sexta-feira, 24 de junho de 2011

É bom saber ........

Marília de Dirceu 

 A paixão em tempos de inconfidência




Aclamado desde a publicação da primeira das três partes que o compõe, o clássico da poesia lírica marília de dirceu foi um importante marco da escola árcade brasileira. Sua jornada, da confecção ao lançamento, está intrinsecamente relacionada à biografia de seu próprio autor



Aos 44 anos, tudo ia bem para o mais popular dos poetas árcades mineiros, Tomás Antônio Gonzaga (1744 - 1810). Afinal, ele podia se regozijar de sua estabilidade financeira, de seu prestigio social, de sua realização profissional e, acima de tudo, de sua paixão, em vias de fato, por uma bela jovem de 20 anos, Maria Doroteia Joaquina de Seixas - a musa inspiradora de suas poesias. As circunstâncias pareciam levar Gonzaga à constituição de uma típica família burguesa. Isto se não fosse a delação, por parte de um certo coronel Joaquim Silvério dos Reis, acusando-o ao governo de Vila Rica (Minas Gerais) de liderar um grupo de conspiradores que tinham por objetivo sublevar-se contra Portugal, a quem o Brasil respondia, na época.
A denúncia de Silvério dos Reis pôs fim à pretensa saga épica dos inconfidentes mineiros. Também resultou na prisão de Tomás Antônio, em 21 de maio de 1789, e na condenação dos demais rebeldes, os amigos poetas Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto, além de um velho conhecido de todos os brasileiros, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes - hoje reconhecido institucionalmente como herói nacional. O incidente pôs uma impiedosa "pá de cal" na próspera vida de Gonzaga, além de separá-lo bruscamente de seu grande amor, Maria Doroteia, a quem vinha dedicando um conjunto de poesias. Nada, entretanto, foi páreo para que o poeta abandonasse a confecção da obra dedicada à amada, que viria a ser publicada em partes nos anos subsequentes: Marília de Dirceu


POLÍTICA E POESIA

Natural de Porto, Portugal, Tomás Antônio partiu para o Brasil com apenas 8 anos, junto com o pai. Aqui, residiu na Bahia. Em 1761, retornou a Portugal, desta feita a Coimbra, onde estudou Direito. Foi nesta paragem que Gonzaga conheceu aquele que viria a ser um de seus grandes amigos, o brasileiro Alvarenga Peixoto, igualmente poeta árcade.
Sua volta ao Brasil deu-se em 1782, e ocorreu em grande estilo, sendo nomeado para ocupar o importante cargo de ouvidor-geral de Vila Rica. Também teve a fortuna de reencontrar o grande amigo Alvarenga Peixoto e conhecer o literato Cláudio Manuel da Costa, bardo já maduro e com estilo definido, cuja convivência contribuiu para a formação do poeta.
Contudo, o grande momento de arrebatamento deu-se quando o árcade conheceu uma jovem de apenas 16 anos, Maria Doroteia, com a qual cultivou uma dedicada relação amorosa. A ela Gonzaga atribuiu um pseudônimo literário, Marília, dando fruto a um livro de poemas que veio a se tornar uma das mais importantes obras árcades do século XVIII, sob o título Marília de Dirceu.
Em 1786, Tomás Antonio Gonzaga foi elevado a desembargador da relação, cargo que deveria exercer na capital da colônia, Salvador. Não chegou, todavia, a transferir-se. A sorte do poeta abandonou-o antes que ele partisse para a Bahia.
A essa altura, o governo local passara para as mãos do visconde de Barbacena, que causou calafrios entre os mineiros ao emplacar a atemorizante "derrama", política radical de cobrança de impostos atrasados. Essa medida, somada aos artifícios despóticos praticados desde o governo anterior, foi corolário que motivou um pequeno grupo a articular uma insurreição. Tomás, grande amigo de parte dos insurgentes, embora simpatizasse com a causa, evitou o comprometimento com a inconfidência.
Havia o infortúnio da amizade, nutrida por Gonzaga, com o governador. Amizade que, todavia, não se estendia a Joaquim Silvério dos Reis, inimigo do poeta desde os tempos em que este escrevera as famosas Cartas Chilenas, missivas anônimas e satíricas em que o poeta destilava críticas aos gerenciadores despóticos da comarca e seus agregados.
A inimizade custou caro ao autor de Marília de Dirceu, que fora caluniado e apontado como líder do movimento que, apesar das intenções nutridas, era extremamente frágil. A delação culminou com a prisão de Gonzaga no Rio de Janeiro e um posterior degredo de dez anos em Moçambique, o que o afastou de vez de sua "pastora" Marília.
Apesar da reviravolta negativa na vida do poeta árcade, acarretando sofrimento e novas provações, Tomás, ao contrário do que se possa pensar, reconstruiu a sua biografia no exílio. No início da última década do século XVIII, quando chegou a Moçambique, atuou, a princípio, no comércio e na advocacia. Em 1806 retornou ao funcionalismo oficial, como procurador da coroa e da fazenda, chegando, mais tarde, a ocupar o cargo de juiz da alfândega. Casou-se com Juliana Mascarenhas, uma próspera herdeira - embora tenha jurado amor a Maria Doroteia, personificada na pastora Marília, protagonista de sua obra- prima.
Gonzaga contou ainda com a generosa simpatia dos anfitriões, que o admiravam por suas habilidades literárias - a primeira parte de Marília de Dirceu, publicada em 1792, fora um sucesso - e pelo ar mítico de defensor perseguido da república. Ao morrer, em 1810, deixou uma filha e uma imagem lendária de amante revolucionário. Escrita sobre forte influência dos preceitos estéticos e temáticos árcades amplamente vigentes na literatura e em moda na ocasião, Marília de Dirceu obteve grande notoriedade na época. Em 1810, uma extensão pirata da obra foi editada. Somente em 1812, dois anos após a morte do autor, a terceira (e última) parte legítima da lírica foi publicada. Foram feitas traduções do texto para o francês e para o italiano em 1825 e 1844, respectivamente, contribuindo para ampliar a lenda em torno de Tomás Antônio.

AS TEMÁTICAS DE MARÍLIA EM SALA DE AULA

As liras de Marília de Dirceu contam história de amor do pastor Dirceu pela pastora Marília e o desejo deste de viver com sua amada em um lugar bucólico, perto da natureza. Nos dias atuais, é um desafio para o professor prender a leitura dos jovens para essa temática, pois falar de amor é algo muito delicado e complexo, gerador de discussões, especialmente quando se trata de um sentimento idealizado e a distância, como era o das personagens do livro.
Atualmente, os costumes são bem diferentes. Por tudo acontecer de modo muito rápido, as etapas como conquista, fidelidade e, sobretudo, planos para um futuro estão cada vez mais fora de moda. Mas será que esses valores estão mesmo em desuso? Ou as pessoas os utilizam para se adequar ao que a sociedade diz que é correto? O que está na moda? Diante de questões tão polêmicas, o professor pode explorar a opinião dos jovens, por meio de debates. Fazer uma discussão coletiva sobre o que envolve os sentimentos hoje, quais as vantagens e desvantagens de um envolvimento mais rápido, e quais seus reais desejos para um relacionamento amoroso e se há alguma proximidade entre o relacionamento pretendido e o amor de Dirceu por sua Marília. Outra sugestão é que os alunos leiam algumas liras sobre os planos que o pastor Dirceu fazia para se casar com Marília e que cada um faça uma paródia com suas expectativas individuais para um relacionamento futuro.
Na Lira I, parte 1, Dirceu fala que é um vaqueiro e que já possui estrutura para se casar com sua amada. Outra proposta é de que cada aluno faça seu pequeno currículo, nos moldes do de Dirceu, sobre o que pretende fazer futuramente e o que proporcionaria para a pessoa que resolvesse escolher para se casar. Nesse trabalho podem surgir respostas bem interessantes, como os anseios que cada um possui para o futuro, o que gostaria de construir e quais sãos seus sonhos.
Um dos aspectos constantemente abordados na temática árcade é o fugere urbem (fuga da cidade). Hoje, apesar de todas as vantagens que a modernidade proporciona à sociedade, muitas pessoas estão na contramão dos avanços e buscam fugir do tumulto da cidade, procurando viver em um lugar sossegado. No século XVIII, os autores árcades já desejavam uma vida mais simples, bucólica e pastoril. O professor pode tentar enaltecer a busca por uma vida tranquila, longe da violência e dos conflitos urbanos. Para tanto, pode se fazer uma discussão sobre o tema e quais as experiências boas e ruins de viver numa grande cidade, os riscos diários e os incômodos eternos que as pessoas têm que conviver. O docente pode, nesse momento, invocar as vantagens de uma vida mais simples, longe das inquietações das pessoas e do caos das metrópoles. Uma dica é usar músicas que falem sobre o desejo de "fugir" da cidade, como na canção "Casa no Campo", de Zé Rodrix e Tavito, e a música "Casinha Branca", de Gilson e Joran, que sugere uma vida apegada ao espaço natural.
Marília era uma mulher letrada e não assumia um papel submisso na sociedade. Possuía, portanto, um perfil diferente do que se esperava para as mulheres da época. A partir desse mote, o professor pode levantar discussões como: qual o papel que a mulher exerce na sociedade hoje? Quais as mulheres de vanguarda do nosso país e o que elas fizeram para estarem à frente de seu tempo?






Falar de amor é algo muito delicado e complexo, gerador de discussões, especialmente quando se trata de um sentimento idealizado e a distância






A obra de Tomás Antônio Gonzaga está povoada de entidades da mitologia clássica. Esse tema sugere a motivação de estudar as figuras mitológicas da Grécia e o que representa cada uma delas. Essa pode ser a primeira experiência dos alunos com os deuses gregos, por isso é ser importante a exibição de gravuras que ilustrem tais seres em suas representações físicas.
Outro aspecto a ser abordado é o fato de todo o poema ter sido escrito sobre a óptica do eu-lírico do pastor Dirceu. Em nenhum momento Marília se manifesta, a não ser nos pensamentos e representações que o poeta dá a ela. O professor pode propor uma inversão de papéis, delegando aos alunos o ofício de recontar a estória: de como a pastora responderia a tão apaixonados apelos e se esta aceitaria casar-se com Dirceu.


Cristiane Valéria Graton é especialista em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Contato: catuane@hotmail.com

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