sexta-feira, 10 de junho de 2011

Ah, se é do Machadão, vale a pena ler ..........



COMO COMPORTAR-SE NO BONDE



Machado de Assis é sempre atual e atemporal. Esse "Como comportar-se no bonde" poderia ser aplicado a qualquer meio de transporte coletivo existente. Certas pessoas não tem a noção de espaço público que é o ônibus, o metrô, o avião...fazem desses ambientes uma extensão de suas vidas privadas. Portanto, a alguns parece natural e aceitável comportar-se dentro do veículo como se estivessem em casa. Até que chegue a hora de desembarcar, somos obrigados a conviver com o sujeito que se senta no banco ao lado como se estivesse numa espreguiçadeira na varanda de casa; temos que ouvir as comadres contando causos, colocando as fofocas em dia; temos que aturar a turma do colégio, a torcida comemorando o dois a zero do time. E se o cidadão está de mau humor, então? Ele acha que o mundo é culpado...o mundo, não: o motorista, o "trocador" e os demais passageiros...Um ônibus, naturalmente desconfortável, normalmente lento, obrigatoriamente confinado, deve exigir um pouco mais de tolerância de seus usuários, mais noção de ridículo e de bons modos do que em qualquer outro lugar. Não só para ceder o seu lugar para a senhora que acabou de embarcar, ou se oferecer para segurar os pacotes da senhorita que viaja de pé, mas para demonstrar civilidade e boa educação. O transporte coletivo, a opção mais democrática de se deslocar nas grandes cidades, não pode, como diz Machado "ser deixado ao puro capricho dos passageiros".

Machado de Assis (1839-1908)
"Como comportar-se no bonde"
(1883)

Ocorreu -me compor uma certas regras para uso dos que freqüentam bonds. O desenvolvimento que tem sido entre nós esse meio de locomoção, essencialmente democrático! exige que ele não seja deixado ao puro capricho dos passageiros. Não posso dar aqui mais do que alguns extratos do meu trabalho; basta saber que tem nada menos de setenta artigos. Vão apenas dez.

Art. I - Dos encatarroados

Os encatarroados podem entrar nos bonds com a condição de não tossirem mais de três vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro.

Quando a tosse for tão teimosa, que não permita esta limitação, os encatarroados têm dois alvitres: -ou irem a pé, que é bom exercício, ou meterem-se na cama. Também podem ir tossir para o diabo que os carregue.

Os encatarroados que estiverem nas extremidades dos bancos, devem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no próprio bond, salvo caso de aposta, preceito religioso ou maçônico, vocação, etc., etc.

Art. II - Da posição das pernas

As pernas devem trazer-se.de modo que não constranjam os passageiros do mesmo banco. Não se proíbem formalmente as pernas abertas, mas com a condição de pagar os outros lugares, e fazê-los ocupar por meninas pobres ou viúvas desvalidas, mediante uma pequena gratificação.

Art. III - Da leitura dos jornais

Cada vez que um passageiro abrir a folha que estiver lendo, terá o cuidado de não roçar as ventas dos vizinhos, nem levar-lhes os chapéus. Também não é bonito encostá-los no passageiro da frente.

Art. IV - Dos quebra-queixos

É permitido o uso dos quebra-queixos em duas circunstâncias: a primeira quando não for ninguém no bond, e a segunda ao descer.

Art. V - Dos amoladores

Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência, se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar-se-lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés. Sendo provável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve imediatamente pespegá-los. No caso, aliás extraordinário e quase absurdo, de que o passageiro prefira a narração, o proponente deve fazê-lo minuciosamente, carregando muito nas circunstâncias mais triviais, repelindo os ditos, .pisando e repisando as coisas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra.

Art. VI - Dos perdigotos

Reserva-se o banco da frente para a emissão dos perdigotos, salvo nas ocasiões em que a chuva obriga a mudar a posição do banco. Também podem emitir-se na plataforma de trás, indo o passageiro ao pé do condutor, e a cara para a rua.

Art. VII - Das conversas

Quando duas pessoas, sentadas a distância; quiserem dizer alguma coisa em voz alta, terão cuidado de não gastar mais de quinze ou vinte palavras, e, em todo caso, sem alusões maliciosas, principalmente se houver senhoras.

Art. VIII - Das pessoas com morrinha

As pessoas com morrinha podem participar do bonds indiretamente: ficando na calçada, e vendo-os passar de um lado para outro. Será melhor que morem em rua por onde eles passem, porque então podem vê-lo mesmo da janela

Art. IX - Da passagem às senhoras

Quando alguma senhora entrar o passageiro da ponta deve levantar-se e dar passagem, não só porque é incômodo para ele ficar sentado, apertando as pernas como porque é uma grande má-criação.

4 de julho de 1883
Postado por Olavo Duarte às 08:51

Um comentário:

  1. Esse foi o meu comentário no texto "Ah, se é do Machadão vale a pena ler":


    Realmente muito engraçado e atual o texto de Machado de Assis. As pessoas muitas vezes cometem gafes e atitudes no mínimo mal educadas quando em público, não apenas quando confinadas nos meios de transporte, mas em todos os lugares.
    Nas viagens, se os usuários seguissem algumas regras de convivência, a experiência seria um pouco mais agradável.
    Pelo menos, esta regra básica deve ser seguida : se tiver algum idoso, mulher grávida ou com criança pequena, portador de necessidades especiais ou alguém que precise do assento mais do que você, ceda o seu lugar, mesmo que não seja um assento preferencial. Lembre-se que gentileza gera gentileza.

    Pedro Chaves - 702

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