domingo, 5 de junho de 2011

OPINIÃO DE RAÇA




FANTASMAS DO PASSADO








Após mais de um século de instabilidade política, em que o Brasil inclinava-se entre momentos democráticos e ditadoriais - sendo que o segundo bem mais presente - o país começa a experimentar o maior período de liberdade democrática de sua história.




Pela primeira vez, vivenciamos quase que duas décadas de governos civis eleitos e cumprindo seus mandatos sem a interrupção por golpes ou coisas do gênero, muito comuns no século 20. Para chegarmos a este estágio, foi necessário um grande esforço da sociedade civil, que pagou, inclusive, com a vida de muitos cidadãos, mas a cultura secular da repressão, do coronelismo, da corrupção e do autoritarismo, fortalecida nos terrenos férteis dos regimes arbitrários, continua, ainda hoje, muito presente com seus representantes travestidos de liberais e democráticos, ávidos para sobreviver nesse novo momento do país.


Somente quando um ou outro - por descuido ou mesmo pela arrogância típica daquele período nefasto - se expõe em uma declaração infeliz, é que as novas gerações podem ter uma ideia do que representou os anos de chumbos da vida brasileira. O porta-voz da vez foi o deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ) que, perguntado pela cantora Preta Gil, o que faria se um de seus filhos casasse com uma mulher negra, respondeu que não correria esse risco, pois seus filhos foram muito bem-educados e não viveram num lar promísculo como o dela.


A fala de Bolsonaro apenas segue uma sequência de outras infelizes declarações de parlamentares oriundos da mesma origem política que, no passado, deram sustentação à ditadura no Brasil e hoje posam de bons samaritanos no Congresso Nacional. É só lembrar que há pouco mais de um ano, o senador Demóstenes Torres (DEM/GO) deu declaração semelhante no Supremo Tribunal Federal, afirmando que " as negras escravas no Brasil gostavam das relações sexuais com os seus senhores". Pronunciamentos como esses já fazem escola. Em São Paulo, o deputado Marco Feliciano (PSC) afirmou que os africanos descendem de um ancestral amaldiçoado e isso está escrito na Bíblia; no Mato Grosso, outro deputado, Jayme Campos (DEM), chamou o ministro Joaquim Barbosa, de "moreno escuro", alegando que havia esquecido seu nome.


Que no Parlamento brasileiro ainda sobrevivam restos do lixo autoritário que imperou durante décadas no país, infelizmente, é uma verdade da qual não podemos esconder, a não ser usar o nosso voto, mas quando declarações que ofendem todos os negros e negras brasileiras vêm à tona, é a frágil democracia brasileira que está em risco, afinal, o deputado ofendeu moralmente mais da metade da população do país do qual ele representa.


Em qualquer outra democracia, das quais o Brasil tenta se espelhar, a vigilância e a pressão da sociedade civil são tamanhas, que, por bem menos, os políticos se veem obrigados a pedir desculpas, renunciam a seus mandatos e são banidos da vida pública. É o poder da opinião pública e das instituições que dá alicerce a essas democracias. Aqui, o máximo que acontece é surgir meia dúzia de emails e uma ou outra nota na imprensa. E tudo continua na mesma, principalmente se o ofendido for da comunidade negra, tão pouco representada em quaisquer instituições do governo.


No caso Bolsonaro, poucas medidas de ordem institucional foram tomadas. Ressaltamos aqui o posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) que ingressou com uma representação na Corregedoria - Geral da Câmara dos Deputados e da Fundação Cultural Palmares, que encaminhou para a Procuradoria Geral da República um pedido de providências com relação a declaração do parlamentar. No mais, infelizmente, o caso do deputado carioca caminha para o mesmo desfecho do seu colega goiano, o senador Demóstenes Torres. Estaremos daqui a um ano, nos perguntando o que aconteceu com o deputado? Absolutamente nada, e aí quem mais perde e sai enfraquecida são as instituições democráticas e a frágil democracia brasileira.






Mauricio Pestana - presidente do Conselho Editorial da Revista RAÇA BRASIL - pestana.raca@escala.com.br







Revista RAÇA BRASIL -Número 154 - Junho de 2011 - http://www.racabrasil.com.br/

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