segunda-feira, 21 de abril de 2014

Entrevista - Valesca Popozuda

Depois de Simone de Beauvoir, Betty Friedan e Naomi Wolf, Valesca Popozuda. Desde que fez de “Beijinho no ombro” o grande sucesso do início de 2014, a funkeira carioca do Irajá começou a falar de feminismo em suas entrevistas e abraçou a campanha contra a violência sexual contra as mulheres. Com toda a razão, só faz o que manda seu coração. “Deu vontade de fazer, faça! Não se arrependa!”, diz Valesca, de 34 anos. A fase feminista é também uma fase “mais magra” – as coxas que já foram mais grossas que a cintura de Gisele Bündchen estão com apenas 53 centímetros. E uma fase mais pop – seu novo clipe evoca Madonna e Lady Gaga. Só que Madonna e Lady Gaga são estrelas de outros verões. No Brasil de 2014, quem reina é Valesca Popozuda. Esta entrevista foi publicada na edição 827 de ÉPOCA. 
Nesta semana, Valesca foi centro de uma polêmica ao ser mencionada como "grande pensadora contemporânea" em uma prova de filosofia da rede pública do Distrito Federal. A funkeira logo comentou o caso nas redes sociais, segundo reportagem do G1. "[O que] me espanta mesmo é todo mundo se preocupar com uma única questão da prova sem analisar os termos por trás disso tudo."


 

PODEROSA Valesca Popozuda adere ao movimento em defesa das mulheres. “O homem que ataca uma mulher tem instinto pior que o de um animal” (Foto: Julia Rodrigues/ÉPOCA)

ÉPOCA –  Numa pesquisa do Ipea, 26% dos entrevistados disseram concordar com a afirmação “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O que a senhora achou desse resultado?
Valesca Popozuda – Se fosse assim, as mulheres que usam burca nunca seriam violentadas. E as crianças que são estupradas, elas provocaram também? A roupa não influencia em nada. O homem que ataca uma mulher, uma criança ou uma idosa tem o instinto pior que de um animal. Homens que fazem isso – atacam mulheres – são monstros. Só entenderei esse resultado quando souber como foi feita essa pergunta aos entrevistados. As pessoas podem ter interpretado errado, assim prefiro acreditar.

ÉPOCA – O movimento Marcha das Vadias de São Paulo tem a senhora como símbolo da liberdade sexual feminina. O que é ser vadia?
Valesca – Ser vadia é ser livre. Fazer o que eu quiser, sem dar explicação a ninguém, sem perguntar “Será que posso? Será que devo? Será que vou?”. Não! Não! É vadiar em forma de felicidade!

ÉPOCA – O que é feminismo?
Valesca – Feminismo é lutar pela mulher. Sei o que ela passa. O homem pode tudo. É o garanhão e, se pega uma, três ou dez, tudo bem. Ele pode. A mulher, não. Ela é sempre rotulada como a p..., a vagabunda. Feminismo é a gente lutar pela igualdade cara a cara. Mostrar que as mulheres são potentes sim e que, quando queremos alguma coisa, corremos atrás de nossos objetivos e nunca abaixamos a cabeça para ninguém.




ÉPOCA – Como a senhora rebate as críticas de quem diz que se interessar por um homem casado só reforça o clichê de que as mulheres não podem ser amigas?
Valesca – Sou muito radical nesse ponto. Se uma mulher se interessou pelo homem e ele correspondeu, quem deveria ser criticado é ele, afinal de contas o casado é ele, é ele quem tem de manter a linha. Isso também é válido para mulher casada. Uma mulher pode, sim, ser amiga da outra, mas sempre de olho no namorado ou marido. Geralmente, quem dá em cima são eles, mas no final é a mulher quem leva a culpa e sai como a “vagabunda” da história. Os homens ficam lá, pagando de gostosão. Uma mulher sempre compete com a outra, mas nunca pela aprovação masculina, e sim para provar para outra mulher quem é mais poderosa no pedaço. Essa é a realidade.

ÉPOCA – Recentemente, os jornais publicaram notícias sobre homens que, no transporte público lotado, assediam mulheres – os encoxadores. Sobre esses e outros crimes de violência contra a mulher, a senhora acha que as leis brasileiras punem os agressores como deveriam? Por quê?
Valesca – Acompanhei as notícias e fiquei perplexa ao ver como as mulheres têm medo de denunciar e fazer a ocorrência contra os encoxadores. Isso se deve a uma lei fraca, que praticamente não é cumprida. Lógico que eles não são punidos como mereciam. Deveriam ser julgados e condenados como um criminoso qualquer. Falta uma lei mais severa, que castigue e exponha o agressor. Às vezes é até um homem casado, mas sua mulher, em casa, nem imagina o que o safado faz na rua.

"Às vezes, o encoxador é casado. 
A mulher nem sabe o que
o safado faz na rua"

ÉPOCA – Mulheres que têm muitos parceiros sexuais, usam roupa curta e assumem posições de independência são criticadas por tais comportamentos. O que a senhora acha disso?
Valesca – Os homens são julgados porque pegam várias mulheres? Não. Eles também usam bermudas caídas, mostram a cueca, e desfilam sem camisa, e ninguém os julga por isso. A mulher não pode usar uma roupa curta e dizer que hoje pegará dois ou três, porque já recebe o rótulo de “periguete”. Em minha opinião, elas não deveriam ser julgadas. São direitos iguais. Por que só os homens podem ir à academia malhar e mostrar o corpo? Somente para eles aquela atitude é bonita?




ÉPOCA – Na sociedade moderna, como as mulheres lidam com as pressões de um ideal de beleza feminina?
Valesca – A cabeça da mulher é louca! A gente sempre quer mais um pouco. Eu mesma já passei por fases em minha vida, assim como toda mulher, em que quis ser grandona, bombadona. Aquela coisa de malhar, malhar e malhar, até sentir a perna estourar, sabe? Vi gente ir à academia todo dia, com medo de engordar, de aparecer um pneuzinho ou uma celulite. Tem gente que fica louca com isso, e acho uma bobeira. Agora, estou noutra fase, quero ficar mais magrinha, mas sem excessos. Se tiver de comer, como. Tenho de aproveitar a vida! Amanhã morro e não aproveitei nada.

ÉPOCA – A senhora acha que a profissão de prostituta deveria ser regulamentada no Brasil?
Valesca – Tem de ter disposição, e para mim é um trabalho, sim. Tem gente que pensa que a prostituta não quer nada com nada e que esse caminho é o mais fácil. E não é por aí. É preciso coragem para fazer sexo por dinheiro. Elas não estão ali por diversão. Para mim, essas mulheres buscam dentro das boates a oportunidade que não deram a elas aqui fora. Vou te falar, essa mulher, a prostituta, é uma guerreira.

ÉPOCA – Meninas jovens e carentes são mães cada vez mais cedo nas periferias do Brasil. Em geral, elas curtem funk e letras sensuais. Suas canções têm alguma responsabilidade nisso?
Valesca – Para mim, essa realidade é o reflexo da falta de diálogo dentro de casa, seja por vergonha dos pais de tratar do assunto com os filhos, seja por não se preocuparem mesmo. Não é culpa da música. Educação vem de casa, não vem da rua. Você é quem cria seu filho para o mundo, ensina o que é certo e o que é errado.





ÉPOCA – Alguns funks, assim como outros gêneros musicais, apelam para o sexo nas letras. A mulher é objeto na cultura pop?
Valesca – Desde o século passado, se vê a mulher como objeto do desejo sexual. Prova disso é a “Garota de Ipanema” (de Tom Jobim e Vinícius de Moraes), que naqueles tempos já cantava o corpo da mulher como objeto do desejo masculino. E é uma canção de MPB, não funk! Então, o sexismo é parte de nossa cultura há muito tempo. A liberdade feminina ainda é restrita. É feio a mulher cantar o que deseja, mas é bonito um homem chegar com uma letra de hip-hop dizendo que vai fazer uma festa que terá mulheres de bunda de fora e muito sexo. Para a mulher, é feio dizer que vai dominar um homem na noite. Para o homem, é fácil cantar colocando a mulher como objeto sexual.

ÉPOCA – A senhora é a favor da legalização do aborto no Brasil?
Valesca – Não sou a favor nem contra. Vai do momento da pessoa. Cada um sabe o que passa e o que deve fazer. Nunca fiz, mas não sei o dia de amanhã e não vou cuspir para o alto. Não condeno quem fez, e cada um tem o poder e o livre-arbítrio de fazer o que quiser de sua vida.

ÉPOCA – O que a senhora destaca como vitória feminista e o que gostaria de ver como conquista no futuro?
Valesca – A mulher hoje é dona de uma casa, trabalha, é pai e mãe ao mesmo tempo, cuida dos filhos sem ninguém. Só com isso já mostrou que é guerreira, que ela pode. Isso é uma vitória. O que falta é a mulher ser respeitada em todos os sentidos e não ser julgada como pior. Ela vai lá, busca e corre atrás de seus objetivos, enquanto muitos homens ficam deitados e não têm força, coragem e nem a capacidade de fazer o mesmo.

ÉPOCA – A senhora já foi alvo de preconceito por ser mulher?
Valesca – Sofri o que todas sofrem e posso afirmar que mulher é muito mais julgada. Fui chamada de piranha porque beijei três, quatro ou cinco, entendeu? Mas e daí? O que é que tem? Eu beijei! Tive vontade! É isso que toda mulher tem de fazer por aí: deu vontade de fazer, faça! Não se arrependa! 

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