Há alguns anos minha autoestima andava no dedão do pé. Sofrera uma rejeição terrível. Para compensar, me fartava de chocolates. Tinha dificuldade até de viajar de avião, porque minha barriga batia na poltrona da frente. Quando a gente está mal, inventa bobagem. Era a época de ouro do Orkut. Criei um fake, com um nome charmoso que não revelo nem sob tortura. Pesquisei na internet. Capturei umas fotos lindas de um ator pornô americano. Não usei as explícitas, minha loucura não chegou a tanto. Botei as melhores sem camisa, de sunga, até uma de terno e óculos. Imaginei uma biografia. Meu fake era um jovem estudante de arquitetura que parou o curso por falta de grana. Inscrevi-me nas comunidades em que logicamente ele se abrigaria: de arquitetura, decoração, filmes. E convidei gente para fazer “amizade”. Para minha surpresa, todos topavam sem muitas perguntas. Dali a pouco a página estava cheia, e os amigos atraíram outros contatos. Nas mensagens pessoais, contava minha saga, falava sobre minhas dificuldades financeiras, dizia buscar um grande amor. Em pouco tempo, tinha uma legião de fãs de ambos os sexos. Recebi dicas de empregos. Uma garota me convidou para um fim de semana em Búzios. (Bem, não sei se era uma jovenzinha, também podia estar me enganando.) Um paulista fez confidências sobre sua picante vida amorosa e declarou que eu era seu melhor amigo. Várias pessoas tentaram marcar encontros. Fingia que topava, mas na última hora dava uma desculpa. Por uma questão de princípio, nunca deixei ninguém esperando. Finalmente, um booker de uma agência de modelos me convidou para fotos. Eu me senti realizado. Cheguei a me admirar no espelho, vitorioso:
– Consegui! Consegui! Fui convidado para ser modelo.
Passado o instante de glória suprema, refleti melhor:
– Mas o convite é para o fake. Aquele corpo não é o meu.
Só então percebi o grau de piração em que tinha entrado. Aquele personagem já se tornara parte de mim. Reagia às cantadas, aos elogios, como se fossem dirigidos a mim mesmo. Só que, do outro lado do espelho, havia somente meu velho eu. Para minha própria saúde mental, abandonei o fake.
Um amigo fez pior. Estava em crise no casamento. Entrou em sites de relacionamento com um perfil falso. Feminino. Fazia charme, viveu relacionamentos profundos.
– Cheguei a ter um envolvimento que durou seis meses. O sujeito nunca suspeitou que eu também fosse homem. Já falava em termos uma vida juntos!
É incrível pretender se casar com alguém que só se conhece virtualmente. Mas acontece.
Meu amigo destruiu o perfil e superou a crise matrimonial.
Alguns atores globais, de nomes não revelados, se deram mal. Um safado criou um fake de uma mulher sensual. Não sei como fez tecnicamente, mas usou filmes pornográficos. Os cativados “conversavam” com a câmera aberta. A mulher interagia com stripteases e ofertas sexuais. O vigarista gravou tudo. Inclusive o “entusiasmo” dos famosos. Mais tarde, eles receberam o recado para depositar R$ 50 mil em determinada conta. Ou os vídeos seriam expostos na internet. Conta-se que muitos pagaram. Outros acabaram na web. Sem nunca contar o que realmente aconteceu, para o mico não ser maior.
No mundo dos adolescentes, os fakes se tornaram um problema. Garotas usam fotos de mulheres adultas, algumas seminuas. Meninos, de rapazes malhados. Estabelecem relacionamentos com pessoas acima de sua idade. Até fingem relações amorosas. Discutem sexo. O encontro ao vivo não acontece. Mesmo assim, são experiências que não estão preparados para viver. Como aconteceu comigo, fantasiam ser outra pessoa. Um educador diz:
– É mais comum do que se pensa. Adolescentes e até crianças se escondem atrás de fakes. Não é saudável. Substituem as experiências dessa fase da vida por uma falsa, virtual.
Redes sociais como o Facebook estipulam uma idade mínima para participar. Com os fakes, a proibição torna-se nula.
Viver um personagem pode ser mais agradável que enfrentar os desafios da realidade. Embora os adolescentes sejam mais frágeis, isso vale para todas as idades. É um risco para o equilíbrio psicológico.
Reconheço que fiquei balançado ao me relacionar por meio de um fake. Desisti. Optei pela vida real. Às vezes, confesso, sinto saudades. Visito a página de meu personagem. Anos depois, ainda há quem envie poesias românticas ilustradas com rosas vermelhas.
Sem dúvida, provoquei algumas paixões.
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