terça-feira, 8 de abril de 2014

Crônicas do dia - Passe Livre - Ruth de Aquino

Ônibus, metrôs e trens gratuitos por três dias... em Paris e nos arredores. Também foi de graça, no último fim de semana, de sexta a domingo, o aluguel de bicicletas e carros elétricos, nos sistemas Vélib e Autolib. O governo francês tenta assim desencorajar o uso do carro particular. A causa é familiar: a poluição atmosférica. O ar parisiense entrou em alerta máximo.
Será que pega a moda do transporte gratuito em São Paulo, no Rio de Janeiro e noutras metrópoles poluídas? Não pega. É mais fácil distribuir croissant de graça nas padarias paulistanas e cariocas que um prefeito ou governador permitir, numa emergência ambiental, que todos usem ônibus, metrô e trem sem pagar um centavo, com o objetivo de reduzir doenças respiratórias.
O inverno solar e sem chuvas tem produzido dias azuis e 20 graus em Paris. Mas elevou a poluição, na semana passada, a níveis intoleráveis, para os parisienses. O efeito é sentido por todos. A garganta arranha com a tosse, os olhos ardem. Mas não chega nem perto do que já sofri em São Paulo ou em Pequim, na China.
Nenhum francês reclama de prejuízo nas contas públicas ou privadas. Não se insinua que o transporte gratuito temporário resulte em aumento da passagem, para compensar. O argumento do governo foi apenas a saúde da população da região Île-de-France, que abrange a Grande Paris. Apenas a saúde. E lembramos que doentes custam caro à sociedade. Também foi reduzido o uso de carros oficiais. Em Paris, as autoridades não têm a mania de circular de helicóptero para compromissos ou lazer.
O ideal seria que a França e outros países adotassem medidas radicais e perenes para evitar emergências. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em outubro do ano passado, concluiu o óbvio: o ar que respiramos está repleto de substâncias cancerígenas. Segundo o estudo, 223 mil pessoas morreram com câncer de pulmão em 2010 devido à contaminação do ar, que também eleva o risco de câncer na bexiga. Desagradável ler isso. Ou assustador e didático?
Ficamos doentes com o ar que respiramos. Basta examinar o conteúdo das bolsas paulistanas para saber que rinite alérgica e asma são males comuns, mesmo entre jovens. Todos parecem conformados em pingar suas gotas.

São Paulo é considerada a quinta cidade mais poluída do planeta. Não entro em São Paulo sem colírio na bolsa. Quando estive em Pequim, fiquei estarrecida com o cenário de Blade Runner. A fuligem impedia a passagem do sol. Via famílias inteiras com máscaras, resignadas, nas ruas. No Rio, a qualidade do ar também piorou demais com os engarrafamentos.
Um estudo divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente brasileiro afirma que os carros e caminhões são responsáveis por 70% da poluição do ar nas grandes cidades. Há outras fontes de contaminação, como indústrias, centrais termelétricas e incineração de lixo, mas o maior vilão da má qualidade do ar é “o aumento da frota movida a gasolina e óleo diesel”. Mesmo assim, os governos estimularam o aumento explosivo de carros poluentes. De 1980 para cá, a frota cresceu 215%. Isso significa 12 vezes o crescimento da população.
O governo também aposta na energia suja e não renovável. Nos últimos dias, a falta de chuva obrigou o Brasil a acionar todas as usinas térmicas. Somos reféns de uma energia cara, que queima óleo e emite gases. Entre os culpados estão a negligência e a burocracia criminosas das autoridades. Hidrelétricas leiloadas há mais de dez anos não saem do papel por falta de licença ambiental, revelou o jornal O Globo.
Se somos impotentes para resolver o curto-circuito federal – e se já sabemos que a conta da incompetência chegará pelo correio –, que tal fazer nossa parte como cidadãos? Ao ligar o motor do carro, lançamos no ar enorme quantidade de substâncias tóxicas, que entrarão nos pulmões de filhos e netos. É preciso pressionar o governo a melhorar ônibus, trens e metrôs, em vez de subsidiar o uso de automóveis. Não é só pelos 20 centavos.
Quem sabe então nossa sociedade considere um hábito digno e civilizado andar de ônibus e metrô, como na Europa. No Brasil, transporte público é sinônimo de pobreza e humilhação. A atriz Lucélia Santos foi fotografada num ônibus lotado no Rio. Internautas deduziram que Lucélia está em crise e em depressão, rejeitada pelas novelas.
“O Brasil é o único país que conheço em que andar de ônibus é politicamente incorreto!!”, disse ela. “Isso porque os ônibus e transportes coletivos são precários e ordinários, o que mostra total desrespeito à população! Em qualquer país civilizado, educado e organizado, é o contrário. As pessoas dão prioridade a transportes coletivos para proteger o meio ambiente.”
Verdade, Lucélia. E até saiu de graça em Paris, em três dias de teste, aproveitado em massa pela população local e por turistas, de todas as classes sociais.

Um comentário:

  1. A atitude da França foi ótima pois além de contribuir para a "SALVAÇÃO" do meio ambiente resolve também o problema dos engarrafamentos.
    Essas ideais brilhantes devem ser copiadas pelos demais países.
    Heitor Dutra Delage da Silva
    8 ano
    801

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