Quase 22 anos depois do massacre do Carandiru, o julgamento da carnificina termina com 73 condenados – mas nenhuma autoridade é responsabilizada
Gian Kojikovski
Foi um choque quando São Paulo, depois o Brasil e, por fim, o mundo souberam do que acontecera no Pavilhão 9 do Carandiru, naquele trágico 2 de outubro de 1992: quase três centenas de policiais militares haviam invadido o presidio para conter uma rebelião e, depois de meia hora de ação, restaram 111 mortos. As fotos – dramáticas, repulsivas, inesquecíveis – mostravam corpos empilhados, despidos, sangue pelos corredores. Naquela semana, VEJA estampou na capa a chamada "A vida na casa dos mortos" e a reportagem de abertura trazia o seguinte título: "O horror, o horror". O Carandiru virou sinônimo de barbárie. Virou música, virou filme. Os prédios do presídio foram implodidos, como se a memória do massacre fosse intolerável. Passaram-se quase 22 anos para que viesse uma resposta do Estado à arnificina. Na semana passada, a resposta chegou.
Depois de um ano de julgamento, que foi desmembrado em quatro partes, o maior júri da história do país terminou com a condenação de 73 policiais militares. Entre os 83 acusados, sete morreram no decorrer do processo e três foram inocentados. A maior pena foi de 624 anos de prisão em regime fechado. Das 111 mortes, 34 ficaram sem punição, por falta de elementos para apontar os culpados ou porque o culpado já morrera. Os jurados entenderam que os policiais agiram em conjunto e com a intenção de matar. A maior parte dos tiros atingiu os presos na cabeça e no coração, ou até mesmo nas costas.
Ainda que fundamental, a Justiça que se fez na semana passada, porém, é um gesto mais simbólico do que
prático. Todos os 73 condenados vão recorrer em liberdade e não há prazo para o julgamento em segunda instância. Com uma Justiça lenta e burocrática, talvez jamais paguem pelo que fizeram. Até hoje, mais de duas décadas depois, 63 famílias pediram indenizações pela violação dos direitos humanos de cidadãos sob a custódia do Estado. E só 26 receberam efetivamente o dinheiro. A miséria do sistema penitenciário brasileiro segue perfeitamente intocada.
Por fim, entre as autoridades do massacre, deu-se a impunidade habitual. O governador na época, Luiz Antônio Fleury Filho, do PMDB, disse que assumiu a "responsabilidade política" pela carnificina. O então secretário de Segurança Pública, Pedro de Campos, informou que a ordem de invadir o presídio partiu do comandante da polícia, coronel Ubiratan Guimarães, que foi condenado a 632 anos de prisão, mas teve a sentença anulada. Morreu em 2006, em liberdade. Afirma o sociólogo Demétrio Magnoli: "Os responsáveis não estavam no julgamento. Foram julgados os operadores. Acho melhor do que nada, mas é lamentável". No último dia de júri, na quarta-feira, nenhuma entidade de direitos humanos compareceu ao tribunal. É difícil fazer justiça e preservar a memória num país assim.
Revista Veja
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