sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Te Contei, não ? - O paraíso de Brown

Em Inferno, seu sexto romance, Dan Brown repete a fórmula que o consagrou como um best-seller mundial- mas nem por isso quem gosta de entretenimento vai se decepcionar
 
Só o escritor americano Dan Brown, 48 anos, lança um livro assim, com tamanha pompa e popularidade. Na quarta-feira passada, um dia depois de distribuir seu sexto romance nas livrarias americanas, ele praticamente lotou os 2.700 lugares de um dos teatros do Lincoln Center, em Nova York. Os convidados exibiam ingresso e tinham lugar marcado. Câmera e filmadoras atulhavam as duas primeiras frisas de camarotes. Dan Brown subiu ao palco, apropriadamente decorado com símbolos enzimáticos, e recebeu uma ovação de estrela. Sozinho, vestindo paletó e gravata, em uma tribuna de acrílico transparente, ele contou histórias durante 58 velozes minutos. Ao ritmo de uma piada a cada quatro frases, entreteve a plateia à sua frente e a plateia virtual, que acompanhava a transmissão via internet.
Com bom humor, Dan Brown lembrou a infância como filho de um professor de matemática e uma organista de igreja, localizando aí, na profissão dos pais, seu fascínio precoce pela tensão entre religião e ciência. Falou dos bastidores das gravações dos dois filmes baseados em seus livros – O Código Da Vinci e Anjos e Demônios, ambos com Tom Hanks no papel principal. Respondeu a sete perguntas que lhe foram enviadas on-line e, por fim, apresentou seu novo livro, Inferno (tradução de Fabiano Morais e Fernanda Abreu, 448 páginas, 39,90 reais, ou 24,99 na versão eletrônica), que chega às livrarias brasileiras nesta segunda-feira. Apresentou livro com uma piada:
- Os boatos contam que o papa Bento XVI renunciou às pressas depois de ler os originais de Inferno – a plateia, formada por jornalistas, amigos, parentes, colegas, editores e convidados ilustres, se uniu numa sonora gargalhada.
Pura brincadeira. Inferno não provoca a Igreja Católica como o fez O Código Da Vinci, que vendeu 81 milhões de exemplares e teve tanto impacto que levou o Vaticano a desmentir publicamente a versão do livro segundo a qual Maria Madalena e Jesus Cristo deixaram descendentes. Mas podia chamar-se, digamos, O Código de Dante. E cria da mesma receita de sucesso. Brown mistura os mesmos ingredientes que o alçaram ao Olimpo do mercado editorial com 200 milhões de exemplares vendidos em 52 idiomas: organizações secretas, cidades históricas, pinturas renascentistas, símbolos medievais, códigos ocultos e conspirações, tudo amarrado numa narrativa vertiginosa, cinematográfica, em que a revelação de um segredo ou de um mistério é a diferença entre a vida e a morte – às vezes, de meia humanidade. No centro da trama de Inferno está, agora pela quarta vez, Robert Langdon, professor de simbologia de Harvard que usa relógio do Mickey Mouse, paletós Harris Tweed e está sempre às voltas com um mistério.
Inferno não dispensa nenhuma oportunidade de ação e de truque calibrado para surpreender o leitor. O prólogo apresenta um suicídio misterioso – “o último passo para mergulhar no abismo” – e o primeiro capítulo abre com o professor Robert Langdon hospitalizado em estado de completa desorientação. Ferido por um tiro de raspão na cabeça e com uma crise de amnésia, ele pensa que está nos Estados Unidos, mas está na Itália. Pensa que está em Boston, mas está em Florença. Sua cabeça dói e, dentro dela, se desenrola um pesadelo recorrente: na beira de um do com águas vermelhas tingidas de sangue uma bela senhora de cabelos prateados, diante de um mar de cadáveres, sussurra para o professor Langdon: “Busca e encontrarás”. No hospital, Langdon é atendido por Sienna Brooks, atraente médica inglesa, 32 anos, QI de 208. Logo, quando uma mulher de cabelos espetados e macacão de couro invade o hospital com uma arma equipada com silenciador para matar nosso professor, a aventura começa – e entra no passo acelerado dos thrillers.
Quem é a assassina? Por que quer matar nosso professor? Langdon e Sienna fogem do hospital pelas sinuosas ruas de Florença. No apartamento de Sienna, descobrem no paletó do nosso professor um minúsculo projetor que exibe a imagem de La Mappa dell’ Inferno, de Sandro Botticelli, que retrata a etapa do inferno da Divina Comédia, de Dante Alighieri. O quadro de Botticelli, porém, está adulterado. Os nove círculos que compõem o inferno estão fora de ordem. Nas pernas dos enterrados vivos até a cintura e de cabeça para baixo há letras que formam um código. Por quê? O que dizem as letras? Por que o pesadelo? No rastro de tantas perguntas, só um comando faz sentido: “Busca e encontrarás”.
Inferno gira em torno de mensagens e personagens enigmáticos: a assassina de roupa de couro, diretora da Organização Mundial de Saúde e comandante de uma organização secreta, o “Consórcio”, que opera a bordo de um iate de 300 milhões de dólares no Mar Adriático. Aqui, Dan Brown planta uma semente para o sucesso. Na introdução, ele avisa que o “Consórcio é uma organização secreta com escritórios em sete países. Seu nome foi modificado por questões de segurança e privacidade”. Quem duvida que descobrir a real identidade do “Consórcio” será o novo esporte dos fãs de Brown? Outra semente: o livro chegou às livrarias americanas em 5/14/13, data que (no formato americano, com o mês antes do dia), lida ao contrário, é o valor do número pi: 3.14]5. Misterioso, não? O eixo central de Inferno é a previsão malthusiana de superpopulação do planeta. Seu fio condutor, claro, é o Inferno de Dante. Quem busca boa literatura em Dan Brown deve lembrar-se do aviso que Dante colocou no portal do inferno: “Abandonai toda a esperança, vós que aqui entrais”. (Ao descrever o sonho recorrente do professor Langdon, Dan Brown exibe a profundidade de lâmina de suas metáforas ao pôr um mar de cadáveres dentro de um rio de sangue. Quem pensaria nessa associação, não é mesmo?) Inferno de Brown é bom entretenimento. Isso está fora de dúvida. Na semana passada, no Lincoln Center, Dan Brown disse que, se Inferno ajudar a redescobrir – ou descobrir – a obra de Dante, ele terá cumprido sua missão. “Passei os últimos três anos, literalmente, no inferno”, brincou. Agora, com uma tiragem inicial, só nos Estados Unidos, de 4 milhões de exemplares, Dan Brown está de volta aos três círculos do seu paraíso: sucesso, fama e dinheiro.

Revista Veja

2 comentários:

  1. Essa resenha é tão boa que até mesmo me deu vontade de ler o livro.

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  2. Ótima resenha mas é uma pena que não posso comprar o livro pois parece ter o público alvo adultos e o contexto pelo que vi não é Juvenil por isso terei que crescer mais :D para ter uma maturidade boa .

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