domingo, 14 de outubro de 2012

Personalidades - De volta para casa


Baby e Pedro estarão juntos dia 31 num palco montado no Jockey Club
Foto: Divulgação/Daniela Dacorso

RIO - Bernadete Dinorah fugiu de casa aos 16 anos, saindo de Niterói e caindo em Salvador, onde assistiu ao show “Barra 69”, conheceu Caetano, Gil, Moraes, Pepeu, participou da criação dos Novos Baianos e se tornou Baby Consuelo — nome de uma personagem do filme “Meteorango Kid”, de André Luiz Oliveira. Tempos depois, a roda da vida deu uma volta completa, e foi a vez de seu quarto filho, Pedro Baby, decidir tomar seu rumo e, aos 17, partir sozinho para morar nos Estados Unidos, para tentar construir sua identidade musical por lá.
— Quando decidi ir, fui falar com minha mãe, que disse algo de que nunca me esqueci: “Que bom que você não vai precisar fugir, porque eu precisei.” Entendi ali que ela estava me abençoando — diz Pedro. — Não falava uma palavra de inglês. Mas minha mãe sempre me ensinou a lei da ação e reação. É só fazer o bem que ele volta.
Como Baby (e como o pai, Pepeu Gomes, de quem ela se separou no fim dos anos 1980), Pedro amadureceu na estrada. Hoje, aos 34 anos, guitarrista e violonista de artistas como Marisa Monte e Gal Costa, assina a direção musical do show que a mãe faz no dia 31, no Vivo Open Air, no Jockey Club, com participação de Caetano e, sugestivamente, após a exibição de “De volta para o futuro”. O menino que era levado no colo da cantora na capa do disco “Pra enlouquecer”, de 1979, agora procura levar a mãe de volta a um lugar que é o seu — como cantora que afirmou sua originalidade com os Novos Baianos na década de 1970 e emplacou hits ao longo dos anos 1980. Um lugar do qual andava afastada.
— Ela tem uma neta de 21 anos que nunca a viu cantar. Tem uma geração nova que não faz ideia de quem seja Baby do Brasil — explica Pedro, que se inspirou na experiência como músico do show “Recanto”, de Gal, que redimensionou a baiana na música brasileira contemporânea. — Um dia Gal me perguntou se eu já tinha tocado com a minha mãe. E disse: “Deve ser a maior emoção para uma mãe tocar com o filho.” Foi meio um recado, “vai tocar com a sua mãe!”. Já vinha pensando nisso há dois anos, quando Diogo (o empresário Diogo Pires Gonçalves) me sugeriu a ideia. Agora é o momento certo, e um presente para os 60 anos dela.
Sobre Lady Gaga: ‘Oro sempre por ela’
O sumiço de Baby tem a ver com sua conversão à fé evangélica, no fim dos anos 1990 — ela chegou a fundar a própria igreja, Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome do Senhor Jesus Cristo. Lançou três CDs gospel desde então, mas pouco atuou fora do nicho religioso.
— Nesse período, além do gospel, só fiz um tributo a Assis Valente e um show com Ademilde Fonseca e Elza Soares — conta, apontando indiretamente duas referências fundamentais (ela também destaca Gal como uma “influência fantástica”). — Nunca fiquei preocupada em dar prosseguimento ao sucesso. A obra está aí e vai ser avaliada. Agora está sendo delicioso ver o olhar de Pedro sobre mim. E lembrar o que fiz, ver no repertório uma lista enorme de sucessos. Construí uma carreira maravilhosa, com arranjos lindos de Pepeu. E tive uma importância grande em termos de comportamento, cantando grávida, falando do homem poder ser feminino sem deixar de ser homem (ela é coautora de “Masculino e feminino”, sucesso de Pepeu). Minha formação foi com os Novos Baianos, nosso único interesse era fazer música... e jogar bola (“Fazendo música, jogando bola” é uma canção sua e de Pepeu). Eu me acostumei a ser expressão da minha criatividade.
Sua liberdade se refletia nas roupas e nas cores do cabelo (“Ela e meu pai foram barrados na Disneylândia por causa das roupas e dos cabelos, ou seja, eles eram ousados até para os Estados Unidos, supostamente mais livres”, diz Pedro, lembrando o episódio que gerou a canção “Barrados na Disneylândia” ). Por seus adereços incomuns (espelho na testa, por exemplo), amigos chamaram a sua atenção sobre Lady Gaga:
— Disseram: “Ela faz o que você fazia lá atrás” — conta Baby. — Mas ela cai para um lado mais grotesco, pesado, que nunca foi a minha. Quando soube, procurei e vi umas imagens dela numa cama cheia de cobras... Fiquei com uma pena danada (risos). Fico preocupada com essa menina, oro sempre por ela. Sério!
A cantora não vê incompatibilidade entre sua devoção ao cristianismo e as canções feitas no período antes da conversão:
— Sempre fui muito espiritual. Quando fui para a Bahia, aos 16 anos, foi um chamado de Deus. E hoje vejo que todas as minhas canções espirituais têm relação com o cristianismo: “Telúrica”, “Sem pecado e sem juízo”. Segui vários caminhos, mas nada me agrada mais do que estar com a diretoria, com Papai. Não quero mais saber de recepcionista — diz a cantora, em ótima forma vocal. — Não bebo, não fumo, me cuido. De tudo que experimentei, a melhor onda é a do Espírito Santo.
O repertório do show do Vivo Open Air — a ideia é que seja o primeiro de uma série — contemplará as chamadas “canções espirituais” pré-gospel. Além das citadas por Baby, estará lá “Minha oração”, gravada em “Ao vivo em Montreux” (1980):
— Uma música que tira todo o ranço de caretice — diz Baby.
A canção é um dos lados B pinçados por Pedro para o show, que incluirá também sucessos, numa panorâmica da carreira da cantora. Panorâmica pessoal, nota o diretor:
— É meu olhar, o que eu gosto, o que eu tenho saudade de ouvi-la cantar. Sucessos como “Menino do Rio” (que Caetano compôs para ela), “Sem pecado e sem juízo”, “Todo dia era dia de índio”, coisas dos Novos Baianos como “Tinindo trincando”, esquecidas que vão soar como inéditas, músicas que ela nunca cantou ao vivo... Quero lembrar a compositora, trazer canções que as pessoas não sabem que são dela, como “Masculino e feminino”, que ela fez para meu pai.
A ideia de Pedro é mostrar as “diversas Babys” (a própria se define como tendo “um lado chique e outro hippie”), num roteiro repleto de memórias:
— Ela sempre foi uma grande incentivadora minha, de minhas irmãs (do trio SNZ), do meu pai. Ela me põe no palco desde os 6, 7 anos, eu ia lá fingindo que tocava. A primeira vez que toquei num palco de verdade foi em 1992, com ela, em “Menino do Rio”. E foi com o dinheiro do show que fiz com ela no carnaval de 1996 que viajei para os Estados Unidos (onde viveu entre 1996 e 2001 e entre 2003 e 2006).
Pedro quis formar uma banda que tivesse o espírito daquela que acompanhou Baby e Pepeu (“Havia um clima família, muito sorriso por trás do som feito por aquela turma que vinha dos Novos Baianos e seguiu com meus pais”, define). Chamou então um grupo de músicos (quase todos de sua geração) como o primo Betão Aguiar, os amigos de temporada em Nova York Renato Brasa e Carlos Darci (ex-Black Rio), Donatinho, Leonardo Reis, Guerrinha e Maico Lopes.
— São todos amigos de longa data, pelo menos dez anos — conta Pedro. — Muita coisa vai ficar bem próxima dos arranjos originais, que eram modernos, tinham ideias superamarradas. Mas, naturalmente, são diferentes na mão de músicos dessa geração.
A cantora — sobre quem o diretor Rafael Saar prepara o documentário “Apopcalipse segundo Baby” — não pensa nos desdobramentos do show:
— Só quero fazer meu melhor sempre, onde entrar.
Sobre a chance de um CD nascer do show, Pedro brinca:
— Só Deus sabe.

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