quinta-feira, 17 de abril de 2014

Te Contei, não ? - De peito aberto

  • Edson Luís de Lima Souto nasceu em Belém do Pará, mas foi no Rio de Janeiro que sua história ficou conhecida. E apenas após a sua morte, em 28 de março de 1968. O rapaz, que queria ser engenheiro e cursava o antigo colegial no Instituto Cooperativo de Ensino, foi assassinado aos 18 anos por um policial militar quando jantava com outros jovens no Restaurante do Estudante, mais conhecido como Calabouço – um centro social estudantil, anexo ao Instituto, que virou espaço de resistência no Centro da cidade. O crime catalisou uma onda de manifestações durante a ditadura civil-militar.
    No episódio, cerca de 300 alunos organizavam uma passeata em prol de melhorias nas condições do estabelecimento, que estava parcialmente fechado para obras havia mais de um ano. Em 1967, o governo do estado demoliu a antiga sede do restaurante que ficava próximo ao Aeroporto Santos Dumont, onde hoje existe uma bifurcação rodoviária que se chama – não por acaso – Trevo dos Estudantes, e decidiu inaugurar o novo prédio sem que a construção estivesse terminada, o que deixava em péssimas condições de higiene o local frequentado por muitos jovens pobres, como Edson Luís, que dependiam do restaurante para a alimentação diária.
    Durante o jantar daquele dia de março, os frequentadores do Calabouço foram surpreendidos por policiais militares que tentavam dispersar a reunião, considerada subversiva, à base de golpes de cassetete. Os jovens revidaram com pedradas e, pouco depois, receberam a retaliação: a polícia invadiu o restaurante disparando armas de fogo. Um dos tiros acertou o peito de Edson Luís, que morreu em seguida.
    Os colegas do jovem, ao vê-lo ensanguentado no chão, decidiram carregá-lo em direção à Santa Casa de Misericórdia, com medo de que o cadáver fosse sequestrado pela polícia. Com o corpo em suas mãos, ninguém poderia negar o assassinato. Assim que o óbito foi confirmado, um cortejo com cerca de 10 mil pessoas marchou até a Assembleia Legislativa, na Cinelândia, onde o corpo foi velado por toda a madrugada, em sessão permanente declarada pelos deputados. “Mataram um estudante, podia ser seu filho”, bradavam os jovens. O assassinato gerou comoção nacional, greve nas universidades e revolta popular.
    No dia seguinte, os jornais da capital trouxeram o cadáver na primeira página. Todos os teatros da Guanabara interromperam seus espetáculos em sinal de protesto. As autoridades se contradisseram e o presidente Costa e Silva declarou que a morte do estudante era um problema local e não nacional. Manifestações e passeatas tomaram conta das ruas das principais capitais. A missa de sétimo dia do rapaz, realizada na Igreja da Candelária, pela manhã, reuniu milhares de pessoas que, ao deixarem a cerimônia, sofreram violência por parte da cavalaria da PM e do Exército. Mais tarde, em outra missa, a cavalaria empunhou seus sabres ainda com mais violência, sendo necessária a intervenção de padres e outros clérigos que formaram um cinturão de proteção às pessoas que tentavam sair da igreja. Quase 700 pessoas foram levadas ao cárcere naquele 4 de abril.
    Era o início de uma série de movimentos populares que demonstravam a insatisfação de parte da população com a repressão militar e o estado policial. Este foi o caso da chamada Sexta-feira Sangrenta, que ocorreu em junho, terminando com 4 mortos, vítimas da violência desproporcional da força estatal. Uma semana depois, em 28 de junho, a Passeata dos Cem Mil tomou a Avenida Rio Branco, tornando-se outro episódio a usar a morte de Edson Luís como símbolo da revolta popular contra o governo.
    Em vez de ceder, o Estado reprimiu com mão de ferro as vozes das ruas. A retaliação se intensificou ao longo do ano, culminando na instauração do Ato Institucional Número 5, em dezembro, considerado o auge da repressão política legalizada. Foi com o AI-5 que as atividades do Congresso Nacional foram suspensas e o presidente da República ganhou poderes excepcionais, podendo interferir em todas as instâncias do Executivo, sem qualquer aviso prévio. Suspendia-se o habeas corpus por crimes políticos e proibiam-se atividades e manifestações sobre assuntos dessa natureza. Chamado por algumas correntes historiográficas posteriores de “o golpe dentro do golpe”, o AI-5 estampou a cara do governo de linha dura e, a partir de então, cresceram os casos de sequestros e desaparecimentos de líderes políticos de oposição ao regime ditatorial.
    Foi apenas em 1997 que a Justiça reconheceu o Estado brasileiro como culpado pela morte de Edson Luís, considerando-a como de Comoção Nacional. Foi só a partir de então que a mãe do jovem, dona Maria de Belém Souto Rocha, recebeu indenização da União pela perda do filho. Quase 30 anos depois. A morte de Edson Luís foi o primeiro assassinato público do governo que se instaurou em 1964. Tornou-se símbolo da violência durante os anos de chumbo e também da impunidade da polícia, que age contra a população em vez de protegê-la.  

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