sábado, 28 de abril de 2012

Crônica do Dia - Os labirintos do Enem



Todo ministro vive o mesmo dilema: fazer o seu grande projeto, rapidinho, mas com risco de tropeço sério, ou fazer com prudência, mais lentamente, arriscando-se a vê-lo abortado pelo seu sucessor? Apressar o Enem foi uma escolha, diante desses dois riscos. Mas a fragilidade da máquina publica acentuou o perigo de um passo maior do que as pernas, ou seja, um projeto que tenta atingir demasiados objetivos. De fato, apesar dos avanços, o Enem tem falhas técnicas (assunto cuja análise não caberia aqui), de logística e de concepção. Depois que o Enem se propôs a substituir os vestibulares, venceu a licitação um consórcio improvisado e que derrapou para o escândalo do roubo das provas. Só então foi aprovada a escolha, sem licitação, do grupo que incluía o Cesgranrio, a instituição mais experiente no ramo. As aplicações subsequentes tiveram falhas, ainda que bastante limitadas, considerando a magnitude do projeto. Mas os ásperos decibéis das críticas procedentes se mesclaram aos ruídos gerados pela politização do exame, de ambos os lados.

Lamentavelmente, as missões do novo Enem foram ignoradas por quase todos. Ou seja, a discussão erradamente se polarizou em torno do ensino superior, quando a intenção era aliviar o médio da maldição de ser modelado pelo dilúvio curricular dos vestibulares das universidades públicas. Essa é sua função nobre e a justificativa para sua existência. Nas boas universidades, os vestibulares não são mais provas de “decoreba”. De fato, selecionam praticamente os mesmos candidatos que o Enem. Alias, a hipótese de que o Enem seria uma prova socialmente mais justa não resiste a nenhuma análise seria. Então, por que substituir os vestibulares por um Enem gigantesco e caríssimo? E que as universidades são livres para criar seus vestibulares e optam por provas difíceis. Foram feitas para selecionar também os melhores dos melhores candidatos aos cursos mais cobiçados. O excesso de conteúdos envia uma mensagem equivocada para o ensino médio. A 1ógica é simples, embora errada: se cai na prova, e preciso ensinar no ensino médio. Preparando uma prova menos enciclopédica, o MEC poderia conter a corrida do ensino médio, forjado a uma maratona curricular. Cobrindo poucos tópicos, permitiria a ênfase na profundidade.

É por esse critério que o Enem deveria ser julgado. Infelizmente, a análise preliminar das provas sugere que não foi freada a enxurrada de assuntos. A meu ver, essa é a acusação mortal, o resto é detalhe. O Enem tem outras vantagens, como reduzir a correria daqueles que desejam tentar a sorte em varias instituições. Permite também o acesso a instituições em outras cidades. Mas tais aspectos são secundários. Uma decisão imprudente foi optar, prematuramente, por uma prova que permite comparações entre anos diferentes, pois exige que cada questão seja testada com alunos reais. Se houvesse um grande banco de perguntas, a prova seria feita com itens testados há mais tempo. Como o banco é pequeno, obriga a testar as perguntas com os mesmos alunos que vão fazer o Enem, uma opção de alto risco de vazamentos. De fato, isso aconteceu, inflamando a opinião pública. A epopeia de um exame único e gigantesco foi também o preço da decisão de testar perguntas, para obter comparabilidade de um ano para o outro. Sem isso, poderíamos ter várias aplicações, escalonadas no tempo.

Um erro estratégico do Inep foi não sugerir uma ponderação baixa para a redação. Soma-se o caráter subjetivo da correção à logística de lidar manualmente com milhões de provas e a pouca experiência das equipes. Isso gerou uma considerável margem de erro. Se tivesse um peso menor, quando nada, os enganos na sua correção trariam menos dores de cabeça jurídicas para o MEC. Outro equívoco foi trombetear um escore único, no momento em que se fala de diversificação do ensino médio. O correto seria, por exemplo, instruir os cursos de letras para valorizar os pontos em português e os de engenharia, os pontos em matemática. Noves fora? No meu julgamento: (1) as trapalhadas logísticas foram menos importantes do que sugerido pela imprensa; (2) os problemas técnicos com as provas são reais, mas não insolúveis; (3) ainda não foi demonstrada a sua maior contribuição, que seria reduzir distorções no ensino médio. Se falhar nisso, não vejo por que deva existir.

Claudio de Moura Castro / Revista Veja

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