segunda-feira, 23 de abril de 2012

É bom você saber - Como é lido o ENEM



A uma remuneração de 1,60 real por texto e gastando em média três minutos e meio por redação, 3 mil corretores contratados pelo MEC foram responsáveis, em 2011, pelas notas dos candidatos ao Enem daquele ano, edição que foi alvo de 71 questionamentos judiciais. Em um dos episódios mais ruidosos, Michael Cerqueira de Oliveira, de São Paulo, conseguiu que a nota, que havia sido anulada, fosse revista para 880. Em meio a tudo isso, o MEC admitiu ter alterado 129 notas por “erro material”.
No caso de Michael, um dos corretores deu nota zero para o texto alegando fuga do tema. O segundo e o terceiro avaliadores deram 880, mas a nota final continuou zero. A mudança só foi feita depois que o resultado foi contestado na Justiça. Esse foi apenas um capítulo da batalha judicial que aconteceu no começo deste ano e foi marcada por uma série de liminares que permitiam ou proibiam a divulgação da folha de redação corrigida.  Apesar de pequenos diante dos  milhões de provas de toda a edição, os casos lançaram questionamentos sobre o processo de correção da redação do Enem.
Se para alguns pode parecer curto, os três a quatro minutos que cada corretor leva para avaliar cinco competências no texto são endossados por Luiz Mario Couto, coordenador de provas práticas do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), órgão contratado pelo Inep para a elaboração e correção das redações. Para ele, “as pessoas que corrigem são muito experientes, uma manhã é suficiente para corrigir as redações”. Os profissionais têm de ser formados em Letras e ter ao menos o mestrado.
Todo o processo de correção é digitalizado, exceto pela dissertação, que segue para os avaliadores. Cada um recebe um pacote de cem textos por dia, mas pode solicitar um segundo pacote, somando 200 redações diárias. Há dez anos, tudo acontecia em condições diferentes. Em 2002, por exemplo, ele foi conduzido por 600 profissionais que liam cem redações em oito horas e recebiam remuneração fixa. Porém, as mudanças, que tornaram a correção descentralizada e remota desde 2006, diminuíram custos e elevaram a qualidade, afirma Couto. “Agora temos novas ferramentas que permitem o monitoramento em tempo real do trabalho e a avaliação dos corretores.”
Assim, todos os textos passam por ao menos dois corretores independentes. A média entre as notas dos dois será a final, que pode variar entre zero e mil pontos. Caso haja uma diferença maior do que 300 pontos entre elas, entra em ação um terceiro corretor, chamado de “supervisor”. Ao fim do trabalho, os corretores recebem por volta de 5 mil reais por 3 mil redações corrigidas.

Não é questão de gosto
Seja a correção remota, seja presencial, é a uniformização dos critérios o principal desafio em avaliações de grande porte como o Enem. “A grande questão é dispor de parâmetros simples e muito objetivos e fazer com que as pessoas os apliquem no lugar de preferências pessoais”, explica a doutora em Educação pela USP, Zuleika de Felice Murrie, que também possui experiência como corretora e coordenadora do Enem. Segundo Couto, os critérios são definidos pelo Inep e os corretores são avaliados constantemente durante o processo. “Cuidamos para que sejam seguidos e haja uniformidade.”
A formação oferecida, todavia, não agrada a todos os aplicantes. No caso de Rafael Pinna, que participou da correção das redações do Enem em 2009, o treinamento insuficiente e a baixa remuneração foram os principais pontos críticos. Além disso, o professor conta que, no seu caso, não houve processo seletivo. “Fui indicado por um colega e participei de um treinamento, feito no prédio da UFRJ, durante cinco horas”, conta ele, que hoje é coordenador de redação do Colégio e Curso De A a Z e do Pré-Vestibular Social do Cederj, ambos no Rio de Janeiro.
“O problema não é o formato, mas a quantidade. Um dia é insuficiente para uma padronização mínima entre critérios dos corretores”, opina. O professor também critica o pouco tempo disponível para cada correção. “A expectativa é de que se corrijam entre 100 e 150 redações por dia. Se demoro cinco minutos em casa, são dez horas de trabalho.”
Participante da banca de correção de quatro edições do Enem (2007, 2008, 2010 e 2011), Nilson Pereira Machado conta que levava dez minutos para avaliar cada dissertação e que corrigia cerca de 80 por dia. “Variava conforme a legibilidade, mas acho que lia no tempo adequado.” Para o trabalho, o professor de Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco recebeu treinamentos que duraram oito horas. Por sua assessoria de imprensa, o Cespe informou que os supervisores recebem treinamento presencial de seis equipes em seis estados por um dia. “Após esse encontro, os supervisores repassam para os corretores as orientações recebidas durante o treinamento.”
Machado também destaca que os profissionais que avaliavam as redações eram monitorados – e que havia tempos mínimo e máximo para a correção de uma prova. “Se ocorre essa pressa, o corretor pode ser mal avaliado e até desligado do processo”, conta.

Revista Carta Capital

Nenhum comentário:

Postar um comentário