quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Resenhando - Amigo é para essas coisas




Em Marley & Eu, adaptado do best-seller de John Grogan,
o homem é o melhor amigo do cão – um labrador alegre
e amoroso, mas de hábitos destruidores
e temperamento incontrolável
 

 
Marley & Eu (Marley & Me, Estados Unidos, 2008), a versão para o cinema do sucesso editorial do jornalista americano John Grogan sobre a vida movimentada que seu cão Marley lhe proporcionou, é um programa familiar que tem também esse jeito amigável e meio bagunçado dos labradores. Não é difícil identificar os momentos em que um puxão mais determinado na guia teria impedido o filme de andar a esmo – quase todos eles protagonizados por Owen Wilson, que interpreta Grogan naquele seu registro costumeiro, entre o bem-humorado e o preguiçoso, e só parece acordar de verdade nas cenas que divide com o inestimável Alan Arkin, que faz seu chefe. Quando é Jennifer Aniston quem está no comando, no papel da sensata e generosa Jenny, a mulher de John, o ritmo se torna mais decidido e o propósito da história, mais claro: o de ser uma espécie de manifesto sobre a afeição incondicional. Não se está falando aqui apenas da proverbial lealdade dos cães a seus donos. O desastrado Marley, com sua capacidade infinita para estorvar, testou a mão dupla desse relacionamento de todas as maneiras possíveis durante os treze anos em que viveu com os Grogan. A conclusão a que o filme, que estréia neste dia 25 no país, leva com muita graça (assim como o livro) é que Marley era, sim, uma dor de cabeça. Mas era uma dor de cabeça que os Grogan não trocariam por nada.
Na história, que segue bem de perto o livro, o recém-casado John teme que Jenny queira começar uma família de imediato. Para aplacar os instintos maternos que ele suspeita estarem aflorando, pensa numa solução aparentemente mais simples: dar-lhe um filhote de labrador. John e Jenny não ouvem o alarme tocar quando, no canil, a criadora lhes diz que aquele cãozinho assanhado que logo se atirou sobre eles está saindo por um preço especial – 200 dólares, em vez dos 275 de praxe. "Que graça, um filhote de liquidação", anima-se Jenny. O desconto de 75 dólares vai virar um prejuízo incalculável com móveis arranhados, estofados eviscerados, paredes mastigadas, objetos quebrados, embaraços com a vizinhança e até uma corrente de ouro engolida no exato momento em que saía da caixa da joalheria (num ótimo lance de escalação, os "atores" que fazem Marley têm um apetite monstruoso, ao menos em cena).
O roteiro não exatamente original, mas ainda assim prestativo, traça um bom paralelo entre a convivência dos Grogan com Marley e os acertos e negociações exigidos por outra relação um tantinho mais complicada – a deles mesmos. Com dois filhos ainda em fraldas em casa, Jenny estoura e, por algumas horas, quer se livrar do cão; mais provavelmente gostaria de ter mandado John passear naquele instante, mas as conseqüências teriam sido mais drásticas. Da mesma forma que o livro e a coluna em um jornal de Miami que primeiro fez a reputação de Grogan, na qual Marley era personagem assíduo, o filme fala a esses sentimentos básicos de leitores e espectadores – sobre imperfeições, espontaneidade, sobre se encantar e depois perder a paciência com quem se ama, e também sobre o dom inexplicável que as mascotes, até as incontroláveis como Marley, têm de saber o momento em que seu dono mais precisa de amparo. Trata, em especial, da contingência fundamental da vida em família: a necessidade de que todos sobrevivam uns aos outros e aprendam a apreciar-se pelas qualidades e também pelos defeitos.

Nesse aspecto, o trabalho do diretor David Frankel se destaca. Conhecido até aqui pela mordacidade de O Diabo Veste Prada e do seriado Entourage, ele anima o filme com uma alegria e uma afabilidade que somam muito ao seu saldo final – sem, no entanto, fazer do labrador um bicho fofo, o que, de acordo com o relato de Grogan, ele nunca passou perto de ser. Quando, próximo do desfecho, Marley já está velho e cansado, as três crianças dos Grogan é que aprenderão, por meio dele, a compreender que existe doença, idade e um fim. Tanta coisa, argumenta Marley & Eu, em troca de tão pouco – alguma paciência, algum carinho e uns sacos de ração. Ou muitos, no caso desse grandalhão.
 
Revista Veja

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