Cartas na manga e a literatura infantojuvenil contemporânea
Por Fernando Teixeira Luiz
Cartas na Manga Autor: Fernando Teixeira Luiz Páginas: 208 Editora: Giz Editorial/Livrus Para comprar: http://gizeditorial.com.br/site/produto.asp? codcat=FIC000000&codprod=1737 |
Reunir Monteiro Lobato e Hans Christian Andersen foi a grande meta de Cartas na Manga - título recentemente lançado pela Giz Editorial. A ideia surgiu em um congresso de literatura. Um dos palestrantes, discorrendo sobre os possíveis vínculos entre a produção de Lobato e a de Andersen, lamentou o fato de os dois escritores jamais terem se conhecido. Era o que bastava para a construção de um instigante romance que os abordasse como protagonistas.
Em Cartas na Manga, Monteiro Lobato é um aspirante a escritor que almeja o sucesso no incipiente mercado livreiro que se configura no início do século XX. Para tanto, escreve uma longa correspondência endereçada a H. C. Andersen, solicitando "dicas" de como redigir para crianças. A partir daí, edifica-se, entre uma carta e outra, a incrível saga da dupla de autores. Lobato se torna o famoso criador da série O Sítio do Picapau Amarelo e, ao lado de Emília, atravessa o Brasil movido pelo anseio de vender sua vasta obra. Andersen, enquanto isso, deixa a Escandinávia e se muda para o Rio de Janeiro, ansioso para abandonar a solidão e deslanchar um promissor casamento. Ambos, então, se metem em uma fantástica aventura marcada por lutas, conquistas e desafios.
Nesse sinuoso caminho, fazem amigos e inimigos. Enfrentam Lampião e seu bando. Embarcam no veículo de Sassá Mutema. Enveredam pela tribo de Macunaíma. Acompanham as estripulias de Dom Quixote. Contribuem para o divórcio de Romeu e Julieta. São censurados pela veemência da ditadura. Lançam-se em um universo tipicamente brasileiro, povoado por sacis, sereias e bruxas e projetado mediante a intertextualidade, a paródia e a carnavalização. Afora isso, o país, pleno de culturas diversas e paisagens múltiplas, é representado com a proporção de um intrincado labirinto. Nele, nossos heróis são arrastados (ao sabor do acaso e das circunstâncias) a prostíbulos, bares, cárceres, guetos, praias, festas, casamentos, igrejas alternativas e paradas contra a homofobia.
Na odisseia bibliográfica que se ergue a cada página, as figuras femininas ganham força e se mostram implacáveis, astuciosas e determinadas. Emília, a ilustre e desbocada boneca de pano, impõe-se como a grande estrela do romance. D. Purezinha, esposa atenta e fiel de Lobato, dirige o fusca cor-de-rosa repleto de livros que seriam vendidos pelos municípios afora. Dra. Maria Célia, despojada terapeuta de Andersen, foge do império nazista, envolve-se com Che Guevara e tenta seduzir o terrível líder da Al Qaeda ao som de "Conga la conga". Nesse sentido, embora tenhamos uma história contada por dois narradores masculinos, são as mulheres que enredam as nuances da trama.
E, por falar na categoria narrador, é pertinente lembrar como Lobato e Andersen constroem seus respectivos relatos. O primeiro, recuperando a imagem do Jeca Tatu, narra suas aventuras e desventuras por meio de uma linguagem que, rompendo com as rígidas regras da gramática normativa, reporta o leitor ao homem do campo. O segundo, um dinamarquês tentando se comunicar em português, intercala em seu discurso frequentes expressões ora em danês, ora em inglês.
A cada carta, os narradores em questão entremostram e desconstroem a própria identidade ao leitor, iniciando um jogo autobiográfico repleto de verdades e mentiras. Lobato, assim, revela-se austero, inquieto e de humor inconstante. Declara-se adepto do chá de camomila, do time do Palmeiras e do sonho de transformação do país por intermédio do livro. Andersen, em contrapartida, é sarcástico, hilário e excêntrico. Vive uma relação hostil com os irmãos Grimm, acusando-os constantemente de terem manipulado Branca de Neve, Cinderela e Chapeuzinho Vermelho, convencendo-as a jamais participarem de sua literatura. Não obstante, define-se como um apaixonado incorrigível, um corintiano convicto, um homem destituído de preconceito ou malícia.
Não tive, portanto, a intenção de montar "retratos" precisos dos emblemáticos autores, mas caricaturas, formas livres de expressão - o que me permitiria maior abertura para lapidá-los durante as cento e tantas páginas que compõem a obra.
Finalizando, convém ainda reiterar que foi bastante agradável estar ao lado de cada um deles nos três anos de dedicação, delineamento e reformulação do romance. Foi um tempo de intensa leitura, viagens e pesquisas em diversos acervos. Um período de levantamento da fortuna crítica e análise de suas inúmeras publicações. Eu estava no terreno da ficção, mas jamais poderia ignorar elementos da realidade da dupla de artistas. Trabalharia, portanto, intercalando os dados da mitologia construída em torno dos literatos a fatos históricos narrados pelos teóricos de ponta. E faria isso à luz dos estudos de Edgard Cavalheiro, Leonardo Arroyo e Cassiano Nunes.
Cartas na Manga, enfim, encontra-se disponível no mercado editorial. É um livro que fala de livros, uma história que fala de histórias. Um texto que propõe debater o que é literatura, sua função e, sobretudo, sua importância para o homem. Uma narrativa que sugere como grandes escritores conseguem permanecer no tempo, fascinando contínuas gerações de crianças, jovens e (por que não?) adultos.
P.S. >>> "To querendo de presente! Rsrsrs"
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