Luiz Garcia, O Globo
É um detalhe, que certamente não tem qualquer importância real, mas não deixa
de ter um significado simbólico: há muito tempo não temos um Papa sem número.
Francisco é o primeiro Papa nessa condição, desde os primeiros séculos da
Igreja.
Uma coincidência, sem dúvida alguma, mas, quem sabe, também um sinal de que
este chefe da Igreja pode ser diferente, em bom sentido, de muitos de seus
antecessores, sem demérito, é claro, para qualquer deles.
Por exemplo, quando se ouviu um deles, espontaneamente, defender os
homossexuais? “Se uma pessoa é gay”, disse Francisco, “procura Deus e tem boa
vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la?” Não me lembro de ter ouvido
um chefe da Igreja Católica fazer essa declaração, ainda por cima
espontânea.
O dever da castidade imposto aos sacerdotes deixa-os obviamente distantes de
suas palavras, mas, não sei não, quem nos diz que não seja um discretíssimo
primeiro passo na direção de novos caminhos ainda mais surpreendentes? E ele não
tratou apenas desse tema: declarou — sempre sem ser resposta a perguntas — que
as mulheres têm papel mais importante do que o dos bispos; e ainda provocou: a
Igreja precisa enfrentar a questão do divórcio.
Considerando-se que o catolicismo proíbe o divórcio, cabe perguntar: em que
direção deve ser a discussão desse tema?
Para completar o rosário de temas delicados, o Papa Francisco tocou
espontaneamente em outro assunto espinhoso. Um monsenhor que ele nomeou para o
Banco do Vaticano foi acusado de fazer parte de um lobby gay — e Francisco não
hesitou em afirmar que ele não cometera crime algum —, embora tenha aproveitado
para dar uma lambada em todos os lobbies, gays ou não.
Há muito tempo não leio afirmações de um chefe da Igreja tratando
espontaneamente de temas tão delicados e, pelo menos aparentemente, saindo-se
tão bem. Inclusive ao passar um pito — indiretamente, pelo menos — no clero
brasileiro: estamos perdendo fiéis, principalmente para as igrejas
neopentecostais.
Quem sabe, a visita de um chefe da Igreja com a coragem de tratar de temas
delicados estimule o clero brasileiro a tomar iniciativas mais audaciosas, no
melhor dos sentidos, é claro, para manter e ampliar a sua condição de religião
mais poderosa — melhor dizendo, mais operosa — do Brasil e do continente.
Não lhe faltam — pelo menos ainda — fiéis para isso. Nem um clero à altura da
tarefa. Pelo menos, é o que imagina este ateu.
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