segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Resenhando - O Brasil do quiproquó



Antologia exibe e analisa pioneiros do humor

Livro reúne nove comédias do século 19 escritas por nomes como Machado de Assis, José de Alencar e Martins Pena

Se num grupo mais afeito ao baixo cômico alinham-se Pena e Macedo, em outra frente, de comédia de viés mais moralizante, aferram-se Alencar e Machado
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Pioneiros do humor nacional. Com "Antologia do Teatro Brasileiro (séc. XIX) - Comédia", a editora Companhia das Letras entra firme em terreno que vinha sendo ocupado, sem concorrência, pelos selos editoriais da Martins Fontes: a dramaturgia brasileira do século 19.
Em um primeiro volume da série, organizado por Alexandre Mate e Pedro Moritz Schwarcz, contempla-se o gênero da comédia. O livro reúne nove peças de sete autores, numa amostra do que de mais significativo os comediógrafos do oitocentos pátrio já produziram.
Além dos textos de Martins Pena (1815 -1848), Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), José de Alencar (1829 - 1877), Machado de Assis (1839-1908), França Júnior (1838-1890), Artur Azevedo (1855-1908) e Qorpo-Santo (1829-1883), o volume traz excelente introdução de João Roberto Faria, um dos especialistas mais autorizados no assunto em questão.
Faria é o legítimo herdeiro do saudoso crítico e ensaísta Décio de Almeida Prado nos estudos da literatura dramática do nosso país, principalmente daquela produzida pelas escolas romântica e realista, que predominaram no período enfocado.
O estudioso descreve e analisa em minúcia as peças publicadas e as contextualiza na obra de seus autores, comparando-as com o seus outros textos dramáticos relevantes. Ele também explicita a tensão entre autores que utilizaram em suas comédias expedientes populares e outros que os evitaram.
Se num grupo de comediantes mais afeitos ao baixo cômico alinham-se Pena, Macedo, França Júnior e Azevedo, em outra frente, que favorece uma comédia de viés mais moralizante, aferram-se Alencar e Machado.
Como um híbrido dessas duas tendências, Qorpo-Santo combina pulsões moralistas com recursos estilísticos da farsa e da paródia.
SÁTIRA DE COSTUMES
Assim, por exemplo, as duas peças de Pena incluídas, "O Noviço" e "Os Ciúmes de um Pedestre", são representativas da combinação de sátira de costumes com elementos farsescos que caracteriza a produção desse desbravador do cômico nacional.
O mesmo se aplica a "O Primo da Califórnia", de Macedo, e "Maldita Parentela" de França Júnior.
De outro lado, "Verso e Reverso", primeira das comédias de Alencar, exemplifica as intenções edificantes do autor, sintetizadas na proposta de com ela "fazer rir, sem fazer corar".
"Caminho da Porta", de Machado, é exemplar do modelo francês de provérbios que o inspirava, gerador do que Faria nomeia de "comicidade de linguagem".
No caso das duas peças de Qorpo-Santo, "Um Credor da Fazenda Nacional" e "O Marinheiro Escritor", ressaltam as características ambíguas do autor.
Descoberto só nos anos 1960, ele mira o realismo de Alencar, mas opera com as ferramentas de Pena. De fato, escreve para o futuro e é o que mais dialoga com o teatro contemporâneo.

ANTOLOGIA DO TEATRO BRASILEIRO (SÉCULO XIX) - COMÉDIA

ORGANIZAÇÃO Pedro Moritz Schwarcz e Alexandre Mate

EDITORA Companhia das Letras

Jornal Folha de São Paulo

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