segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Você já está sabendo ? - Uma classe média mais negra

 

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Antes concentrados na base da pirâmide de rendimentos, os negros são 80% dos 35 milhões de pessoas que subiram socialmente, apontando para um país mais homogêneo

Flávio Costa, Mariana Brugger e Natália Martino

Há dez anos, os cariocas Edilson Martins Pinto, 41 anos, e Vera Lúcia Nascimento, 42, começaram a namorar. Ele, um designer freelancer, e ela, psicóloga formada que trabalhava como atendente de telemarketing, viviam uma vida sem luxos e dependiam da ajuda dos pais, especialmente quando resolveram se casar. Dois anos depois, nasceu Nina e a situação apertou. As famílias deram o enxoval e compraram as fraldas da criança. Em poucos anos, tudo mudou. Quando Daniel nasceu, em 2010, o casal dispensou até o chá de bebê. A família de Edilson faz parte dos 80% dos negros que ascenderam à classe média segundo a pesquisa da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, divulgada na semana passada. No total, 35 milhões de brasileiros subiram para essa faixa social na última década.

“Nós não tínhamos os luxos que temos. Já cortaram nossa luz por falta de pagamento quando nos casamos. Hoje, tenho quatro computadores, smartphone, duas televisões de LED, empregada doméstica e planejo até nossa primeira viagem internacional”, conta Edilson, que guarda dinheiro na poupança. Nina, 7 anos, estuda em uma boa escola particular e Daniel irá para a creche no ano que vem. Depois de driblar uma falência há cinco anos e montar uma empresa de design em 3D em casa mesmo, Edilson melhorou de vida e agora os vencimentos mensais da família somam R$ 4 mil, o que os deixa no topo da faixa intermediária definida pela SAE, cuja renda per capita varia de R$ 291 a R$ 1.019.

A ascensão dos negros é um dos fenômenos mais importantes da nova classe média. Agora, eles são mais da metade dos integrantes dessa faixa social que há dez anos era 38% da população e hoje chega a 53%, ou 104 milhões de pessoas. É um grupo que detém uma massa de renda de R$ 680 bilhões. Desse total, R$ 352,9 bilhões são rendimentos de negros, quase o dobro do que os R$ 158,1 bilhões verificados há uma década. “A população negra era maioria absoluta da classe D e com a diminuição da desigualdade nos últimos anos é natural que ela tenha alcançado melhoras econômicas mais substanciais”, diz Renato Meirelles, sócio-diretor do Instituto de Pesquisas Data Popular, que subsidiou a pesquisa da SAE. Ao contrário do grupo de baixa renda que apenas tenta sobreviver, quem sobe para a classe média se preocupa com o futuro, em como manter os ganhos alcançados e em ascender mais. Eles começam a ter acesso a planos de saúde e investem em educação.
Estudante de pedagogia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a jovem Stephane Santos, 20 anos, ainda lembra dos dias difíceis da família que migrou de Minas Gerais para São Paulo em busca de oportunidades. No início, o pai, Josélio, 49 anos, sustentava a mulher, Maria Margarete, 45, e os filhos trabalhando como pedreiro. Sem dinheiro para comprar móveis, um suporte e uma tábua faziam as vezes de mesa, tudo era reciclado. “Ganhávamos da igreja uma cesta básica mensal e uma bolsa em um curso de informática para mim e para minha irmã”, lembra Sthefane. A casa própria era o grande sonho da família, mas naquele momento tratava-se de um desejo quase inalcançável. Esse cenário começou a mudar quando Margarete aprendeu o ofício de bordadeira e entrou no mercado de trabalho há sete anos.


As meninas, ainda adolescentes, além de estudar, começaram a trabalhar com a mãe para complementar os rendimentos e então os sonhos começaram a se realizar. Com uma renda familiar de pouco mais de R$ 3 mil, hoje os Santos têm casa própria quitada, carro, computador, eletrodomésticos, vida cultural e viajam para Minas todo ano para ver os parentes. “Antes, só os visitávamos quando acontecia uma tragédia e eles nos enviavam dinheiro para a viagem. Agora viajamos para vê-los todo ano”, diz Stephane. João Elias, o caçula da família, 12 anos, talvez seja o maior beneficiado da bonança. “Ele não vai começar a trabalhar cedo como as meninas. Vamos investir na educação dele”, afirma, Maria Margarete.

Na década que passou, 6% da classe média ascendeu à alta. Com isso, a diversificação racial está chegando à elite, grupo do qual os baianos Rosana Paz, assessora parlamentar de 41 anos, e Nelson Oliveira, engenheiro de 43, fazem parte. Com dois carros na garagem e casa na praia, o casal prepara a viagem do filho de 14 anos à Disney nas férias. “Temos planos também de ir para Paris, que é um sonho do meu marido”, afirma Rosana, filha de uma lavadeira e de um guarda-civil que se formou em letras com a ajuda dos seis irmãos mais velhos. Diante dessas mudanças, a tendência, dizem os especialistas, é que o preconceito seja superado. “Não porque a discriminação vai diminuir, mas porque as pessoas vão perceber que se não tratarem bem esse grupo perderão uma parcela importante dos clientes para a concorrência”, afirma o antropólogo Reinaldo da Silva Soares, que defendeu uma tese de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) sobre os negros na classe média.


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Revista Isto é 

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