sábado, 5 de abril de 2014

Crônicas do Dia - Existe destino ? - Walcyr Carrasco


Certa noite, um amigo abriu a geladeira, morto de fome. Vazia. Resolveu comer uma pizza. Andou dez quadras, até encontrar uma pizzaria aberta no centro de São Paulo. Percebeu uma garota sentada sozinha, na mesa de trás, mas nem a olhou direito. Quando o refrigerante chegou, viu que não era o diet pedido. O garçom acabara de servir a mesa de trás. Virou-se. Perguntou à garota se não haviam trocado seus refrigerantes. Ela concordou. Trocaram as garrafas. Conversaram alguns minutos, ela contou que não morava em São Paulo, estava na cidade por alguns dias. Ele sentiu vontade de pedir seu telefone, mas não ousou. Foi embora com a garota na cabeça. Na tarde seguinte, subiu a pé a Rua da Consolação, para visitar um amigo. Ela descia. Pararam. Conversaram. Ele a convidou para sair. Faz 15 anos. Estão até hoje juntos. Outro dia, ele me perguntava:


– Existe destino? Se eu não tivesse ido comer aquela pizza, se o garçom não tivesse trocado as garrafas, estaríamos juntos?

Não tenho resposta. Às vezes a vida parece programada para que as coisas aconteçam de um jeito inesperado, em que tudo se encaixa. Nem sempre de forma maravilhosa. Há o caso da mulher cujo filho sonhava em esquiar. Negociava um pacote para Bariloche, quando o agente de viagens propôs outro para o Canadá. O filho partiu. Durante a viagem, foi atravessar uma ponte que ruiu. Morreu na queda.

– Se meu filho tivesse ido para Bariloche, estaria vivo? – ela se pergunta.

Há casos, inúmeros, em que a Roda da Fortuna parece agir. Há vários casos de atrizes e modelos famosas que nem pretendiam entrar para o ramo. Foram apenas acompanhar uma amiga no dia do teste. Na hora, resolveram fazer também e estão aí até hoje. Pelo que sei, foi o que aconteceu com Gisele Bündchen, que foi ao teste acompanhar a irmã. Há histórias de passageiros que perdem o voo, e o avião explode. E outros que antecipam a viagem para perder a vida nas nuvens. Uma aparente coincidência pode mudar o rumo de uma vida. Como no caso do sujeito que procura emprego e conhece por acaso o dono de uma grande empresa.

Eu mesmo já vivi situações em que parece haver uma lógica acima da minha vontade. Até que, para o jornalista, isso é parte do cotidiano. É preciso esforço para conseguir notícias em primeira mão. Às vezes elas simplesmente caem no colo. Fui jornalista boa parte da minha vida e sei como é. Certa vez, quando era iniciante, fui fazer uma matéria sobre implante de cabelos. Faz bem uns 30 anos. Escolhi um médico ao acaso, queria somente os dados técnicos. Durante a entrevista, percebi que ele estava absolutamente desconfortável. E me encarava com desconfiança, enquanto eu perguntava sobre técnica após técnica. A certo momento, ele explodiu:

– Abra o jogo de uma vez. Como sabe que fiz o implante do Roberto Carlos?

Não tinha a menor ideia de que Roberto Carlos fizera implante. Era segredo. Assumi um ar misterioso, disse que não revelaria minhas fontes. Saí com um furo maravilhoso, que contribuiu para minha ascensão na revista. Sorte? Era meu destino me afirmar como jornalista?

Os gregos antigos acreditavam que o Destino era regido por três entidades, as Moiras. Elas fiavam a vida dos seres humanos. Em seu tear, a Roda da Fortuna. O alto correspondia ao melhor momento da vida da pessoa. O baixo, ao pior. Mas o Destino, em si, não era bom nem mau. Era apenas parte da teia da vida da humanidade. Embora, segundo os gregos, tentar fugir ao Destino ocasionasse a tragédia. Quando Édipo nasce, prevê-se que ele mataria o pai e se casaria com a mãe. O pai manda que seja morto, mas o bebê é dado a outra família. Ao crescer, Édipo cumpre exatamente a previsão: mata o pai e se casa com a mãe. Teria acontecido se fosse criado pelos verdadeiros pais?

Quem não acredita em Destino afirma que nossas escolhas nos levam inexoravelmente ao futuro. Não acredito que a vida esteja completamente em nossas mãos. Recentemente, um homem teve um ataque cardíaco em casa. A família conseguiu rapidamente uma ambulância. No trajeto para o hospital, ele já recebia os primeiros socorros. Em plena Avenida dos Bandeirantes, em São Paulo, a ambulância sofreu um acidente. Morreram o médico e o paciente. Seria destino do homem morrer naquele dia? Ou do médico? Ou dos dois? Em casos como esses, a gente sente que a mão do Destino muitas vezes nos agarra de surpresa.

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