-americanos, com idioma semelhante”, diz José Fortunati, prefeito de Porto Alegre e presidente da FNP. No Itamaraty, o chanceler Antônio Patriota considerou a cooperação estratégica e promissora. “Cuba é muito proficiente nas áreas da medicina, farmácia e biotecnologia”, afirmou. Em junho, a presidenta Dilma Rousseff deve assinar um decreto para oficializar a decisão que sairá dos cofres do Ministério da Saúde – ainda não se sabe se os vistos serão concedidos de forma definitiva ou provisória.
Os conselhos regionais e associações de medicina criticaram a medida, chamando-a de “irresponsável” e “temerária”. Isso porque, para atuarem no Brasil, todos os médicos com diploma no Exterior são obrigados a prestar o Revalida, exame em português que testa a qualidade da formação profissional. Em 2012, apenas 11% daqueles que estudaram em Cuba foram aprovados. O resultado chama a atenção. Primeiro, porque há um médico para cada 175 cubanos, um excelente índice – no Reino Unido, essa proporção é de um para 600. Segundo, porque a medicina do país sempre foi exaltada, motivo de orgulho e prioridade do Partido Comunista. Talvez a formação generalista dos cubanos seja um dos empecilhos ao desempenho na prova brasileira. Vice-presidente do CFM, Carlos Vital acredita que o curso de medicina de muitas universidades latino-americanas nem sequer equivale ao nosso de enfermagem no Brasil. “É comum encontrar um ensino precário e instituições que são verdadeiras arapucas”, diz Vital. Para ele, seria indigno oferecer “pseudomédicos” para a parcela mais vulnerável da população, atendida pelo SUS. As associações médicas classificam o acordo Brasil-Cuba de eleitoreiro. Alegam que a política pública eficaz seria a destinação de mais recursos para o setor, “um mínimo de 10% da receita bruta da União”, para aprimorar toda a rede de serviços de saúde gratuitos.
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Dora e o irmão Marcos foram buscar o diploma médico em uma universidade na Bolívia
O ministro da saúde, Alexandre Padilha, defende que o assunto não seja tratado como um tabu. “Na Inglaterra, quase 40% dos médicos foram atraídos de outros países”, diz. “Faltam profissionais de saúde perto da população.” Ele cita a crise econômica de países como Espanha e Portugal como possibilidade de intercâmbio que beneficie os brasileiros. Mas o problema central não é a quantidade de médicos, e sim a desigualdade na distribuição deles pelo País (confira no quadro abaixo). Desde 1970, o aumento no número de formados foi de 557%. Porém eles tendem a se fixar onde existe um mercado estruturado, com condições de vida, hospitais equipados, cobertura de planos de saúde, remuneração digna e formação continuada. Poucos aceitam se mudar com a família para uma cidade sem boas escolas, opções de lazer ou mesmo um local de trabalho que não ofereça recursos mínimos para atender os pacientes. “Os profissionais de locais sem infraestrutura desistem do emprego porque sentem a frustração de assumir uma responsabilidade sem os instrumentos para exercer de forma adequada sua profissão”, diz Vital.
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Mesmo os estrangeiros mais entusiasmados com a chance de atuar nas paisagens longínquas têm mudado de ideia rapidamente. Nos últimos dez anos, dos 6.980 médicos que revalidaram o diploma para trabalhar no Brasil, 42,22% estão no Estado de São Paulo e outros 16% em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Ou seja, nada garante que os seis mil cubanos consigam se estabelecer e povoar os locais que mais precisam deles. A situação poderia ser amenizada, segundo os médicos, com a criação de planos de carreira, a exemplo do que acontece na magistratura. “Estabilidade e boa remuneração pesam muito para os médicos”, afirma Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da ampla pesquisa de demografia médica. Por enquanto, o Ministério da Saúde oferece, desde 2012, o Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica (Provab). Trata-se de uma bolsa de R$ 8 mil por mês com acompanhamento de universidades para os médicos que se instalarem no interior e nas periferias das grandes cidades. Mas o programa não tem atraído muitos candidatos.
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Na contramão da importação de profissionais de saúde, estudantes têm saído do Brasil para cursar faculdade de medicina em países vizinhos, animados por anúncios na internet que vendem pacotes para intercâmbio com “mensalidades baratas” e “sem vestibular”. Aos 32 anos, Dora Flores de Navarro, de Tabatinga, frequenta o quarto ano de medicina na Universidade Privada Aberta Latino-americana, em Cochabamba, na Bolívia. Os pais comerciantes se esforçam para enviar os US$ 130 de sua mensalidade e de seu irmão, Marcos Davi, que está lá pelo mesmo motivo. Os dois miram-se no exemplo de Sara, a irmã pioneira formada na Universidade Privada Aberta Latino-americana e empregada no Brasil. “Não foi fácil, mas, se ela conseguiu revalidar o diploma, acho que a formação que recebemos aqui atende às exigências do Revalida”, diz Dora. Em 2012, dos 411 médicos que estudaram na Bolívia, somente 15 foram aprovados na prova, um teste de critérios bem rigorosos. Mesmo Portugal, com o melhor desempenho, garantiu a entrada de apenas 37% dos seus profissionais.

Revista Isto É / maio / 2013

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