A chegada de Harry Potter ao mercado de e-books, mais de 15 anos após o lançamento do primeiro livro da série, poderia ser vista pelos fãs como um indesculpável atraso. Enquanto séries mais recentes como Crepúsculo e Jogos vorazes já haviam estabelecido uma forte presença digital, os jovens leitores fanáticos por Harry Potter tiveram de esperar até a semana passada para ter acesso à série em e-books e audiolivros. O motivo da demora – sabe-se agora – era a elaborada estratégia digital da autora J.K. Rowling. Ela se recusava a vender seus livros em sites tradicionais de venda on-line.
Quando os detalhes do lançamento foram revelados, soube-se que Rowling conseguira impor à Amazon e à Barnes and Noble uma situação única entre os autores: os livros da série Harry Potter serão vendidos exclusivamente no site da autora, o Pottermore, embora possam ser lidos no Kindle e em outros e-readers. Apenas a Apple, dona do iPad, ainda não aceitou que os livros sejam vendidos fora do iTunes – eles podem ser lidos no iPad e no iPhone com o aplicativo do Kindle.
“Essa é a maior concessão que a Amazon já fez a qualquer autor ou editora”, afirma o americano Bob Stein, diretor do Instituto para o Futuro do Livro. Além de manter-se em contato direto com os leitores, ao vender o livro em seu próprio site a autora elimina intermediários. As comissões dadas à Amazon por livros vendidos no Pottermore para o Kindle são menores que as pagas pelos livros vendidos no site da Amazon. A iniciativa de Rowling foi comparada à da banda americana Radiohead, que, em 2007, lançou o álbum In rainbows em seu próprio site, esnobando as gravadoras. Com uma diferença: ao contrário da banda, Rowling conseguiu o direito de usar os canais de distribuição dos sites de venda, sem abrir mão de seus direitos. Para vencer a queda de braço, ela contou com um poder sem precedentes no mercado editorial. Não interessa a nenhuma fabricante de e-readers vender um dispositivo incapaz de baixar a série de livros mais popular do mundo.
O empenho de Rowling sugere, porém, que ela tem algo mais a seu favor que apenas o poder de suas vendas. Ao contrário de outros autores de sucesso, meros fornecedores das editoras, ela demonstra ter um projeto digital para sua obra. O controle sobre toda a cadeia de distribuição digital de seus livros faz parte de um plano ambicioso para manter o interesse pela série sem depender de novos livros e filmes. Rowling anunciou em fevereiro que se dedicará a outros projetos literários, como um livro para o público adulto. Mas não quer perder o controle sobre Harry. Os filmes, brinquedos e outros produtos associados aos livros fizeram da série uma marca com o valor estimado de US$ 15 bilhões. A admiração dos jovens continua em alta mesmo após o lançamento do último filme. Com a chegada dos e-books, a série deve atingir uma nova geração de leitores, que crescerá sem o hábito de ler livros de papel. Muitos fãs atuais prometem comprar a versão digital mesmo tendo os livros em casa. “As pessoas de minha geração reclamavam muito, porque crescemos usando a internet para tudo, mas nossos livros favoritos só estavam disponíveis no papel”, afirma a escritora Carolina Munhoz, de 22 anos. “Agora, vamos poder ter Harry Potter no e-reader e também na estante.”
Embora poucos autores sejam capazes de criar um exército de fãs tão dedicados, a iniciativa de Rowling pode inspirar mudanças no mercado editorial. “Rowling é sem dúvida a mais popular de todas, mas outros autores poderiam tentar imitar o modelo e transformar seus livros em universos digitais. Livros infantojuvenis e de fantasia são ideais para isso”, afirma Stein. O escritor infantojuvenil Pedro Bandeira, que acaba de fechar um acordo para a publicação de 40 e-books pela editora Moderna, diz admirar o projeto criado por Rowling. “É uma inovação o autor poder criar uma empresa para vender os próprios livros”, afirma. “Sites como o Pottermore podem demorar para surgir no Brasil, mas é uma questão de tempo até aparecerem editoras digitais capazes disso.” Mais que a colaboração das editoras, será necessário que o autor se dedique a criar conteúdo interessante por vários meios, em vez de apenas escrever suas histórias.
Além de vender com exclusividade os e-books e audiolivros, o site Pottermore oferecerá aos leitores uma experiência interativa de leitura, que incorpora funções de games e redes sociais aos livros. É possível seguir o herói pelos capítulos ilustrados com imagens inéditas, acumulando pontos e coletando itens como moedas e livros de magia. Os usuários podem trocar experiências e duelar entre si. O site também traz textos inéditos da autora sobre o universo da série. “O melhor, com certeza, são os textos inéditos, porque trazem informações sobre o passado de vários personagens”, diz o estudante Daniel Mählmann, um dos usuários da versão de testes do site.
Criado em julho, mas ainda restrito apenas a convidados, o Pottermore deverá ser aberto ao público em abril. Está previsto que novas versões dos livros digitais, com imagens e sons incorporados à narrativa, chegarão ao site até o fim do ano. Por enquanto, apenas os e-books simples estão disponíveis.“O Pottermore será uma experiência de leitura diferente de qualquer outra”, afirma Rowling, no vídeo gravado para apresentar o projeto. “Estarei lá também, dividindo informações sobre o mundo de Harry Potter que mantive em segredo há anos.” A dona da magia não vai abrir mão.
Revista Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário