segunda-feira, 2 de abril de 2012

Te Contei, não ? - Faces da Ditadura





“Os militares”, afirma a historiadora francesa Maud Chirio, são uma categoria tão vaga quanto “os civis”. Quando se fala em ditadura nos anos 1960 e 70 no Brasil, no entanto, a homogeneização permite, segundo ela, que culpados sejam apontados de forma mais abstrata. A outra categoria, a dos “civis”, nem costuma aparecer como parte da repressão política no país, apesar de o explícito apoio de setores da população ter sido crucial para a legitimação da ditadura — que, por esse motivo, seria erroneamente classificada como apenas “militar”, de acordo com o historiador Daniel Aarão Reis. Maud e Reis buscam a complexidade das relações de sustentação da repressão no Brasil, entre militares ou civis. 

 Em “A política nos quartéis — Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira” (Zahar), lançado esta semana, Maud Chirio analisa como os oficiais de patentes mais baixas integraram conspirações e contribuíram fortemente para o golpe militar de 1964, que hoje completa 48 anos. Em entrevista, a historiadora de 31 anos, que esteve no Rio para o lançamento, fala sobre essa participação política — que, nos anos de chumbo, radicalizou-se à direita —, derrubando o mito do apolitismo das Forças Armadas e de que a ditadura foi delineada apenas por generais. Maud, que já pesquisara sobre os exilados brasileiros, passou para um lado mais difícil da investigação histórica e precisou buscar fontes alternativas aos fechados arquivos militares. 

Em artigo para O GLOBO, Daniel Aarão Reis analisa o apoio de civis à ditadura, sejam membros de partidos políticos, empresários ou entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O historiador sustenta que o medo guiou grande parte das milhares de pessoas que, por todo o país, marcharam contra as reformas e em comemoração ao golpe. Ao afirmar que a ditadura é mais do que militar, Reis ressalta que não se trata de corrigir um “equívoco”, mas de perceber a construção histórica de uma memória que, como sempre, é “seletiva e conveniente”, com reflexos até hoje na democracia, como na decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2010, de não rever a Lei da Anistia. Na última quinta-feira, o Supremo julgaria se a lei também se aplica a crimes da ditadura que envolvem desaparecimentos — e que por isso ainda estariam em curso —, mas o julgamento foi adiado.


Caderno Prosa & Verso 
Jornal O Globo 

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