Reprovação vergonhosa
Últimas posições no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes mostram que os alunos têm dificuldade para resolver problemas de raciocínio lógico. Por que o Brasil não avança nas políticas de educação?
Camila Brandalise (camila@istoe.com.br)
Um estudo divulgado pela Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) na terça-feira 1º colocou o Brasil mais uma
vez nas últimas posições de um ranking de educação. Desta vez, o alvo da
pesquisa foi a capacidade de os alunos de 15 anos resolverem problemas,
avaliando seu raciocínio lógico. É a primeira vez que o Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes (Pisa) faz um levantamento das habilidades
cognitivas, que envolvem capacidades como interpretação, análise e organização
de informações, motivado por números da própria OCDE. Um estudo publicado no ano
passado mostrou que 57% dos adultos que chegam ao primeiro nível de competência
dessas capacidades estão empregados, enquanto 79% dos que chegam aos níveis
quatro ou cinco têm emprego. Ficar em 38º lugar em um ranking com 44 países é um
péssimo resultado para o Brasil. Mas assusta ainda mais o fato de 75,1% dos
jovens estarem no nível dois de proficiência ou abaixo. São adolescentes
carregando uma lacuna de desenvolvimento cognitivo que pode se estender para o
resto de suas vidas. E quem perde com isso, além deles, é o País.
CURRÍCULO
Para
melhorar o desempenho dos alunos, especialistas sugerem
que o raciocínio seja
trabalhado em sala de aula com
questões relacionadas ao
cotidiano
Apesar de ter apresentado uma baixa performance na
prova, o Brasil ainda ficou acima do esperado em comparação a outros países que
tiveram desempenho similar no Pisa de matemática, ciências e leitura, divulgado
em dezembro de 2013, segundo Andreas Schleicher, diretor-adjunto de educação e
competências da OCDE. Para Ernesto Martins Faria, coordenador da Fundação Lemann
e especialista em análises de dados educacionais, isso mostra que há um
potencial de aprendizado dos alunos que o nosso sistema escolar não está
conseguindo acompanhar. “Acredito que, basicamente, é preciso melhorar o ensino
de matemática, já que a disciplina pesa bastante no desenvolvimento do
raciocínio lógico”, diz. Resolver o problema, porém, não é tão fácil, pois
partimos de índices muito baixos. De acordo com dados da última Prova Brasil,
aplicada em 2011, apenas 12% dos jovens cursando o nono ano da rede pública
demonstram aprendizado adequado.
Um importante passo para melhorar esse cenário é
avançar em relação à equidade e garantir o acesso à escola de qualidade a todos
os estudantes brasileiros. O Pisa mostra que, regionalmente, a diferença é
gritante. Quando se dividem alguns países por regiões e os distribuem em
rankings, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do País apresentam pontuação maior do que
a média geral nacional, enquanto Nordeste e Norte aparecem mais de dez posições
abaixo. “O Brasil é um país desigual. O que o Pisa mostra não é diferente de
outros levantamentos”, diz Chico Soares, presidente do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Mudar isso requer
esforços em políticas públicas, como capacitação de professores. Mas, quando se
trata de investimentos, a questão fica ainda mais delicada e nebulosa. Segundo
estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) divulgado na
quinta-feira 3, o País está entre as 30 nações que mais arrecadam impostos,
porém é o que tem pior retorno dessa verba, não só em educação, mas também em
áreas como saúde e saneamento.
AVALIAÇÃO
"Precisamos
caminhar para que os brasileiros
tenham oportunidades educacionais mais
completas",
diz Chico Soares, presidente do Inep
Revisão da base curricular unificada e capacitação
de professores estão entre as soluções propostas por especialistas para
desenvolver o raciocínio lógico dos alunos brasileiros. Já é possível notar
mudanças. Se há alguns anos a escola focava mais no conteúdo, hoje há uma
preocupação em incitar a reflexão e a análise. O enunciado da prova deixa de ser
somente uma conta e passa a ter um texto com uma situação cotidiana. A
psicopedagoga Quézia Bombonatto, diretora da Associação Brasileira de
Psicopedagogia, defende essa mudança no perfil das escolas e ressalta a
importância de ensinar o aluno a aprender, a construir o conhecimento, e não a
decorar ou chegar a conclusões de maneira automática. “Fazer isso significa
instrumentalizá-lo para a vida.” Essa modernização da educação, porém, ainda
está limitada, em grande parte, às escolas particulares. Isabel Santana,
educadora e superintendente da Fundação Itaú Social, defende que a escola
pública garanta educação integral, com ampliação da jornada e diversificação de
conteúdos, para que os alunos em desvantagem por causa da diferença
socioeconômica recuperem esse “prejuízo” com mais atividades. “É preciso colocar
intencionalmente no currículo a necessidade de valorização do desenvolvimento
das habilidades mais complexas”, afirma Isabel.
Embora a própria OCDE reconheça que o Brasil tem
mostrado progressos, aumentando o acesso e as taxas de alfabetização de
crianças, avaliações como o Pisa deixam claro que ainda há muito a ser
conquistado. É consenso que universalizar e aumentar a qualidade do ensino
levará décadas. Enxergar a educação como algo essencial para o desenvolvimento
do País é uma ideia relativamente recente. Segundo especialistas, há avanços
concretos, principalmente a partir da década de 1970. O problema é que, mais de
40 anos depois, a área ainda não parece ser uma prioridade do governo. Enquanto
isso não acontecer, corre-se o risco de o baixo desempenho se arrastar por mais
tempo e continuarmos amargando os últimos lugares dos rankings. “A lógica é:
precisamos caminhar para que os brasileiros na sua totalidade tenham
oportunidades educacionais mais completas”, diz Chico Soares, presidente do
Inep. Estamos, sim, caminhando. Mas precisamos ter mais pressa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário