O debate político sobre sigilo lembrou-me uma locução adverbial antiguinha e romântica que, embora ainda apareça de vem em quando na língua viva, anda injustamente esquecida: à socapa.
À socapa nasceu no século XVI e quer dizer às escondidas, sorrateiramente, de forma dissimulada ou sonsa, furtivamente, por baixo dos panos. O dado curioso é que socapa vem de "sob a capa", o que basta para torná-la uma palavra datada: além de anacrônicos super-heróis, quem usa capa hoje em dia?
A partir do início do século 20, uma série de transformações profundas chachoalhou as estruturas da antiga ordem moral, social e econômica do mundo. O epicentro da mudança foi a Europa. Nasceu uma nova visão de mundo, que a arte reverberou intensamente.
A fábrica prometia prosperidade. O automóvel acelerava a vida. As máquinas, de modo geral, assegurariam mais conforto e felicidade. O futuro havia chegado. Era tempo de se livrar de tudo aquilo que tivesse o gosto azedo de passado. As vanguardas artísticas europeias, como o Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo e o Surrealismo, chegaram em busca do novo, do genuíno, de novas abordagens e linguagens, inaugurando uma fase criativamente efervescente, baseada no princípio da experimentação. Abaixo tudo que fosse para tolher a genuína criatividade, acima de tudo que libertasse e celebrasse os novos tempos.
No Brasil, nas primeiras décadas do século 20, as coisas também já mudavam de figura: as cidades ganhavam importância. A burguesia nascente brasileira se fortalecia. As vanguardas modernistas, portanto, encontram um contexto também propício, por aqui. Os escritores Mário de Andrade e Oswald de Andrade se converteram nos principais incentivadores da busca de uma arte brasileira renovada, que assimilou as mudanças propostas no exterior, mas tivesse forma e conteúdo próprios, concectados com nossas raízes.
A Semana de Arte Moderna de 22, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro , foi o grande marco dessa nova visão e sensibilidade. Mas, afinal, o que queriam esses tais modernistas? Boa parte do público que foi conhecê-los, na Semana de 1922, não gostou de nada do que viu.
Os modernistas defendiam alguns pressupostos para a arte e para a vida. Na literatura, adotaram uma linguagem muito mais coloquial; praticaram o verso livre; elegeram novos temas poéticos, bem prosaicos, do dia a dia; valorizaram e trouxeram a cultura popular para dentro da arte tradicional, refundindo tudo; inauguraram, assim, um novo lirismo.
O nacionalismo também foi importante para os modernistas. Recuperaram, por exemplo, a linha indianista inciada com o Romantismo, mas dela subtraem toda idealização. Querem uma volta radical a certas raízes, de que a antropofagia de Oswald de Andrade foi o melhor exemplo. Absorver o que vem de fora, sim, mas , em seguida, misturá-la com nossas raízes e digeri-la bem, resultando uma arte nacional, a exemplo do que fizeram os índios com o bispo Sardinha - fato transformado em alegoria por Oswald, no Manifesto Antropófago, em 1928.
Mário de Andrade também abordou o conceito de nacionalismo em sua obra mais famosa, Macunaíma, o Herói sem nenhum caráter.
Lima Barreto não aceitou a condição que a sociedade lhe reservava
Afonso Henriques de Lima Barreto ( 1881 - 1922 ) era mulato, em um país recém - saído de um regime escravocrata. A vida toda lutou contra os preconceitos. Jamais se curvou diante dos poderosos da época, e retratou-os todos com larga e ferina ironia.
Sua obra mais festejada é Triste Fim de Policarpo Quaresma, publicada, incialmente, no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro , como um romance de folhetim, em 1911. Cinco anos mais tarde, em 1916, o trabalho viraria livro. Porém Lima Barreto é também autor de muitas outras obras, além de ter escrito regularmente como articulista para a imprensa carioca, no decorrer das primeiras duas décadas do século 20.
Escreveu os romances Clara dos Anjos, Recordações do Escrivão Isaías Caminha e Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá, além de contos que ganharam notoriedade como O homem que sabia javanês e Dentes Negros, Cabelos Azuis. Neste último, aliás, Lima Barreto faz análise aguda de sua posição na sociedade, na alegoria da posição do homem independente no mundo. Pelas palavras de Gabriel, a personagem que tem mesmo dentes negros e cabelos azuis, o homem independente viveria numa corda bamba, equilibrando-se. Era o próprio Lima Barreto equilibrista, que não podia aceitar o carreirismo de seus pares, o individualismo de suas ações, a vacuidade de suas propostas, mas precisava viver.
Policarpo Quaresma, o protagonista de sua obra mais famosa, é um árduo nacionalista.Sonha com uma nação que de fato integre em uma nova civilização todos os seus costumes e gentes igualmente, sem distinção. Esse projeto de brasilidade, de formação da identidade nacional, inclui o exame das potencialidades do Brasil, o reconhecimento, a valorização e a incorporação por todos dos traços considerados pela personagem como os mais distintivos de nossa pátria, como a modinha, considerada por Policarpo Quaresma a principal expressão cultural brasileira, e o tupi-guarani, em sua ferrenha defesa para que fosse adotado como a língua oficial do país.
Policarpo é o Dom Quixote brasileiro, naquilo que a personagem de Miguel de Cervantes expressava de mais tenaz e obstinado em suas atitudes e de mais ingênuo e desprovido de fundamentos em sua considerações. A visão apaixonada do Brasil impede que ele enxergue, assim como o Quixote de Cervantes, as grandes mazelas da nação.
Há um descompasso entre o que acredita que seja e o que de fato é. Será do choque dessa visão ingênua e, a seguir, de sua ação também em nome de representantes da pátria que decorrerá seu fim. " A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete", reconhece o autor - narrador sobre o Policarpo, ao fim do livro, preso e condenado à morte por quem defendera e lutara.
As linhas traçadas por Lima Barreto portavam a crítica áspera, irônica e contumaz aos hábitos e haveres da Velha República do Brasil, rompendo decididamente com o nacionalismo de então, que era usado como verniz para encobrir a hipocrisia da privilegiada aristocracia da capital federal de então.
Obá tornou-se a terceira mulher de Xangô, pois ela era forte e corajosa. A primeira mulher de Xangô foi Oiá-Iansã, que era bela e fascinante.A segunda foi Oxum, que era coquete e vaidosa.
Uma rivalidade logo se estabeleceu entre Obá e Oxum. Ambas disputavam a preferência do amor de Xangô. Obá sempre procurava aprender o segredo das receitas utilizadas por Oxum quando esta preparava as refeições de Xangô.
Oxum irritada, decidiu preparar-lhe uma armadilha. Convidou Obá a vir, um dia de manhã, assistir à preparação de um prato que, segundo ela, agradava infinitamente a Xangô.
Obá chegou na hora combinada e encontrou Oxum com um lenço amarrado à cabeça, escondendo as orelhas.Ela preparava uma sopa para Xangô onde dois cogumelos flutuavam na superfície do caldo. Oxum convenceu Obá que se tratava de suas orelhas, que ela cozinhava, desta forma, para preparar o prato favorito de Xangô.
Este logo chegou, vaidoso e altivo. Engoliu, ruidosamente e com deleite, a sopa de cogumelos egalante e apressado, retirou-se com Oxum para o quarto.
Na semana seguinte, foi a vez de Obá cuidar de Xangô. Ela decidiu pôr em prática a receita maravilhosa. Xangô não sentiu nenhum prazer ao ver que Obá cortara uma das orelhas. Ele achou repugnante o prato que ela preparara.
Neste momento, Oxum chegou e retirou o lenço, mostrando à sua rival que suas orelhas não haviam sido cortadas, nem comidas.
Furiosa, Obá precipitou-se sobre Oxum com impetuosidade.Uma verdadeira luta se seguiu.Enraivecido, Xangô trovejou sua fúria. Oxum e Obá, apavoradas, fugiram e transformaram-se em rios.
Até hoje, as águas destes rios são tumultuadas e agitadas no lugar de sua confluência, em lembrança da briga que opôs Oxum e Obá pelo amor de Xangô.
Obaluaiê tinha o rosto muito deformado e a pele cheia de cicatrizes. Por isso, vivia sempre isolado, se escondendo de todos.
Certo dia, houve uma festa de que todos os Orixás participavam, mas Ogum percebeu que o irmão não tinha vindo dançar.
Quando lhe disseram que ele tinha vergonha de seu aspecto, Ogum foi ao mato, colheu palha e fez uma capa com que Obaluaiê se cobriu da cabeça aos pés, tendo então coragem de se aproximar dos outros. Mas ainda não dançava, pois tinha medo que todos tivessem nojo de tocá-lo.
Apenas Iansã teve coragem; quando dançaram, a ventania levantou a palha e todos viram um rapaz bonito e sadio;e Oxum ficou morrendo de inveja da irmã.
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Quando Obaluaiê ficou rapaz, resolveu correr mundo para ganhar a vida. Partiu vestido com simplicidade e começou a procurar trabalho, mas nada conseguiu. Logo começou a passar fome, mas nem uma esmola lhe deram.
Saindo da cidade, embrenhou-se na mata, onde se alimentava de ervas e caça, tendo por companhia um cão e as serpentes da terra. Ficou muito doente. Por fim, quando achava que ia morrer, Zambi curou as feridas que cobriam seu corpo.
Agradecido, ele se dedicou à tarefa de viajar pelas aldeias para curar os enfermos e vencer as epidemias que castigaram todos que lhe negaram auxílio e abrigo.
Cyrano de Bergerac - Na Paris de 1897 a estreia da peça terminou em ovação: o elenco teve que voltar ao palco quarenta vezes para aplacar as palmas. Depois de pouco mais de um século, e muitas outras adaptações para teatro, cinema e TV, a comédia heróica de Edmond Rostand - 1868 - 1918 - não perdeu o viço. Um dos méritos da versão em cartaz no CCBB é a tradução fluente de Marcos Dand, que adaptou os diálogos para a linguagem coloquial. A célebre cena do balcão, em que Cyrano, escondido, assopra as belas falas usadas por Christian para galanterar Roxanne, ganhou realce extra com a preservação do texto com pares de frases rimadas, como nos versos alexandrinos do original. Bruce Gomlevsky, à frente do elenco de quinze atores, vive o poeta e o espadachim, cadete da Companhia Militar de Gasconha, que, por vergonha de seu narigão monumental, nao ousa declarar seu amor pela prima Roxane ( Julia Carrera ). Resta-lhe, portanto, o conforto de ajudar o belo soltado Christian de Neuvillete ( Sérgio Guizé ) na empreitada de conquistá-la. Entre um momento romântico e outro, bem ensaiadas cenas de esgrima contribuem para agilizar a ação.
Crítica da Veja Rio ( Veja Rio Recomenda ) - 22/ junho - 2011.
Além do espetáculo acima, conhecer o acervo do Museu de Belas Artes e adentrar pela Exposição Permanente do Machadão , na ABL são as atraçoes da excursão do próximo dia 30/06/11 do Oitavo ano do Colégio Ativo.
As discussões sobre o novo Código Florestal opõem ambientalistas e produtores rurais
Um dos grandes debates no Brasil atualmente diz respeito ao equilíbrio entre a expãnsão da agropecuária e a preservação do meio ambiente. A agricultura e a criação de animais são dois dos principais pilares da economia brasileira, responsáveis por cerca de 15% de tudo o que o país vende ao exterior. Porém, a ampliação dessas atividades implica o avanço de lavouras e pastagens para regiões onde prevalecem florestas nativas.
Desde 1934, o país conta com um Código Florestal para tentar preservar as áreas mais sensíveis da vegetação brasileira. Após diversas adaptações no decorrer desses anos, essas regras de proteção ao meio ambiente passaram a ser fortemente questionadas pelos fazendeiros. Hoje, a maioria dos 5,3 milhões de produtores rurais do país vem descumprindo sistematicamente as regras estabelecidas pelo Código Florestal. Eles veem no código uma barreira para amplias as áreas de cultivo sem infringir a lei.
A discussão do tema chegou ao Congresso Nacional em 2010. Em julho, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de reforma do Código Florestal, que deve ser votada em plenário em 2011. A reforma, que visa a flexibilizar as atuais regras, vem sofrendo duras críticas de ambientalistas. Uma das propostas do novo Código Florestal, por exemplo, reduz de 30 para apenas 15 metros de extensão a área de proteção mínima das margens dos rios, regiões de encosta e topos de morros - conhecidas como áreas de preservação permanente (APP). Outro ponto polêmico é que pequenas propriedades, que representam 90% dos imóveis rurais, não são mais obrigadas a manter pelo menos 20% da vegetal nativa, a reserva legal.
A reforma do Código Florestal vai ocupar boa parte da agenda do Congresso Nacional em 2011, em discussões fundamentais para não só estabelecer o modelo de desenvolvimento para o país nos próximos anos, como para definir o futuro de nossas florestas.
Revista Geografia & Vestibular 2012 - Editora Abril - Edição 4 - Maio de 2011
Atividade proposta para o Nono ano / Ativo / 2011 - Ler a reportagem em anexo e produzir um texto argumentativo, manuscrito, com minimo de 35 e máximo de 40 linhas posicionando - se a respeito da mesma. Data de entrega: 08/07/11
Reunir Monteiro Lobato e Hans Christian Andersen foi a grande meta de Cartas na Manga - título recentemente lançado pela Giz Editorial. A ideia surgiu em um congresso de literatura. Um dos palestrantes, discorrendo sobre os possíveis vínculos entre a produção de Lobato e a de Andersen, lamentou o fato de os dois escritores jamais terem se conhecido. Era o que bastava para a construção de um instigante romance que os abordasse como protagonistas.
Em Cartas na Manga, Monteiro Lobato é um aspirante a escritor que almeja o sucesso no incipiente mercado livreiro que se configura no início do século XX. Para tanto, escreve uma longa correspondência endereçada a H. C. Andersen, solicitando "dicas" de como redigir para crianças. A partir daí, edifica-se, entre uma carta e outra, a incrível saga da dupla de autores. Lobato se torna o famoso criador da série O Sítio do Picapau Amarelo e, ao lado de Emília, atravessa o Brasil movido pelo anseio de vender sua vasta obra. Andersen, enquanto isso, deixa a Escandinávia e se muda para o Rio de Janeiro, ansioso para abandonar a solidão e deslanchar um promissor casamento. Ambos, então, se metem em uma fantástica aventura marcada por lutas, conquistas e desafios.
Nesse sinuoso caminho, fazem amigos e inimigos. Enfrentam Lampião e seu bando. Embarcam no veículo de Sassá Mutema. Enveredam pela tribo de Macunaíma. Acompanham as estripulias de Dom Quixote. Contribuem para o divórcio de Romeu e Julieta. São censurados pela veemência da ditadura. Lançam-se em um universo tipicamente brasileiro, povoado por sacis, sereias e bruxas e projetado mediante a intertextualidade, a paródia e a carnavalização. Afora isso, o país, pleno de culturas diversas e paisagens múltiplas, é representado com a proporção de um intrincado labirinto. Nele, nossos heróis são arrastados (ao sabor do acaso e das circunstâncias) a prostíbulos, bares, cárceres, guetos, praias, festas, casamentos, igrejas alternativas e paradas contra a homofobia.
Na odisseia bibliográfica que se ergue a cada página, as figuras femininas ganham força e se mostram implacáveis, astuciosas e determinadas. Emília, a ilustre e desbocada boneca de pano, impõe-se como a grande estrela do romance. D. Purezinha, esposa atenta e fiel de Lobato, dirige o fusca cor-de-rosa repleto de livros que seriam vendidos pelos municípios afora. Dra. Maria Célia, despojada terapeuta de Andersen, foge do império nazista, envolve-se com Che Guevara e tenta seduzir o terrível líder da Al Qaeda ao som de "Conga la conga". Nesse sentido, embora tenhamos uma história contada por dois narradores masculinos, são as mulheres que enredam as nuances da trama.
E, por falar na categoria narrador, é pertinente lembrar como Lobato e Andersen constroem seus respectivos relatos. O primeiro, recuperando a imagem do Jeca Tatu, narra suas aventuras e desventuras por meio de uma linguagem que, rompendo com as rígidas regras da gramática normativa, reporta o leitor ao homem do campo. O segundo, um dinamarquês tentando se comunicar em português, intercala em seu discurso frequentes expressões ora em danês, ora em inglês.
A cada carta, os narradores em questão entremostram e desconstroem a própria identidade ao leitor, iniciando um jogo autobiográfico repleto de verdades e mentiras. Lobato, assim, revela-se austero, inquieto e de humor inconstante. Declara-se adepto do chá de camomila, do time do Palmeiras e do sonho de transformação do país por intermédio do livro. Andersen, em contrapartida, é sarcástico, hilário e excêntrico. Vive uma relação hostil com os irmãos Grimm, acusando-os constantemente de terem manipulado Branca de Neve, Cinderela e Chapeuzinho Vermelho, convencendo-as a jamais participarem de sua literatura. Não obstante, define-se como um apaixonado incorrigível, um corintiano convicto, um homem destituído de preconceito ou malícia.
Não tive, portanto, a intenção de montar "retratos" precisos dos emblemáticos autores, mas caricaturas, formas livres de expressão - o que me permitiria maior abertura para lapidá-los durante as cento e tantas páginas que compõem a obra.
Finalizando, convém ainda reiterar que foi bastante agradável estar ao lado de cada um deles nos três anos de dedicação, delineamento e reformulação do romance. Foi um tempo de intensa leitura, viagens e pesquisas em diversos acervos. Um período de levantamento da fortuna crítica e análise de suas inúmeras publicações. Eu estava no terreno da ficção, mas jamais poderia ignorar elementos da realidade da dupla de artistas. Trabalharia, portanto, intercalando os dados da mitologia construída em torno dos literatos a fatos históricos narrados pelos teóricos de ponta. E faria isso à luz dos estudos de Edgard Cavalheiro, Leonardo Arroyo e Cassiano Nunes.
Cartas na Manga, enfim, encontra-se disponível no mercado editorial. É um livro que fala de livros, uma história que fala de histórias. Um texto que propõe debater o que é literatura, sua função e, sobretudo, sua importância para o homem. Uma narrativa que sugere como grandes escritores conseguem permanecer no tempo, fascinando contínuas gerações de crianças, jovens e (por que não?) adultos.
Aclamado desde a publicação da primeira das três partes que o compõe, o clássico da poesia lírica marília de dirceu foi um importante marco da escola árcade brasileira. Sua jornada, da confecção ao lançamento, está intrinsecamente relacionada à biografia de seu próprio autor
Aos 44 anos, tudo ia bem para o mais popular dos poetas árcades mineiros, Tomás Antônio Gonzaga (1744 - 1810). Afinal, ele podia se regozijar de sua estabilidade financeira, de seu prestigio social, de sua realização profissional e, acima de tudo, de sua paixão, em vias de fato, por uma bela jovem de 20 anos, Maria Doroteia Joaquina de Seixas - a musa inspiradora de suas poesias. As circunstâncias pareciam levar Gonzaga à constituição de uma típica família burguesa. Isto se não fosse a delação, por parte de um certo coronel Joaquim Silvério dos Reis, acusando-o ao governo de Vila Rica (Minas Gerais) de liderar um grupo de conspiradores que tinham por objetivo sublevar-se contra Portugal, a quem o Brasil respondia, na época.
A denúncia de Silvério dos Reis pôs fim à pretensa saga épica dos inconfidentes mineiros. Também resultou na prisão de Tomás Antônio, em 21 de maio de 1789, e na condenação dos demais rebeldes, os amigos poetas Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto, além de um velho conhecido de todos os brasileiros, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes - hoje reconhecido institucionalmente como herói nacional. O incidente pôs uma impiedosa "pá de cal" na próspera vida de Gonzaga, além de separá-lo bruscamente de seu grande amor, Maria Doroteia, a quem vinha dedicando um conjunto de poesias. Nada, entretanto, foi páreo para que o poeta abandonasse a confecção da obra dedicada à amada, que viria a ser publicada em partes nos anos subsequentes: Marília de Dirceu
POLÍTICA E POESIA
Natural de Porto, Portugal, Tomás Antônio partiu para o Brasil com apenas 8 anos, junto com o pai. Aqui, residiu na Bahia. Em 1761, retornou a Portugal, desta feita a Coimbra, onde estudou Direito. Foi nesta paragem que Gonzaga conheceu aquele que viria a ser um de seus grandes amigos, o brasileiro Alvarenga Peixoto, igualmente poeta árcade.
Sua volta ao Brasil deu-se em 1782, e ocorreu em grande estilo, sendo nomeado para ocupar o importante cargo de ouvidor-geral de Vila Rica. Também teve a fortuna de reencontrar o grande amigo Alvarenga Peixoto e conhecer o literato Cláudio Manuel da Costa, bardo já maduro e com estilo definido, cuja convivência contribuiu para a formação do poeta.
Contudo, o grande momento de arrebatamento deu-se quando o árcade conheceu uma jovem de apenas 16 anos, Maria Doroteia, com a qual cultivou uma dedicada relação amorosa. A ela Gonzaga atribuiu um pseudônimo literário, Marília, dando fruto a um livro de poemas que veio a se tornar uma das mais importantes obras árcades do século XVIII, sob o título Marília de Dirceu.
Em 1786, Tomás Antonio Gonzaga foi elevado a desembargador da relação, cargo que deveria exercer na capital da colônia, Salvador. Não chegou, todavia, a transferir-se. A sorte do poeta abandonou-o antes que ele partisse para a Bahia.
A essa altura, o governo local passara para as mãos do visconde de Barbacena, que causou calafrios entre os mineiros ao emplacar a atemorizante "derrama", política radical de cobrança de impostos atrasados. Essa medida, somada aos artifícios despóticos praticados desde o governo anterior, foi corolário que motivou um pequeno grupo a articular uma insurreição. Tomás, grande amigo de parte dos insurgentes, embora simpatizasse com a causa, evitou o comprometimento com a inconfidência.
Havia o infortúnio da amizade, nutrida por Gonzaga, com o governador. Amizade que, todavia, não se estendia a Joaquim Silvério dos Reis, inimigo do poeta desde os tempos em que este escrevera as famosas Cartas Chilenas, missivas anônimas e satíricas em que o poeta destilava críticas aos gerenciadores despóticos da comarca e seus agregados.
A inimizade custou caro ao autor de Marília de Dirceu, que fora caluniado e apontado como líder do movimento que, apesar das intenções nutridas, era extremamente frágil. A delação culminou com a prisão de Gonzaga no Rio de Janeiro e um posterior degredo de dez anos em Moçambique, o que o afastou de vez de sua "pastora" Marília.
Apesar da reviravolta negativa na vida do poeta árcade, acarretando sofrimento e novas provações, Tomás, ao contrário do que se possa pensar, reconstruiu a sua biografia no exílio. No início da última década do século XVIII, quando chegou a Moçambique, atuou, a princípio, no comércio e na advocacia. Em 1806 retornou ao funcionalismo oficial, como procurador da coroa e da fazenda, chegando, mais tarde, a ocupar o cargo de juiz da alfândega. Casou-se com Juliana Mascarenhas, uma próspera herdeira - embora tenha jurado amor a Maria Doroteia, personificada na pastora Marília, protagonista de sua obra- prima.
Gonzaga contou ainda com a generosa simpatia dos anfitriões, que o admiravam por suas habilidades literárias - a primeira parte de Marília de Dirceu, publicada em 1792, fora um sucesso - e pelo ar mítico de defensor perseguido da república. Ao morrer, em 1810, deixou uma filha e uma imagem lendária de amante revolucionário. Escrita sobre forte influência dos preceitos estéticos e temáticos árcades amplamente vigentes na literatura e em moda na ocasião, Marília de Dirceu obteve grande notoriedade na época. Em 1810, uma extensão pirata da obra foi editada. Somente em 1812, dois anos após a morte do autor, a terceira (e última) parte legítima da lírica foi publicada. Foram feitas traduções do texto para o francês e para o italiano em 1825 e 1844, respectivamente, contribuindo para ampliar a lenda em torno de Tomás Antônio.
AS TEMÁTICAS DE MARÍLIA EM SALA DE AULA
As liras de Marília de Dirceu contam história de amor do pastor Dirceu pela pastora Marília e o desejo deste de viver com sua amada em um lugar bucólico, perto da natureza. Nos dias atuais, é um desafio para o professor prender a leitura dos jovens para essa temática, pois falar de amor é algo muito delicado e complexo, gerador de discussões, especialmente quando se trata de um sentimento idealizado e a distância, como era o das personagens do livro.
Atualmente, os costumes são bem diferentes. Por tudo acontecer de modo muito rápido, as etapas como conquista, fidelidade e, sobretudo, planos para um futuro estão cada vez mais fora de moda. Mas será que esses valores estão mesmo em desuso? Ou as pessoas os utilizam para se adequar ao que a sociedade diz que é correto? O que está na moda? Diante de questões tão polêmicas, o professor pode explorar a opinião dos jovens, por meio de debates. Fazer uma discussão coletiva sobre o que envolve os sentimentos hoje, quais as vantagens e desvantagens de um envolvimento mais rápido, e quais seus reais desejos para um relacionamento amoroso e se há alguma proximidade entre o relacionamento pretendido e o amor de Dirceu por sua Marília. Outra sugestão é que os alunos leiam algumas liras sobre os planos que o pastor Dirceu fazia para se casar com Marília e que cada um faça uma paródia com suas expectativas individuais para um relacionamento futuro. Na Lira I, parte 1, Dirceu fala que é um vaqueiro e que já possui estrutura para se casar com sua amada. Outra proposta é de que cada aluno faça seu pequeno currículo, nos moldes do de Dirceu, sobre o que pretende fazer futuramente e o que proporcionaria para a pessoa que resolvesse escolher para se casar. Nesse trabalho podem surgir respostas bem interessantes, como os anseios que cada um possui para o futuro, o que gostaria de construir e quais sãos seus sonhos.
Um dos aspectos constantemente abordados na temática árcade é o fugere urbem (fuga da cidade). Hoje, apesar de todas as vantagens que a modernidade proporciona à sociedade, muitas pessoas estão na contramão dos avanços e buscam fugir do tumulto da cidade, procurando viver em um lugar sossegado. No século XVIII, os autores árcades já desejavam uma vida mais simples, bucólica e pastoril. O professor pode tentar enaltecer a busca por uma vida tranquila, longe da violência e dos conflitos urbanos. Para tanto, pode se fazer uma discussão sobre o tema e quais as experiências boas e ruins de viver numa grande cidade, os riscos diários e os incômodos eternos que as pessoas têm que conviver. O docente pode, nesse momento, invocar as vantagens de uma vida mais simples, longe das inquietações das pessoas e do caos das metrópoles. Uma dica é usar músicas que falem sobre o desejo de "fugir" da cidade, como na canção "Casa no Campo", de Zé Rodrix e Tavito, e a música "Casinha Branca", de Gilson e Joran, que sugere uma vida apegada ao espaço natural.
Marília era uma mulher letrada e não assumia um papel submisso na sociedade. Possuía, portanto, um perfil diferente do que se esperava para as mulheres da época. A partir desse mote, o professor pode levantar discussões como: qual o papel que a mulher exerce na sociedade hoje? Quais as mulheres de vanguarda do nosso país e o que elas fizeram para estarem à frente de seu tempo?
Falar de amor é algo muito delicado e complexo, gerador de discussões, especialmente quando se trata de um sentimento idealizado e a distância
A obra de Tomás Antônio Gonzaga está povoada de entidades da mitologia clássica. Esse tema sugere a motivação de estudar as figuras mitológicas da Grécia e o que representa cada uma delas. Essa pode ser a primeira experiência dos alunos com os deuses gregos, por isso é ser importante a exibição de gravuras que ilustrem tais seres em suas representações físicas.
Outro aspecto a ser abordado é o fato de todo o poema ter sido escrito sobre a óptica do eu-lírico do pastor Dirceu. Em nenhum momento Marília se manifesta, a não ser nos pensamentos e representações que o poeta dá a ela. O professor pode propor uma inversão de papéis, delegando aos alunos o ofício de recontar a estória: de como a pastora responderia a tão apaixonados apelos e se esta aceitaria casar-se com Dirceu.
Cristiane Valéria Graton é especialista em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Contato: catuane@hotmail.com