domingo, 5 de junho de 2011

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A OPINIÃO - Pais superprotetores



Leonardo Posternak

3 de dezembro de 2010 às 16:54h

Eles insistem em criar os filhos sem limites ou frustrações, tudo permeado pelo prazer absoluto. O problema é que a vida não é assim

Por Leonardo Posternak

João, de 6 anos, está caminhando de mãos dadas com seu pai. Acabou de ter uma violenta briga com seu amigo do coração, por motivos banais de desentendimentos em uma brincadeira. Pai e filho vão calados, resmungando. De pronto o menino pergunta ao pai: ‘O que é a liberdade?’ Ele queria compreender o que tinha acontecido. O pai, preocupado e distraído, contesta rápido e impensadamente: ‘É fazer o que a gente quer’. João escuta pensativo e olhando nos olhos do pai interpela: ‘Ah! Mas não com os outros, né?’”

Pequena e profunda, essa história levanta várias articulações: entre o sujeito e o outro, entre a pulsão e a ética, entre o desejo e o limite, entre a liberdade e o direito. Nos faz pensar que tão importante quanto educar é não deseducar. O exemplo é o âmago do texto que segue a continuação.

É lícito que cada família eduque seus filhos embasada em sua história, seus modelos, sua cultura, sua experiência e suas possibilidades. Talvez seja por isso que a educação das crianças se torne um fator instigante para a reflexão interdisciplinar e demande uma relação estreita entre a família, a escola e a pediatria. Mas existe um aspecto universal da educação que podemos sintetizá-lo em duas perguntas: o que esperar da educação que damos aos nossos filhos? E o que podemos lhes transmitir?

A resposta teórica deve ser quase unânime: basicamente, devemos lhe oferecer ferramentas para sua socialização. Transmitir-lhes uma cidadania possível. A resposta, na prática cotidiana, perde a unanimidade, e as certezas viram dúvidas ou impasses. Justamente por não ser o resultado mágico de um ritual – na nossa cultura não existe um ato simbólico que introduza a criança no estatuto do adulto. Ou o aprendizado através de um manual. Do tipo: “Como educar seu filho em dez capítulos”. A educação para cidadania se dá por caminhos longos, incertos dentro de um equilíbrio instável entre a esperança (promessas) e frustrações (deveres).

Quando se trata de educar, de maneira imediata e estereotipada, se faz presente uma contradição entre o excesso e a falta de algo que não sabemos bem o que é. E assim coloca os pais e educadores em dúvida em respeito à medida “desse algo” desconhecido. Podemos exemplificar esse conceito: crianças bem educadas/crianças mal-educadas, crianças abandonadas/superprotegidas, repressão demais/ repressão de menos, crianças que têm tudo/crianças que não têm nada. Bater, acariciar, castigar, prometer. Prevalecer sem humilhar, manter a autoridade sem autoritarismo. Permitir o prazer sem perder a disciplina, manter a disciplina sem perder prazer. O que fica de tudo: lógica demais, informação de menos ou demasiada informação sem lógica.

O ponto de partida dessa contradição é o fato de os pais terem que transmitir a demanda social, além de seu desejo. Ao mesmo tempo, a sociedade e a cultura exigem que os pais encaminhem seus filhos pelos caminhos limitados, pelas normas, convenções sociais e leis de sua conveniência. A isso se chama educar. Sigmund Freud há mais ou menos cem anos escreveu sobre o assunto ao falar do narcisismo em um trabalho intitulado Sua Majestade, o Bebê. Nela, Freud afirma que os pais almejam para seus filhos o prazer, a realização e a felicidade que muitas vezes eles mesmos não conseguiram para si próprios.

Os pais insistem em criar os filhos sem limites, sem frustrações, tudo permeado permanentemente pelo prazer absoluto e com imensa proteção, como se pudessem criar uma exceção para seu “reizinho”. O problema é que ficam reféns da demanda social.

O paradoxo fica ainda mais terrível e perigoso se os pais não conseguirem entender que os indivíduos e as famílias estão imersos em comunidades. Não são ilhas isoladas e paradisíacas, com leis próprias. Podemos reconhecer outro paradoxo antipedagógico nas famílias modernas: sem questionamento, se apropriam dos princípios da revolução francesa para seu funcionamento: “Igualdade, fraternidade e liberdade”.

O justo clamor popular, ante a um reinado autoritário e injusto, se torna algo devastador ao se tratar da educação dos filhos. A família deve ser hierárquica, não um sistema igualitário, e deve funcionar com a necessária autoridade dos pais. A família não é composta só de irmãos: os elementos são diferentes e os pais são guardiães das normas de funcionamento. Por último, a liberdade não é libertinagem. Qual a medida da liberdade? Deve-se permitir que a criança faça tudo o que quiser? Não, jamais. Os pais têm de optar em ser adultos – alguém tem de fazer isso. Para uma criança querer crescer, tem de existir o desejo, e o desejo só surge quando existe uma falta. As crianças que conseguem tudo não têm motivo para crescer porque não têm nada a desejar.

Nós, humanos, ao nascer estamos influenciados pelo princípio do prazer, somos hedonistas. No começo da vida assim deve ser: receber cuidados, comida, amor para poder ficar seguros no Éden. Logo a seguir, a educação e o relacionamento com os adultos amados nos introduzem no princípio de realidade e assim perdemos o paraíso, porque alguém impõe limites, provoca algum grau de frustração e corta os excessos. A educação se faz apesar do desejo. Para a mãe, o desejo é de ser tudo para o filho e que o filho seja tudo para ela. Nessa hora, deve aparecer a função paterna, que é de corte entre a mãe e o filho. Na nossa cultura, para as crianças, a bandeira da autoridade está na mão do pai. Se ele consegue que a mãe não seja tudo para o filho e que ele não seja tudo para ela, os dois vão precisar de outra coisa. Ou seja: a ação do pai os leva a desejar. A educação então se faz não através do desejo, mas apesar dele.

Dá para imaginar os problemas que surgem quando o pai não tem condições de assumir sua função e simplesmente se demite ou fica eclipsado. A tarefa educativa não aceita a renúncia: sem o exercício de um dever, não existe a promessa do gozo. O desejo humano só existe na medida em que os limites impostos nos constituem em sujeitos culturais. Não sendo assim, teríamos uma vida intuitiva movida pelos impulsos.

Como regra geral, os pais devem ter cuidado para não usar uma dupla mensagem: não estimular a difundida lei macunaímica de ser espertos e levar vantagem em tudo. Devem também falar sempre a verdade – é um direito dos filhos –, ensinar a respeitar as diferenças etc. Este tema é uma das últimas utopias que, pela sua nobreza, vale a pena lutar. Mudar a criança na família, mudar a família na sociedade, é permitir então que essas crianças mudem o mundo.


Leonardo Posternak

AS OPINIÕES - 7 Respostas para “Pais superprotetores”



Wellington Pereira disse:
27 de janeiro de 2011 às 16:39
Sou professor em Minas Gerais e sinto na sala de aula o quanto essa falta de limite, de educação dos jovens é séria. A família entregou à escola o dever de impor limites e isso é terrível. Se as famílias não educacam um filho(a) imaginem o professor tendo que educacar 35/40 alunos.

Márcio Romeiro disse:
22 de janeiro de 2011 às 21:10
Só podia ser a Carta Capital mesmo para abordar um assunto tão importante. Esse é o estilo de educação pregada pela elite. Uma educação que valoriza o desrespeto com o próximo, não importando o que pode acarretar de ruim para sociedade como um todo.
Devido a existência desse meio de comunicação que podemos sonhar com um Brasil melhor.
A Carta Capital sai de novo na frente. E o Brasil só ganha com isso.

Gisele disse:
19 de janeiro de 2011 às 14:11
Muito boa a matéria.
Sempre entro em conflito quando o assunto é isso de “como educar seu filho”. Deve ser difícil medir o quanto ceder o quanto não ceder, afinal, relações são feitas disso…É uma relação, mas, concordo com o texto, que deve haver uma certa hierarquia. O problema, a meu ver, está no fato de que muitos pais esquecem que o são e querem ser apenas amigos de seus filhos. Fruto desses be-á-bas repassados no Fantástico para pais perdidos, que acabam deixando os filhos mais perdidos ainda ao seguir à risca esse tipo de instrução.

Acredito que isso – educar – só se aprende fazendo, e errando, e acertando. As dicas são bem-vindas, mas sem sentir a situação, vira um monte de informação acumulada e só. O problema é que hoje ninguém tem tempo, não se sente mais a relação, daí o filho fica na escola, na natação, no computador, no ballet, mas nunca com os pais.

É muito material e pouco contato…muito notebook, videogame e babá e pouca limpeza da casa juntos, poucos acampamentos na sala, poucos jantares, olhares, conversas sinceras…

A impressão que dá é que passamos tempo demais trabalhando pra pagar e comprar..isso envolve tudo, é claro…o problema está em mudar essa situação.

Paulo Cesar disse:
11 de janeiro de 2011 às 1:32
É difícil falar em educação de filho para quem votou no serra.Ele representa o preconceito aos pobres, aos feios, aos desdentados, representa a desinformação, o autoritarismo e a repressão. Acho muito oportuna a observação de Oneaty. Como falar em educar se os pais são conservadores,preconceituosos, desinformados. Não que quem votou na Dilma ou Lula sejam melhores educadores apenas é um bom momento para que os pais comecem por respeitar as diferenças, por cultuar a ética, a soberanis do Brasil. Precisamos de filhos com espírito democrata, cooperativo, participativo e por aí vai. Tudo o que não se espera de quem votou no serra.

Daniel Duarte disse:
16 de dezembro de 2010 às 14:03
“a maioria dos psis que invocam o nome do pai – como se fosse o pai mesmo – votaram em Serra)”-Achei essa argumentação simplista e reducionista…Esta me parecendo que essa equação rege-se através de leis casuúiticas irrefutáveis.Mais do que isso, serve a um ode à estereotipações e acusações sem o menor embasamento.Nem os famigerados “instituos de pesquisa”seriam capazes de chegar a uma síntese relacionada à’essa argumenáção.É evidente que pessoas circunscritas nesse lenga-lenga podem ter votado no Serra, como também podem ter votado na Dilma.E outra, esse “lenga-lenga”não é compartilhado apenas por “conservadores”, mas também a progressistas, que formam família, mas nem por isso reproduzem estereotipações sem o menos embasamento e pobre em análise…Pois bem, o buraco é bem mais embaixo, de modo que ao invés de reduzir temos de complexificar o problemas afastando-nos de qualquer estereótipo…

Maristela Soranço Miranda disse:
9 de dezembro de 2010 às 11:44
Concordo com a importância da presença Paterna na quebra da relação entre a mãe e o filho, uma vez que este elo é mais forte haja visto que desde sua geração , a mãe carrega e embala o filho. A questão é : hoje, muitas mães fazem o papel de “mãe” e “pai”, haja visto que quando há ruptura na relação os pais simplesmente “entregam” seus filhos as mães, passando a achar que toda a responsabilidade em educar e criar os filhos são da mãe, daí surgem os problemas de superproteção e até mesmo fuga da própria mãe “jogando” seus medos e frustações no (s) filho (s). Ratifico a frase que “A tarefa educativa não aceita a renúncia: sem o exercício de um dever, não existe a promessa do gozo. O desejo humano só existe na medida em que os limites impostos nos constituem em sujeitos culturais. Não sendo assim, teríamos uma vida intuitiva movida pelos impulsos.”, as pessoas deviam ler e praticar os bons aprendizados.

Oneaty disse:
4 de dezembro de 2010 às 21:50
Mais do que a “ação paterna”, importa a função paterna, mais abstrata do que um pai de carne e osso, que pode “se demitir ou eclipsar”.
Acho que os psis levam tudo muito ao pé da letra, e essa estória de pai, que deveria ser a estória da função-pai, acaba sendo um retrocesso, um retorno à velha lenga-lenga careta tradição-família-propriedade. (a maioria dos psis que invocam o nome do pai – como se fosse o pai mesmo – votaram em Serra)
Mas que um filho precisa de limites, e de alguém que o retire do buraco-negro materno, quanto a isso não resta a menor dúvida.






Revista Carta Capital - Fevereiro 2010.

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