sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Crônica do Dia - Vida de artista - Walcyr Carrasco

Muita gente me pergunta como é a vida de um escritor. Quando conto, provoco decepção. É uma rotina chata. Só consigo escrever de noite. Isso pode parecer charmoso. Tente viver comigo! Imagine não sair, quase nunca. Não jantar fora, evitar cinema, pouco ir ao teatro, não aceitar convites para festas e reuniões de amigos. Começo a escrever no início da noite e só termino de madrugada. Os amigos, é claro, não entendem.
– Mas você só vem jantar com a gente e depois volta a escrever.
– Dá só uma passadinha na festa.
– Isso não existe.

Para começar a escrever, preciso estar tranquilo, relaxado. Se saio, minha cabeça embaralha. Perco o ímpeto. Há um charme na profissão, e a gente é convidado para tudo o que acontece, praticamente. A contrapartida é que nunca dá para aceitar! Confesso que adoro escrever. Mas também adoro comer bem, ler, assistir a filmes e falar pela internet – sem falar em outros detalhes íntimos. É preciso disciplina para abdicar de tudo isso, sentar e trabalhar das 8 da noite mais ou menos até de madrugada. Quando termino um capítulo de Amor à vida, minha próxima novela, os personagens estão vivos na minha cabeça. A história pulsa. Dedico-me então a meu único vício: fumar um charuto na varanda. É quando penso na vida e, é claro, no próximo capítulo. Deito lá pelas 5. Acordo à 1 da tarde, invariavelmente atrasado para algum compromisso. Sim, as pessoas insistem em marcar alguma coisa. É incrível como as pessoas gostam de reuniões. E de almoços. Odeio marcar almoços, porque isso diminui minhas horas de sono. Mas, quando você se torna um escritor conhecido, as pessoas querem marcar compromissos o tempo todo. Se aceitar, nem sobra tempo para escrever. É insensato, mas é desse jeito que o mundo funciona. Para fugir, uso uma técnica: se querem marcar algo em São Paulo, digo que estou no Rio de Janeiro. E vice-versa. Boa parte das vezes estou simplesmente escondido.

Faço o possível para malhar e praticar pilates. Mas a ginástica é fugir dos compromissos. É uma loucura. Há três anos estou para fazer uma consulta ao oftalmologista. Meu maior programa é ir a boas livrarias e me abastecer de novos lançamentos. A maior parte não leio, por falta de tempo, mas tenho esperança de que algum dia...

Quando termino um capítulo,
os personagens estão vivos na minha cabeça. A história pulsa 
Gosto desta vida. Adoro ficar dois dias sem sair de casa. Tenho poucos e bons amigos. É o mais importante. Não conseguiria ser diretor de televisão. Eles, sim, sofrem! Como autor, posso escrever uma linha do tipo: “Então o exército cruza o riacho”. O pobre diretor tem de transformar essa simples frase num acontecimento visual. Achar o riacho. Contratar atores e figurantes para montar o exército. Figurinistas para vesti-los. Cavalos. Armas. Uma vez, armei uma greve na novela Esperança. Liguei para o diretor Luiz Fernando Carvalho e avisei.

– Tudo bem, eu seguro – ele disse.

Em uma semana, ele pôs 100 figurantes vestidos em trajes de época no ar. Não imagino como conseguiu. Já me tornei amigo do Wolf Maya, diretor de núcleo, e do Mauro Mendonça Filho, diretor-geral de Amor à vida, porque me compreendem. Seguram minhas loucuras. Só para você ter uma ideia: gravarão em Machu Picchu e em outros locais do Peru, que chegam a 4.900 metros de altitude.

Menos glamourosa é a vida dos atores. Parece charmosa quando aparecem em baladas, camarotes VIPs etc. A realidade é dura. Se você vê a cena de uma festa deslumbrante numa novela, saiba que ela pode ter sido gravada às 9 da manhã. Isso significa que as estrelas acordaram às 5 e chegaram às 7, para fazer cabelo e maquiagem. O que há de glamouroso em pular da cama às 5 para trabalhar? E ainda ter de estar bela e com aparência de felicidade, apesar do sono? Além disso, atores esperam, e como! As cenas na televisão são gravadas de acordo com um minucioso quebra-cabeça, em função de cenários e externas. Se um ator está numa externa, é preciso que ele a termine e volte ao estúdio, para então gravar uma cena na sala de jantar. Mas a atriz pode ter gravado outra cena no estúdio muito antes. Espera por ele. Horas e horas. Às vezes o dia todo.

Vida de artista é exaustiva. A vantagem é que todos amamos fazer o que fazemos. Por isso, quando alguém me pergunta o segredo para entrar na área, digo:

– Só tente se escrever, dirigir ou atuar seja tão importante para você como respirar.
Só a paixão dá felicidade ao artista. O glamour é só para quem está de fora.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário