Em evento promovido pela “Folha de S. Paulo” que celebrava a chegada de seu 80º- aniversário — a data da comemoração será no dia 24 de outubro —, Ziraldo aproveitou para defender um de seus maiores amores, o objeto livro, atacando um de seus maiores inimigos, a internet. “Tudo de que você precisa está dentro de um livro”, disse ele. “Seu filho não pode chegar à internet sem passar pelo livro. Se não for capaz de escrever o que pensa e de entender o que lê, vai para a internet para virar um idiota. A internet está cheia de idiotas. Ela conseguiu dar palco para o canalha, para o invejoso. A Humanidade não presta. E você multiplica a potencialidade dessa maldade na internet.”
Ziraldo exagerou na primeira parte de seu raciocínio, mas foi preciso na segunda. Afinal, livros, hoje, não existem só em papel. A internet está cheia de livros. Todos os livros de qualidade encontrados em livrarias — que estão cheias de livros idiotas, também — estão na internet. Alguns estão só na internet. Imaginar que a criança do século XXI passará pelo livro antes de chegar à internet é ingenuidade. Na escola, ela aprende na internet. Ela se comunica com os amigos pela internet. Ela satisfaz sua curiosidade na internet. Com muito mais facilidade e imediatismo do que minha geração ou a de Ziraldo conseguia pelo livro. Não é a internet que vai impedir a criança de escrever o que pensa ou de entender o que lê. É a educação. E não é o livro das livrarias que vai resolver este problema.
Mas Ziraldo acertou em cheio ao criticar a idiotice que reina no mundo virtual. A internet tornou-se mesmo palco para canalhas e invejosos. Protegida, muitas vezes, pelo anonimato, essa turma ocupa o espaço de comentários nos blogs, usa a rapidez de se soltar um pitaco no Twitter, aproveita-se da força viral de um e-mail para emitir pensamentos pouco elaborados e, na maioria das vezes, agressivos, inconsistentes, precipitados, raivosos... Resumindo, cheios de canalhice e inveja.
O mais democrático dos meios de comunicação proporcionou uma liberdade de escrita que, no jornalismo impresso tradicional, por exemplo, não é permitida nem na seção de cartas dos leitores. E esta liberdade vem revelando um caráter da Humanidade que era escondido pelos meios anteriores à revolução digital. O mais recente exemplo disso pode ser visto na reação cibernética à entrevista dada por Xuxa no último “Fantástico”. A famosa apresentadora de TV revelou que sofreu abusos sexuais na infância e no começo de sua adolescência. O governo levou a sério. A secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário, soltou nota oficial em que definia a revelação de Xuxa como uma “atitude de coragem”.
A classe política também. O senador Magno Malta (PR/ES), presidente da CPI da Pedofilia, quer ver Xuxa no ato de assinatura da Lei Joanna Maranhão, que permitirá que adultos denunciem abusos sofridos durante a infância. O Ministério Público considera a entrevista um incentivo para que abusos sejam denunciados. Mas na internet...
Nas 24 horas seguintes ao depoimento, cerca de 29 mil tuítes comentavam o assunto. Foram mais de 20 mensagens por segundo. E, na grande maioria, Xuxa era chamada de louca, acusada de fazer a denúncia “para aparecer”, objeto de piadas, objeto de piadas.
O cidadão tem todo o direito de pensar duas vezes antes de acreditar em qualquer história do passado de Xuxa. Ela mesma faz questão de apagar este passado. Não existe sua aparição para a vida artística no concurso de panteras promovido num carnaval por Ricardo Amaral. Não existe seu namoro com Pelé. Não existem as fotos eróticas que fez para revistas. Não existe o filme em que interpretava uma prostituta. Xuxa sempre quis dar a impressão de que nascera com 30 anos de idade. Por isso mesmo, como duvidar de um depoimento que expõe tanto sua intimidade?
O abuso sexual contra crianças é um assunto tabu no Brasil. Muita gente acredita que isso só existe nos EUA, onde o tema é tratado à exaustão em filmes que passam sempre na TV e em autobiografias de qualquer celebridade. No Brasil, é como se ele não existisse. Um assunto para ser resolvido em família. Xuxa escancarou uma porta que teimava em permanecer fechada. O resto é canalhice e inveja.
XXX
Só o mais alienado dos espectadores de teatro e de televisão não sabe que Marcos Caruso é um dos maiores atores do país. Seu Leleco, de “Avenida Brasil”, é um personagem que, já na primeira semana da novela, entrou para a galeria dos grandes personagens da História da telenovela. No teatro, Caruso está dando prova de sua versatilidade, com um tipo completamente diferente. Ele é o escritor Andrew Wyke, na peça de suspense “Em nome do jogo”, de Anthony Shaffer, um quebra-cabeças teatral tipicamente britânico. Assim como o Leleco, ele conquista a plateia desde a primeira cena. Apesar disso, o colunista ao fazer um comentário em seu blog sobre o espetáculo, trocou o nome do ator. Acertou o Caruso, mas errou o Marcos, chamando-o de Nelson. (Nelson Caruso foi um ator que fez novelas de sucesso na Globo nos anos 70 do século passado, como “Feijão maravilha”, “Sinal de alerta” e “Pai herói”). Erro imperdoável. Como castigo, estou diante do quadro-negro escrevendo cem vezes: Marcos Caruso, Marcos Caruso, Marcos Caruso, Nelson...
Ziraldo exagerou na primeira parte de seu raciocínio, mas foi preciso na segunda. Afinal, livros, hoje, não existem só em papel. A internet está cheia de livros. Todos os livros de qualidade encontrados em livrarias — que estão cheias de livros idiotas, também — estão na internet. Alguns estão só na internet. Imaginar que a criança do século XXI passará pelo livro antes de chegar à internet é ingenuidade. Na escola, ela aprende na internet. Ela se comunica com os amigos pela internet. Ela satisfaz sua curiosidade na internet. Com muito mais facilidade e imediatismo do que minha geração ou a de Ziraldo conseguia pelo livro. Não é a internet que vai impedir a criança de escrever o que pensa ou de entender o que lê. É a educação. E não é o livro das livrarias que vai resolver este problema.
Mas Ziraldo acertou em cheio ao criticar a idiotice que reina no mundo virtual. A internet tornou-se mesmo palco para canalhas e invejosos. Protegida, muitas vezes, pelo anonimato, essa turma ocupa o espaço de comentários nos blogs, usa a rapidez de se soltar um pitaco no Twitter, aproveita-se da força viral de um e-mail para emitir pensamentos pouco elaborados e, na maioria das vezes, agressivos, inconsistentes, precipitados, raivosos... Resumindo, cheios de canalhice e inveja.
O mais democrático dos meios de comunicação proporcionou uma liberdade de escrita que, no jornalismo impresso tradicional, por exemplo, não é permitida nem na seção de cartas dos leitores. E esta liberdade vem revelando um caráter da Humanidade que era escondido pelos meios anteriores à revolução digital. O mais recente exemplo disso pode ser visto na reação cibernética à entrevista dada por Xuxa no último “Fantástico”. A famosa apresentadora de TV revelou que sofreu abusos sexuais na infância e no começo de sua adolescência. O governo levou a sério. A secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário, soltou nota oficial em que definia a revelação de Xuxa como uma “atitude de coragem”.
A classe política também. O senador Magno Malta (PR/ES), presidente da CPI da Pedofilia, quer ver Xuxa no ato de assinatura da Lei Joanna Maranhão, que permitirá que adultos denunciem abusos sofridos durante a infância. O Ministério Público considera a entrevista um incentivo para que abusos sejam denunciados. Mas na internet...
Nas 24 horas seguintes ao depoimento, cerca de 29 mil tuítes comentavam o assunto. Foram mais de 20 mensagens por segundo. E, na grande maioria, Xuxa era chamada de louca, acusada de fazer a denúncia “para aparecer”, objeto de piadas, objeto de piadas.
O cidadão tem todo o direito de pensar duas vezes antes de acreditar em qualquer história do passado de Xuxa. Ela mesma faz questão de apagar este passado. Não existe sua aparição para a vida artística no concurso de panteras promovido num carnaval por Ricardo Amaral. Não existe seu namoro com Pelé. Não existem as fotos eróticas que fez para revistas. Não existe o filme em que interpretava uma prostituta. Xuxa sempre quis dar a impressão de que nascera com 30 anos de idade. Por isso mesmo, como duvidar de um depoimento que expõe tanto sua intimidade?
O abuso sexual contra crianças é um assunto tabu no Brasil. Muita gente acredita que isso só existe nos EUA, onde o tema é tratado à exaustão em filmes que passam sempre na TV e em autobiografias de qualquer celebridade. No Brasil, é como se ele não existisse. Um assunto para ser resolvido em família. Xuxa escancarou uma porta que teimava em permanecer fechada. O resto é canalhice e inveja.
XXX
Só o mais alienado dos espectadores de teatro e de televisão não sabe que Marcos Caruso é um dos maiores atores do país. Seu Leleco, de “Avenida Brasil”, é um personagem que, já na primeira semana da novela, entrou para a galeria dos grandes personagens da História da telenovela. No teatro, Caruso está dando prova de sua versatilidade, com um tipo completamente diferente. Ele é o escritor Andrew Wyke, na peça de suspense “Em nome do jogo”, de Anthony Shaffer, um quebra-cabeças teatral tipicamente britânico. Assim como o Leleco, ele conquista a plateia desde a primeira cena. Apesar disso, o colunista ao fazer um comentário em seu blog sobre o espetáculo, trocou o nome do ator. Acertou o Caruso, mas errou o Marcos, chamando-o de Nelson. (Nelson Caruso foi um ator que fez novelas de sucesso na Globo nos anos 70 do século passado, como “Feijão maravilha”, “Sinal de alerta” e “Pai herói”). Erro imperdoável. Como castigo, estou diante do quadro-negro escrevendo cem vezes: Marcos Caruso, Marcos Caruso, Marcos Caruso, Nelson...
O Globo
23/05/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário