domingo, 28 de outubro de 2012

Você já leu ? - A fertilidade do povo Africano


O LIVRO LUZES DA ÁFRICA DE HAROLDO CASTRO, CONTEMPLA UM DOS MAIS BELOS RELATOS SOBRE O CONTINENTE QUE VIU NASCER A CIVILIZAÇÃO, MOSTRANDO O LADO VITAL E POSITIVO DE SUA GENTE RICA EM TRADIÇÕES, CULTURA E FELICIDADE.

O continente africano era uma lacuna imperdoável na minha carreira de viajólogo. Sempre quis realizar a rota Cidade do Cabo/Cairo, uma viagem que cortasse a África de sul a norte. Conto no livro que a verdadeira inspiração para ir à África ocorreu quando eu estava no deserto do Gobi, na Mongólia”, afirma Haroldo que, além de viajólogo – vem de viajologia, expressão que ele cunhou para designar a ciência e a arte de viajar – exerce outras profissões (todas ligadas às viagens que empreende ao redor do mundo), como jornalista, produtor, diretor de documentários e fotógrafo (são dele as belíssimas imagens que ilustram essa matéria).
Haroldo, que estudou dois anos de economia, gosta de dizer que sua faculdade vem dessas viagens (ele já visitou 162 países), fonte permanente de conhecimento e vida. “Para qualquer viajante consciente, toda viagem tem este componente de autoconhecimento e isso sempre esteve presente na minha vida desde as viagens da década de 70. Foi por isso que criei a palavra e o conceito de ‘viajologia`, reconhecendo que a viagem é uma escola dinâmica que ensina tudo àquele que está aberto para aprender”, ensina.
Foram 675 horas ao volante, 40 mil km por 18 países do continente africano. Haroldo e seu filho Mikael num veículo Nandi, documentando e se maravilhando com tudo. Cansado dos noticiários internacionais e brasileiros que, em sua maioria, só mostram as desgraças da África, como guerras, fomes, corrupção, doenças e misérias, Haroldo já saiu do Brasil com a intenção de buscar os aspectos positivos daquele lugar, notícias que dignificassem o continente africano. E foi com essa ideia na cabeça que ele conseguiu documentar, em imagens, histórias e vivências, toda fertilidade e vitalidade do povo africano dos lugares pelos quais passou.
Problemas também surgiram durante essa fabulosa jornada, entre eles, um roubo sofrido na capital da Zâmbia. “Mas a situação de maior perigo veio de um inseto. Fui picado por um mosquito que me transmitiu malária. Como fui rapidamente tratado, o perigo durou apenas duas noites de pesadelos. A boa notícia é que o tratamento que recebi é hoje amplamente disseminado no continente e já é possível evitar a morte, se o paciente tiver acesso à medicação apropriada. Aliás, o tratamento custou apenas um real, ou seja, não existe barreira econômica para revolver este problema grave.”
Outras histórias e imagens deslumbrantes que Haroldo e seu filho colheram nessa viagem estão em Luzes da África – Pai e filho em busca da alma de um continente, lançado recentemente e editado pela Civilização Brasileira. Uma África que precisamos conhecer e propagar.

Que continente africano é esse que está surgindo depois de décadas de guerra civil e exploração?
Os problemas africanos são bem mais conhecidos que seus lados positivos. Qualquer notícia que chega do continente, para encontrar espaço na mídia, precisa relatar alguma epidemia, guerra, golpe de estado, pobreza, seca, enchente ou acidente natural. Com raras exceções, é a notícia ruim que vai emplacar. Já sai do Brasil com a intenção de buscar as notícias que dignificassem a África e os editores da revista Época e do Canal Futura estavam de acordo com a minha perspectiva. Mesmo que eu tenha enfocado quase que totalmente no aspecto positivo do continente, sou consciente de que a região tem problemas enormes. Mas tenho confiança também de que a nova África, se for cada vez mais respeitada, será capaz de encontrar soluções para seus desafios.
Além de terem sido colônias das grandes potências, os países africanos foram castigados por governos locais ditadores, corruptos e assassinos. Esse legado persiste na política do continente?
Ainda existe a mão forte do político ou líder africano. Mas uma democratização crescente também vem se alastrando. Como disse um amigo de Burkina Faso, quando eu preparava a viagem: "A África precisa abraçar, de verdade, os conceitos de democracia e de boa governança. As comunidades precisam ter o direito de escolher suas prioridades". Este amigo, Mouhamed Drabo terminou o e-mail pedindo: "Você precisa acreditar na África. Somos muito mais do que um continente de miséria."
Vários são os relatos que você colheu para o livro: histórias humanas e, algumas delas, tristes, mas percebemos que é um povo que continua celebrando a vida, a natureza e as pessoas, independentemente dos problemas. O que mais lhe surpreendeu no povo africano e qual a lição que ele nos dá?
A maior mensagem que o africano passa é a da celebração da vida, a da alegria de viver. Em situações de desafio, os africanos, em geral, possuem uma força interior que os obriga a lutar e a sobreviver. Gilberto Gil escreveu o prefácio de Luzes da África e observa que “cada vez que piso nesse continente, meu sangue vibra com as cores, notas e luzes. A África, para mim, é o próprio símbolo da força vital, o grande laboratório natural processando seres e inventando mundos, gestando no seu ventre generoso os embriões de tantas gentes e culturas.”

Qual a história que mais te surpreendeu?
Não existiu uma história que me deixou surpreendido, mas dezenas delas em todos os países que visitamos. Por isso, escrevi um livro de 572 páginas, com mais 64 ilustradas com 130 fotografias, e passar a experiência da viagem da maneira mais honesta e completa. Posso observar, entretanto, que os dois países que mais nos surpreenderam foram o Sudão e a Etiópia. Mas Tanzânia, Quênia e Namíbia não ficaram muito atrás!

O Brasil nunca deu a devida atenção à África. Nossa cultura já foi mais influenciada pela cultura deles, mas nos últimos anos estamos mais voltados para a América do Norte e Europa. Você acredita que ainda temos preconceitos em relação ao povo africano?
A mídia internacional, enfatizando as notícias negativas sobre a África, fez um grande desfavor ao continente, transmitindo ao brasileiro uma imagem de pobreza generalizada. O preconceito que os brasileiros possuem sobre um continente violento, doente e miserável vem muito destas notícias de jornalistas estrangeiros. Minha intenção ao viajar e ao escrever o livro foi reverter esta tendência, mesmo se apenas um milímetro. O brasileiro que ler meu livro e viajar de coração aberto à África não chegará com estes preconceitos.
A Assembleia de Deus, nas últimas décadas, vem fazendo uma verdadeira lavagem cerebral no povo africano, com a imposição de uma religião que abomina e discrimina as culturas africanas, principalmente em relação às divindades religiosas. O que você presenciou lá sobre isso?
As igrejas neo-evangélicas brasileiras encontraram na África um potencial humano imenso. Com uma mensagem estrategicamente desenhada para o povo africano (e bem testada na classe C, D e E, no Brasil) estas igrejas conseguiram arrebatar dezenas de milhares de seguidores, fazendo-os repudiar suas próprias tradições. Não assisti a nenhum culto de igreja evangélica brasileira em Angola ou em Moçambique, seus maiores redutos. Mas, se fosse convidado, certamente eu passaria longe, pois o preconceito religioso deles é insuportável. O terrorismo espiritual praticado contra os cultos afro-brasileiros por estas igrejas no Brasil é simplesmente inadmissível. Por outro lado, é importante sublinhar que participei de vários rituais na África: cultos tradicionais, cerimônias da igreja cristã ortodoxa na Etiópia, rituais sufis muçulmanos no Sudão e até fui a uma igreja protestante na África do Sul.
Teve algum problema com a polícia local, algum partido ou entidade nos lugares que visitou?
Fomos parados dezenas de vezes pelas polícias rodoviárias ou de fronteiras. Sempre fomos tratados com respeito — pois nós também demonstramos respeito às autoridades. Em alguns casos, distribuímos fitas de Nosso Senhor de Bonfim aos policiais, com uma maneira de difundir a cultura brasileira e aproximar nossas tradições. Tivemos que pagar uma multa apenas uma vez – e foi merecida, pois Mikael ultrapassou um veículo quando estava em uma ponte sem acostamento.

Revista Raça Brasil

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