domingo, 15 de abril de 2012

Crônica do Dia - Pensando magro




Tem muita gente por aí, você deve conhecer o tipo, que pensa gordo. É uma turma que foi gorda na infância ou na adolescência e passou o resto da vida traumatizada com os apelidos que recebia na escola (Bolinha, Fofão, Wilza Carla, só para citar os mais amenos), com os regimes alimentares que era obrigada a fazer pela família (McDonald’s só uma vez por ano, quilos de salada de alface e tomate e só um pedacinho de bife bem passado, fingir que não gostava de brigadeiro nas festas de aniversário) e com o constrangimento de vestir um biquíni ou uma sunga para ir à praia (maiô inteiro e calção eram o fundo do poço para adolescentes desse tipo). Há ainda os que mantiveram o corpo farto por mais um tempo e, já na idade adulta, tornaram-se vorazes consumidores de revistas femininas que traziam na capa chamadas para dietas milagrosas.

São gordos, sem dúvida, e permanecem gordos até quando se tornam magros. Quando, enfim, uma dieta dá certo ou, em casos mais recentes, após uma salvadora cirurgia de redução de estômago, a cabeça do indivíduo em questão não deixa de... pensar gordo! Ele _ ou ela _ é uma sílfide, mas continua comprando roupas largas, às vezes dois números acima do que seria adequado, e não resistindo à troca, no restaurante a quilo, de uma corada costeleta de porco por um prato cheio de folhas de rúcula. São magros, sem dúvida, mas continuam com a memória dos tempos de excesso de peso. Continuam pensando gordo.

Descobri, recentemente, que sou parecido com essa gente. Só que eu penso... magro. Nos muitos e-mails agressivos _ alguns até ameaçadores _ que recebi de ciclistas nas últimas semanas, havia um xingamento recorrente: barrigudo. Não há como negar: sou mesmo. Mas não me dou conta. Na infância, na adolescência e nos primeiros anos de minha juventude, fui magro, muito magro, magérrimo. Daqueles que também não escapavam de apelidos na escola. Pingo. Magrela (É irônico já ter tido o mesmo apelido que alguns ciclistas cafonas dão a suas bicicletas). Caniço (Quantas vezes tive que fingir achar engraçado as pessoas me perguntarem “cadê o samburá?”, nos tempos em que se sabia o que eram caniço e samburá). Meu pai tentava acrescentar alguns músculos à minha constituição, me matriculando no judô ou me dando halteres de presentes. Minha mãe apelava para a superalimentação. Nada deu certo. Eu continuei magro. Mais tarde, como os gordos, também tinha vergonha de vestir uma sunga na praia. Não queria deixar meu esqueleto à mostra.

Foi assim até mais ou menos meus 30 anos. A partir de então, dei para engordar. Mas continuei pensando magro. Sou daqueles que, numa loja de roupas, diante do olhar incrédulo do vendedor, pede para experimentar uma camisa tamanho 3 para descobrir, constrangido, que meu tamanho é 5. Dou prejuízo às churrascarias-rodízio e, ainda na esfera da alimentação, faço parte da Dieta Bibi Ferreira: não como nada que seja verde.

Sou barrigudo, sim. Mas não sofro com isso. Por uma razão muito simples: penso magro. Fazer o quê?

Arthur Xexéo
Jornal O Globo

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