segunda-feira, 23 de abril de 2012

Te Contei, não ? - O clube dos 30



Eles foram, nas palavras de Paula Toller, do Kid Abelha, a cara "daquele Brasil que estava começando a poder falar de forma mais direta". Ou então, a "gente fina, elegante e sincera, com habilidade pra dizer mais sim do que não" da canção "Tempos modernos", de Lulu Santos. Armados de rock, juventude e vontade de dar início a uma nova era, eles puseram os pés na porta e fizeram de 1982 o ano da mudança na MPB. E, agora, esses sócios eméritos do Clube dos 30, que estavam na linha de frente da invasão roqueira dos anos 1980, se mobilizam para celebrar sua permanência — e a memória da revolução.O momento é de ganhar a estrada para a festa dos 30 anos. Então, lá se vão os cariocas Blitz, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso (todos se preparando para sair ainda este ano em suas respectivas turnês comemorativas) e Kid Abelha (que grava o DVD ao vivo dos 30 anos na sexta e no sábado próximos, no Citibank Hall). Da turma de São Paulo, tem os Titãs, que planejam para o segundo semestre um show celebratório reunindo antigos integrantes, mas começam a festa no Rio, dia 4, no Circo Voador, com o show do disco "Cabeça dinossauro" (seu clássico, de 1986, que volta numa edição remasterizada, com um CD extra de versões demo das músicas).
Os marcos são diferentes para cada banda — mas todos são de 1982. Foi quando Barão e Blitz lançaram seus primeiros LPs ("Barão Vermelho" e "As aventuras da Blitz"). E quando Paralamas, Kid e Titãs fizeram seus primeiros shows. Igualmente em 1982, o Circo Voador foi inaugurado nas areias do Arpoador, e a Rádio Fluminense FM, de Niterói, ganhou uma programação roqueira e nova alcunha: Maldita.

Vindo do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, Evandro Mesquita levou as lições do palco para a Blitz, a primeira banda da geração a estourar de fato, em 1982, com a canção "Você não soube me amar". Uma conquista a ser celebrada em 2012 com uma turnê de 30 datas e a realização de um documentário.

— A juventude queria se ouvir — diz Evandro. — Queria música com aquele tom coloquial, direto, sem preocupação panfletária. A gente estava no mesmo nível de informação do Arrigo Barnabé, mas queria ir no Chacrinha.

Num ano em que alguns dos maiores sucessos do rádio no Brasil foram "Asa morena" (Zizi Possi), "O que é, o que é?" (Gonzaguinha), "Fera ferida", "Amiga", (Roberto Carlos) e "Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor" (Amelinha), as canções da nova geração, compreensivelmente, causaram espécie.

— Nossas músicas eram sexo, drogas e rock’n’roll. O que tocava na rádio na época era muito careta — avalia Guto Goffi, baterista do Barão Vermelho, banda que, além da turnê dos 30 anos, prepara uma edição remasterizada, com faixas-bônus, do seu disco de estreia.

Para Bruno Fortunato, guitarrista do Kid Abelha (banda que voltará a tocar, com arranjos originais, canções de sua fase inicial, como "Alice" e "Seu espião", para o show de gravação do DVD), o que marcou a turma de 1982 foi a vontade de mudar o enfoque musical.

— Era uma época de engajamento político, e a gente queria fazer uma música sem essa carga toda — diz.

— A gente estava cansado de ser censurado. Aí, teve uma nova geração, a do teatro besteirol, que veio chegando pelo lado da galhofa. E nada melhor do que o rock para liberar isso tudo — explica Eduardo Dussek, cantor revelado na MPB, que, em 1982, lançou o bem-sucedido "Cantando no banheiro", um disco de rock, no qual se uniu aos então novatos Leo Jaime (autor de "Rock da cachorra") e João Penca & Seus Miquinhos Amestrados.

— Eu disse para a gravadora que o rock ia estourar. Havia então uma necessidade de festa — conta Dussek, até hoje refém das canções de 82, que não saem do seu repertório.

— Todo mundo que estava envolvido em movimentações artísticas formou uma banda de rock naquela época — lembra George Israel, saxofonista do Kid Abelha.

João Barone, baterista dos Paralamas (que, junto com a turnê dos 30 anos, deverão lançar uma caixa com a discografia completa da banda, acrescida de algumas inéditas), recorda os percalços:

— Naquela época, tocar em uma banda de rock era meio como fazer parte de uma sociedade iniciática. Era difícil até conseguir instrumentos.

Irritando os punks

Espaços para shows também eram poucos. Ainda mais para os Titãs, que chegaram em São Paulo com um misto de new wave, punk, brega, reggae e tropicalismo.

— Eram tempos difíceis, a gente fazia show onde dava — diz o guitarrista Tony Bellotto. — Tocávamos para os punks e eles ficavam putos!

Para Bellotto, o sucesso da Blitz foi fundamental para que os Titãs fossem adiante:

— Foi a primeira banda que mostrou que era possível. E teve o primeiro disco do Lulu Santos, que, apesar de não ser banda, tinha uma música esteticamente próxima do que a gente pensava.

Artista que estreou em LP solo em 1982 ("Tempos modernos"), Lulu se diz fora "do barco das celebrações balzaquianas". Lobão (ex-baterista da Blitz, que também lançou em 1982 seu primeiro LP solo, "Cena de cinema"), igualmente: está concentrado na composição de um novo disco ("Deixa que a história cuide do ‘Cena’. Passado é passado", diz).

A regra da geração 1982 era: mandar uma fita para a Fluminense FM e tocar no Circo Voador. Espaços conquistados com muito esforço.

— No princípio, o Circo não era musical. Ele era do circo, da dança, do teatro. Mas aí veio todo mundo. A Rádio Fluminense tocava as fitas cassete das bandas, e elas ensaiavam só para tocar no Circo — diz Perfeito Fortuna, fundador da lona, que recentemente foi entrevistado para um documentário sobre o espaço, que vem sendo realizado por Roberto Berliner e Pedro Bronz (o novo Circo, capitaneado por Maria Juçá, está produzindo outro documentário).

Longo alcance

Enquanto isso, em Brasília, uma turma olhava com assombro o que acontecia.

— Lá, o rock era muito diferente — diz Philippe Seabra, vocalista e guitarrista da Plebe Rude, banda que ajudou a fundar na cidade em 1981. — Nossa realidade era cinza. Até para tocar em lanchonete tínhamos que mandar as letras para a Censura.

Mas o sucesso da Blitz deu um alento a Philippe:

— Eu cheguei pro Renato Russo e falei: se eles fazem isso, nós também podemos!

Renato, então, acabara de fundar uma tal de Legião Urbana, banda que ajudaria a escrever o capítulo seguinte do rock brasileiro.

Jornal O Globo

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