sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Te Contei, não ? - Pecado Capital

Destruída por um incêndio ocorrido há dois anos, a capela da UFRJ, no câmpus da Praia Vermelha, ainda espera pelo início das obras de recuperação

por Letícia Pimenta | 20 de Março de 2013

fotos Juliana Pimenta e Isabele AngelO interior da igreja (acima) e o andar logo abaixo no Palácio Universitário, que virou depósito de móveis (à esq.): após o fogo, o cenário ainda é de terra arrasada

 
A expressão “obra de igreja” se presta a descrever uma reforma arrastada, daquelas que demoram bem mais que o tempo necessário ou em que não se vê evolução no dia a dia. É o caso da centenária capela de São Pedro de Alcântara, no câmpus da UFRJ na Praia Vermelha, atingida por um incêndio em 28 de março de 2011. O fogo, cujo estopim foi um maçarico usado por um operário que soldava a estrutura de sustentação do telhado, causou um estrago inestimável. No altar ficava uma imagem de São Pedro de Alcântara de mármore de Carrara, feita pelo artista alemão Ferdinand Pettrich (1798-1872), autor também de esculturas e bustos de personalidades do Império. Tanto a peça do santo quanto os demais ornamentos e o belo mobiliário do templo foram inteiramente consumidos pelas chamas. Quase dois anos depois do ocorrido, o panorama de terra arrasada permanece. Outra parte do Palácio Universitário exibe o mesmo cenário desolador. O espaço no térreo logo abaixo da igrejinha virou um almoxarifado, com cadeiras, mesas e computadores velhos depositados em seu interior. “Era um dos raros templos em estilo neoclássico do Rio com o interior preservado. Foi uma tragédia”, lamenta o historiador Milton Teixeira.
 
 





No que depender dos trâmites burocráticos para destravar sua reconstrução, o santuário continuará caindo aos pedaços por um período. Somente na semana passada foi concluída a licitação do projeto de restauro do templo, que abrange também outros prédios do câmpus. Por lei, a empresa escolhida tem até um ano para entregar o projeto. A partir de então, a universidade dispõe de mais seis meses para fazer a licitação da firma que ficará responsável pela execução da reforma. Ainda não foi definido qual será o conceito da restauração, mas há duas possibilidades: recompor o estilo original da construção ou fazer uma releitura contemporânea. Independentemente da opção selecionada, o início das obras vai demorar, no mínimo, mais um ano e meio.

O pecado patrimonial fica evidente quando se refaz o roteiro de equívocos que culminou no sinistro. Antes do incêndio, estava em curso o restauro de fachadas e telhados dos imóveis universitários da Praia Vermelha, incluindo a charmosa capela. No entanto, a empresa que venceu a licitação, escolhida pelo menor preço, não era qualificada para o trabalho. Impugnada pela UFRJ, ela recorreu à Justiça e obteve o direito de retomar o serviço. Deu no que deu. O inquérito instaurado pela Delegacia de Patrimônio Histórico e Meio Ambiente concluiu que houve negligência, imprudência e imperícia por parte da contratada. Ficou constatado também que o soldador não tinha habilitação para exercer a função e que um arquiteto atuava como engenheiro responsável. “Quando vi de perto o que aconteceu, tive vontade de chorar”, conta Lucinda Caetano, arquiteta angolana formada pela UFRJ e que nos anos 90 coordenou a equipe responsável pelo primeiro projeto de revitalização do complexo. Após o incêndio, a capela passou por uma obra emergencial, ao custo de 1,5 milhão de reais, com o objetivo de escorar as suas bases. Em paralelo, uma firma de arqueologia foi contratada para recolher fragmentos de peças nos escombros, na esperança de recuperar em parte bens valiosos que foram danificados. O capítulo seguinte da história chega a ser risível: a universidade montou uma exposição batizada de Canteiro Aberto, composta de painéis sobre a história do Palácio Universitário, restos de mobília e vestimentas eclesiásticas.

Uma das edificações integrantes do conjunto do antigo Hospício Pedro II, a capela de São Pedro de Alcântara foi erguida entre 1842 e 1852 pela Santa Casa de Misericórdia, que contou com o apoio do último imperador do Brasil na empreitada. Um de seus pontos altos era o altar, com detalhes de cedro e ouro que marcam a transição do rococó para o neoclássico. Imagens sacras do século XIX, cadeiras em estilo império com palhinha, sofás de jacarandá e enormes lustres em estilo aranha adornavam a igreja, tombada pelo Iphan em 1972. Apesar de acanhada, com uma área de 136 metros quadrados e capacidade para acolher 150 pessoas, a igreja da Praia Vermelha tornou-se muito requisitada para a realização de cerimônias de casamento. “Em termos artísticos, muito do que se perdeu é irrecuperável”, afirma Paulo Bellinha, diretor de preservação dos imóveis tombados da UFRJ, que tem alguns de seus endereços necessitando de uma profunda restauração (veja o quadro acima). Resta ao carioca manter a fé. Mas o fato é que, reconstruída ou não, a capela jamais será a mesma.
 
Revista Veja

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