sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Crônica do Dia - Quem inventou o espelho ? - Ingrid Guimarães

 
Esta semana estreei "Razões para ser Bonita", do dramaturgo americano Neil Labute. A peça parte da premissa de um casal onde o marido comenta que o rosto da sua mulher é apenas "comum" comparado ao rosto de outra mulher muito bonita. A partir daí, ela entra num processo psicológico que a impede de ficar ao lado dele e enlouquece. Vale lembrar que ele não disse "feia" em nenhum momento e, logo depois, afirmou que não a trocaria por ninguém. Mas esta segunda parte ela nem ouviu. Quando assisti à peça em Londres achei exagerado a personagem terminar um casamento feliz, com um homem bacana (matrial raro hoje em dia), só porque ele a acha comum. Mas resolvi confiar em Labute (afinal ele é um homem e não tem TPM) e, pra minha surpresa, me deparei com uma reação de revolta na porção feminina da plateia quando o marido se refere a ela como "comum". E tudo piora quando ele tenta explicar que ela é "bonitinha", "uma graça". A mulherada grita de espanto e raiva, como se ser comum fosse uma ofensa, quase um desvio de caráter.
Mais interessante é observar, em São Paulo, na saída da peça, o público que vem me cumprimentar e diz: "Você é muito corajosa de se colocar nesta situação". Mulheres me olham com compaixão só porque fiz uma peça sem maquiagem e deixo me chamarem de feia. Fico me perguntando: quais as razões para se falar tanto sobre a beleza? O assunto tomou uma dimensão maior do que sua importância real. A obsessão virou quase um caso de saúde pública. Como se fosse garantia pra alguma coisa, como se envelhecer não estivesse nos planos. Afinal, a ideia de feia ou bonita é apenas opinião de uma pessoa. Também tem o olhar dos seus pais sobre você, da escola, da namorada. A gente constrói a ideia da beleza  a partir de como somos olhadas. A beleza é comparativa. Se as princesas não fossem lindas e todas com a mesma cara (só mudam o cabelo e a fantasia) e a Barbie não fosse magra e alta, as crianças não iriam saber que o padrão era aquele. Afinal, uma rainha manda arrancar o coração da Branca de Neve só porque o espelho dise que ela era mais bela. É só a opinião de um espelho! Se o espelho tivesse dito que a rainha era "comum" ela ia mandar fazer o quê? Esquartejar a Branca de Neve?

"Espelho, espelho, meu, existe alguém mais bela do que eu?" Começamos nossa infância com esta mensagem subliminar e comparativa. E logo depois vem os I (pad, phone, touch), com seus aplicativos, Facebook, Instagram, sites onde tudo gira em torno de fotos. Passamos os dias nos fotografando, nos vendo, nos analisando, colocando filtros. São tantas informações que não dá tempo de fazer tudo que nos é oferecido pelas redes sociais. Somos escravos dos percentuais, das novas técnicas de laser, dos novos alisamentos, das novas vitaminas com colágeno, das dietas, das massagens. Existe hoje um aplicativo para Iphone que mede a simetria facial e dá uma nota pro seu rosto de 1 a 10. Lá diz que o aplicativo mede o seu "nível de beleza". Como iremos nos olhar no espelho depois de receber um 6,5 do iPhone?
Eu queria saber quem foi o desgraçado que inventou o espelho. Somos pbcecados por ele e, às vezes, a gente nem se conhece verdadeiramente, O espelho aprisiona. O espelho confirma diariamente que a pessoa não está como deveria. E se ele não existisse? Que liberdade seria... Teríamos tempo para olhar em volta. Teríamos oportunidade de sermos apenas comuns.


Ingrid Guimarães
Revista O Globo

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