Depois de Simone de Beauvoir, Betty Friedan e Naomi Wolf,
Valesca Popozuda. Desde que fez de “Beijinho
no ombro” o grande sucesso do início de 2014, a funkeira carioca do Irajá
começou a falar de feminismo em suas entrevistas e abraçou a campanha contra a
violência sexual contra as mulheres. Com toda a razão, só faz o que manda seu
coração. “Deu vontade de fazer, faça! Não se arrependa!”, diz Valesca, de 34
anos. A fase feminista é também uma fase “mais magra” – as coxas que já foram
mais grossas que a cintura de Gisele
Bündchen estão com apenas 53 centímetros. E uma fase mais pop – seu novo
clipe evoca Madonna e Lady Gaga. Só que Madonna e Lady Gaga são estrelas de outros
verões. No Brasil de 2014, quem reina é Valesca Popozuda. Esta entrevista foi
publicada na edição 827 de ÉPOCA.
Nesta semana, Valesca foi centro de uma polêmica ao ser mencionada como
"grande pensadora contemporânea" em uma prova de filosofia da rede pública do
Distrito Federal. A funkeira logo comentou o caso nas redes sociais, segundo reportagem do G1. "[O que] me espanta mesmo é todo mundo se
preocupar com uma única questão da prova sem analisar os termos por trás disso
tudo."
ÉPOCA – Numa pesquisa do Ipea, 26%
dos entrevistados disseram concordar com a afirmação “mulheres que usam
roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O que a senhora achou desse
resultado?
Valesca Popozuda – Se fosse assim, as mulheres que usam
burca nunca seriam violentadas. E as crianças que são estupradas, elas
provocaram também? A roupa não influencia em nada. O homem que ataca uma mulher,
uma criança ou uma idosa tem o instinto pior que de um animal. Homens que fazem
isso – atacam mulheres – são monstros. Só entenderei esse resultado quando
souber como foi feita essa pergunta aos entrevistados. As pessoas podem ter
interpretado errado, assim prefiro acreditar.
ÉPOCA – O movimento
Marcha das Vadias de São Paulo tem a senhora como símbolo da liberdade sexual
feminina. O que é ser vadia?
Valesca – Ser vadia é ser livre. Fazer
o que eu quiser, sem dar explicação a ninguém, sem perguntar “Será que posso?
Será que devo? Será que vou?”. Não! Não! É vadiar em forma de
felicidade!
ÉPOCA – O que é feminismo?
Valesca –
Feminismo é lutar pela mulher. Sei o que ela passa. O homem pode tudo. É o
garanhão e, se pega uma, três ou dez, tudo bem. Ele pode. A mulher, não. Ela é
sempre rotulada como a p..., a vagabunda. Feminismo é a gente lutar pela
igualdade cara a cara. Mostrar que as mulheres são potentes sim e que, quando
queremos alguma coisa, corremos atrás de nossos objetivos e nunca abaixamos a
cabeça para ninguém.
ÉPOCA – Como a senhora rebate as
críticas de quem diz que se interessar por um homem casado só reforça o clichê
de que as mulheres não podem ser amigas?
Valesca – Sou muito radical
nesse ponto. Se uma mulher se interessou pelo homem e ele correspondeu, quem
deveria ser criticado é ele, afinal de contas o casado é ele, é ele quem tem de
manter a linha. Isso também é válido para mulher casada. Uma mulher pode, sim,
ser amiga da outra, mas sempre de olho no namorado ou marido. Geralmente, quem
dá em cima são eles, mas no final é a mulher quem leva a culpa e sai como a
“vagabunda” da história. Os homens ficam lá, pagando de gostosão. Uma mulher
sempre compete com a outra, mas nunca pela aprovação masculina, e sim para
provar para outra mulher quem é mais poderosa no pedaço. Essa é a
realidade.
ÉPOCA – Recentemente, os jornais publicaram notícias
sobre homens que, no transporte público lotado, assediam mulheres – os encoxadores.
Sobre esses e outros crimes de violência contra a mulher, a senhora acha que as
leis brasileiras punem os agressores como deveriam? Por quê?
Valesca
– Acompanhei as notícias e fiquei perplexa ao ver como as mulheres têm
medo de denunciar e fazer a ocorrência contra os encoxadores. Isso se deve a uma
lei fraca, que praticamente não é cumprida. Lógico que eles não são punidos como
mereciam. Deveriam ser julgados e condenados como um criminoso qualquer. Falta
uma lei mais severa, que castigue e exponha o agressor. Às vezes é até um homem
casado, mas sua mulher, em casa, nem imagina o que o safado faz na rua.
ÉPOCA – Mulheres que têm muitos parceiros sexuais, usam roupa curta e
assumem posições de independência são criticadas por tais comportamentos. O que
a senhora acha disso?
Valesca – Os homens são julgados porque pegam
várias mulheres? Não. Eles também usam bermudas caídas, mostram a cueca, e
desfilam sem camisa, e ninguém os julga por isso. A mulher não pode usar uma
roupa curta e dizer que hoje pegará dois ou três, porque já recebe o rótulo de
“periguete”. Em minha opinião, elas não deveriam ser julgadas. São direitos
iguais. Por que só os homens podem ir à academia malhar e mostrar o corpo?
Somente para eles aquela atitude é bonita?
ÉPOCA – Na
sociedade moderna, como as mulheres lidam com as pressões de um ideal de beleza
feminina?
Valesca – A cabeça da mulher é louca! A gente sempre quer
mais um pouco. Eu mesma já passei por fases em minha vida, assim como toda
mulher, em que quis ser grandona, bombadona. Aquela coisa de malhar, malhar e
malhar, até sentir a perna estourar, sabe? Vi gente ir à academia todo dia, com
medo de engordar, de aparecer um pneuzinho ou uma celulite. Tem gente que fica
louca com isso, e acho uma bobeira. Agora, estou noutra fase, quero ficar mais
magrinha, mas sem excessos. Se tiver de comer, como. Tenho de aproveitar a vida!
Amanhã morro e não aproveitei nada.
ÉPOCA – A senhora acha que a
profissão de prostituta deveria ser regulamentada no Brasil?
Valesca
– Tem de ter disposição, e para mim é um trabalho, sim. Tem gente que
pensa que a prostituta não quer nada com nada e que esse caminho é o mais fácil.
E não é por aí. É preciso coragem para fazer sexo por dinheiro. Elas não estão
ali por diversão. Para mim, essas mulheres buscam dentro das boates a
oportunidade que não deram a elas aqui fora. Vou te falar, essa mulher, a
prostituta, é uma guerreira.
ÉPOCA – Meninas jovens e carentes
são mães cada vez mais cedo nas periferias do Brasil. Em geral, elas curtem funk
e letras sensuais. Suas canções têm alguma responsabilidade nisso?
Valesca –
Para mim, essa realidade é o reflexo da falta de diálogo dentro de
casa, seja por vergonha dos pais de tratar do assunto com os filhos, seja por
não se preocuparem mesmo. Não é culpa da música. Educação vem de casa, não vem
da rua. Você é quem cria seu filho para o mundo, ensina o que é certo e o que é
errado.
ÉPOCA – Alguns funks, assim como
outros gêneros musicais, apelam para o sexo nas letras. A mulher é objeto na
cultura pop?
Valesca – Desde o século passado, se vê a mulher como
objeto do desejo sexual. Prova disso é a “Garota de Ipanema” (de Tom Jobim e
Vinícius de Moraes), que naqueles tempos já cantava o corpo da mulher como
objeto do desejo masculino. E é uma canção de MPB, não funk! Então, o sexismo é
parte de nossa cultura há muito tempo. A liberdade feminina ainda é restrita. É
feio a mulher cantar o que deseja, mas é bonito um homem chegar com uma letra de
hip-hop dizendo que vai fazer uma festa que terá mulheres de bunda de fora e
muito sexo. Para a mulher, é feio dizer que vai dominar um homem na noite. Para
o homem, é fácil cantar colocando a mulher como objeto
sexual.
ÉPOCA – A senhora é a favor da legalização do aborto no
Brasil?
Valesca – Não sou a favor nem contra. Vai do momento da
pessoa. Cada um sabe o que passa e o que deve fazer. Nunca fiz, mas não sei o
dia de amanhã e não vou cuspir para o alto. Não condeno quem fez, e cada um tem
o poder e o livre-arbítrio de fazer o que quiser de sua
vida.
ÉPOCA – O que a senhora destaca como vitória feminista e o
que gostaria de ver como conquista no futuro?
Valesca – A mulher
hoje é dona de uma casa, trabalha, é pai e mãe ao mesmo tempo, cuida dos filhos
sem ninguém. Só com isso já mostrou que é guerreira, que ela pode. Isso é uma
vitória. O que falta é a mulher ser respeitada em todos os sentidos e não ser
julgada como pior. Ela vai lá, busca e corre atrás de seus objetivos, enquanto
muitos homens ficam deitados e não têm força, coragem e nem a capacidade de
fazer o mesmo.
ÉPOCA – A senhora já foi alvo de preconceito por
ser mulher?
Valesca – Sofri o que todas sofrem e posso afirmar que
mulher é muito mais julgada. Fui chamada de piranha porque beijei três, quatro
ou cinco, entendeu? Mas e daí? O que é que tem? Eu beijei! Tive vontade! É isso
que toda mulher tem de fazer por aí: deu vontade de fazer, faça! Não se
arrependa!
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