sexta-feira, 20 de abril de 2012

Crônica do Dia - O Ciúme é inútil - Walcyr Carrasco



Não tenha ciúme dos amigos solteiros de seu marido. Deixe-o acampar com eles num fim de semana, se for sua vontade. Ele vai voltar renovado e cheio de saudades de casa.” O conselho vem do livro Don’ts for wives, de Blanche Ebbut, lançado em 1913 e traduzido com o título O que as esposas NÃO devem fazer. A ideia pode ser adaptada. Que tal permitir que seu marido “acampe” com amigos no Carnaval? Nesse caso, dou meu próprio conselho. Não ligue a televisão. Tudo o que pode dar errado dá errado, diz a Lei de Murphy. Um amigo deixou a noiva isolar-se num retiro religioso para evitar a folia. Até se vangloriou:
– Vou aproveitar enquanto ela reza!
Esbaldar-se, para ele, era reunir uns camaradas e tomar cerveja na frente da televisão. Ligou num baile. Lá estava a “piedosa”, seminua, sambando no Carnaval carioca. Essa história é recorrente. Sei de várias versões, todas verdadeiras. Como a do pai de um rapazinho nerd que foi “viajar para a praia”. E que apareceu de baiana num bloco da Bahia. Foi a mais estrondosa saída do armário de que tenho notícia.
Ciúme não combina com Carnaval nem com qualquer outra data. Simplesmente porque é inútil. Quem quer cometer uma infidelidade faz isso, não importa a data. Embora baladas, Carnaval e – ai, meu Deus – acampamentos sejam bem propícios. Relaxe, se conseguir. Todo casal precisa de “férias” de vez em quando. Passar uns dias separados pode fazer bem para o casamento, como diz o livro. Apesar dos riscos. Permitir que o marido saia com amigos e tenha bons momentos de camaradagem masculina é parte da sabedoria feminina. A mulher sábia não torna o escândalo uma rotina. Boa parte dos homens sente obrigação de flertar diante de uma mulher ultradecotada, por exemplo. Mesmo que o desejo sexual esteja distante. E que ele vá correr como um coelho assustado se a bonitona perguntar:
– Meu apartamento, o seu ou motel?
A sábia não aproveita o lance para brigar, porque isso soará como vitória do ponto de vista masculino. Aguarda a próxima oportunidade de deixá-lo em chamas, seja na compra de uma bolsa Louis Vuitton ou ao marcar sua própria viagem de negócios. Da mesma maneira, cabe ao homem saber que, em certas ocasiões, a mulher gosta de provar quão fascinante ela é. Tenho vários amigos que namoram ou são casados com rainhas de bateria. Imaginem a sensação de assistir a sua mulher desfilar seminua diante de milhares de pessoas e televisores de todo o país? São homens sábios, que aprenderam a domar o ciúme.
Admito. Permitir que seu amor passe os dias de folia longe de seus olhos é de doer. Mesmo porque, dali a pouco, você pode descobrir que o celular está fora de área. Pode ligar para a casa da pessoa onde a criatura se hospedou e ouvir:
– Ah, não acordou ainda.
– Ih, saiu.
– Vai passar a noite entregando quentinhas para carnavalescos desabrigados.
Pense o melhor, se puder.
Se serve de consolo, pense o pior. Amores de Carnaval acontecem. Muitos nem acontecem exatamente, mas as pessoas pensam que sim, só porque ficaram de porre juntas. Raramente algum dura. O mesmo acontece com paixões que surgem em viagens rápidas ou até na festa de casamento de um primo distante, à qual você não pôde comparecer. Esses amores vêm e vão. Dá a impressão de que, nessas situações, as pessoas não são exatamente elas mesmas, mas alguém que gostariam de ser. O tímido se torna audacioso ao sambar diante da mulata exuberante. O viajante conhece a moça na praia e age como um grande executivo. Ela acredita. Dias depois, volta para casa e a trabalhar para pagar as prestações do carro.
Não faço apologia da infidelidade. Só acho que o ciúme não faz bem. Destrói uma relação, porque fermenta com o tempo e se torna obsessivo. O conselho de 1913 continua sábio quase 100 anos depois – não mudamos tanto quanto se pensa. Melhor deixar o marido fugir um fim de semana com os amigos, para que o casamento não se assemelhe a uma prisão.
Também é preciso estar de olho nos sinais de alerta. Chega o momento em que não é o caso de infernizar o outro com crises de ciúme. Mas de lutar pela relação.
Curiosamente, o livro tem duas capas. Na segunda, o título é O que os maridos NÃO devem fazer. E dá um conselho que é, sim, um sinal de alerta: “Não tenha a ilusão de que sua mulher nunca vai se interessar por outro homem. Por mais que ela goste de você, é possível enjoar mesmo de uma coisa boa”. Bem... Eu acho que esse vale para os dois sexos!

Walcyr Carrasco
Revista Época

2 comentários:

  1. Nossa, que balde de água fria nos possessivos... rs.
    Apesar de ser bem racional, não concordo plenamente. Um relacionamento só é um relacionamento porque o casal está disposto a fazer a convivência durar. Não importa que seja em momentos bons, crises, ou até saturação pelo marido ou pela esposa. Nada é feito para durar eternamente, mas um relacionamento sim... ou pelo menos, deveria... O fato é que as pessoas mudam com o tempo e almejam a liberdade. O problema é quando esse desejo invade campos onde não convém...

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  2. Meu ex-namorado terminou comigo por ciumes. Ele tinha ciumes até do tempo que eu dispendia com os estudos. Acho que vou comprar esse livro e mandar via sedex no aniversário dele.

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