sexta-feira, 25 de maio de 2012

Crônica do Dia - Brincadeirinha, não! Racismo mesmo


É como se o porteiro negro de um estabelecimento que barra a entrada de outro negro, atendendo à ordem do patrão branco, deixasse de ser um ato racista. É bem possível que, ao gravar uma música chamada Kong e lançar um videoclipe em que aparece fantasiado de gorila juntamente com Neymar e amigos, o pagodeiro Alexandre Pires o fez por interesse da mídia em minimizar a frase de um humorista de stand up: "King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?". Para ele e para muitos, vale tudo, quando se trata de brincadeira.

Tanto no filme do cineasta nova-iorquino Spike Lee, A hora do show (Bamboozled, 2000), quanto no documentário do mesmo ano do diretor brasileiro Joel Zito Araújo, A Negação do Brasil, o tema "blackface" é sobejamente discutido. Ambos encerram com uma sucessão de imagens de como o cinema americano (inclusive no campo da animação) e as telenovelas brasileiras construíram um estereótipo inferiorizado e ridicularizando os personagens negros, respectivamente, nos EUA e no Brasil. "A máscara que um ator usa está prestes a se tornar seu rosto", afirma o filósofo Platão. E esse é o rosto que, desde o século 19, os Minstrel Shows americanos - um tipo de teatro popular - impingiram aos negros.

Eram atores brancos com a face pintada de preto por uma pasta de carvão ou por cortiça queimada. Em volta da boca, faziam uma larga faixa branca, que seriam os grossos lábios. Faziam movimentos caricatos e uma voz que ridicularizava o falar dos negros, com histórias ambientadas no sul do país, onde o racismo era mais cruel. O primeiro filme sonoro da história do cinema, O Cantor de Jazz, de 1927, com o cantor Al Jolson, usou esse artifício.

Na telenovela brasileira A Cabana do Pai Tomás, produzida pela Globo em 1969, baseada no romance Uncle Tom's Cabin, de Harriet Beecher Stowe, trazia o ator Sérgio Cardoso no papel-título, além de viver dois outros, um deles o presidente Abraham Lincoln. O negro, nessa novela, não chegou a ser caricato nem ridículo, mas tinha um comportamento extremamente submisso, aqui chamado de "Pai João".

Sobre a Blackface, que depois dessa fase se utilizou de atores e atrizes afro-americanos interpretando personagens que mantinham esses estereótipos, há um site bastante informativo que todos devemos ler e reler, cujo endereço é www.black-face.com. Vale a pena acessá-lo e conhecer Jim Crow, Zip Coon, Mammy, Uncle Tom, Buck, Wench/Jezebel, Mulatto, Pickaninny, entre vários outros que são exibidos ainda hoje impunemente e até ganharam versões nacionais.

E, de repente, estamos gargalhando, aos assisti-los! E depois nos desculpamos dizendo que foi só brincadeira...

Revista Raça Brasil

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