Alimento de reconhecido valor nutritivo, a carne vermelha é fonte de proteína, ferro e vitaminas. Mas o aumento significativo do consumo, associado ao crescimento da renda, desperta a preocupação de especialistas e torna a carne vermelha a vilã da vez. Um estudo recente da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos EUA, mostrou que a ingestão diária do alimento aumenta estatísticamente o risco de morte prematura por câncer e doenças cardiovasculares. Esta não é a primeira vez que a carne vermelha entra na berlinda: pesquisas anteriores já relacionaram seu consumo excessivo à maior incidência de diabetes tipo 2, certos cânceres de mama e artrite reumatoide.
A pesquisa de Harvard, que acompanhou 120 mil americanos por mais de 20 anos, revelou que o consumo de uma porção diária de carne processada - salsicha ou bacon, por exemplo - eleva em 20% o risco de morte, enquanto a carne não processada, como um bife, aumenta as chances em 13%. Na direção oposta, o mesmo estudo sugere que a substituição por proteínas mais saudáveis, como grãos integrais, peixes e frangos, pode aumentar consideravelmente a qualidade de vida.
- O problema atual, na população em geral, é que estamos comendo carne demais. Um consumo moderado, num padrão de alimentação equilibrado, à base de vegetais, é bom - destaca uma das autoras da pesquisa, An Pan, em entrevista ao GLOBO.
Alto teor de colesterol e gordura saturada, os vilões
O Guia Alimentar da População Brasileira, do Ministério da Saúde, recomenda a ingestão de uma porção de carne branca ou vermelha ao dia, o equivalente a cerca de 100g diários. A nutricionista Bia Rique estima que, para um adulto comum, o consumo de carne vermelha uma ou duas vezes por semana seja suficiente. No estudo de Harvard, a substituição de carne de vaca, porco, ovelha ou cabrito, por exemplo, por uma porção de outra fonte de proteína (peixe, frango ou vegetais) foi associada a um menor risco de morte.
O maior risco de desenvolver doenças crônicas devido ao consumo de carne vermelha estaria associado ao alto teor de colesterol e à gordura saturada de alguns tipos de corte - o que poderia aumentar a ocorrência de males cardiovasculares e diabetes -, às substâncias usadas para conservá-la e ao processo de preparação culinária. Ao serem grelhadas, fritas ou assadas, as carnes podem gerar substâncias potencialmente cancerígenas, as aminas heterocíclicas.
Se para o coração o maior risco é a gordura, no caso do câncer o perigo estaria nas substâncias químicas empregadas em carnes processadas, como linguiças, salsichas, salames e presuntos.
A forma de preparo merece atenção, independentemente do tipo de proteína animal escolhida. O contato da carne com a grelha é o que forma as aminas heterocíclicas, resíduos escuros que se fixam no fundo da frigideira.
Uma forma de evitar isso é marinar o alimento, deixando-o de molho no limão, ou cozinhá-lo, indica a nutricionista Aline Carvalho, especialista em carnes da Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo (USP).
Obesidade está associada a diabetes do tipo 2
Para comer um bife sem peso na consciência, uma ideia é optar por um corte de carne mais seco, sem gordura aparente. Quando a decisão for substituir a carne vermelha por frango, é importante lembrar que o peito tem menos gordura que a parte da coxa, e que nenhuma porção deve conter peles. Se a escolha for peixe, é bom evitar as postas fritas.
Numerosos estudos mostram que o tipo de câncer mais associado ao exagero no consumo de carne vermelha é o colorretal, que afeta o intestino e também está relacionado a uma dieta pobre em fibras. Os pesquisadores ainda não sabem a que se deve o aumento da incidência de diabetes do tipo 2 entre os que exageram no consumo do alimento, mas a doença está relacionada à obesidade, e estudos mostram a relação entre o sobrepeso e a ingestão excessiva de carne.
Um extenso trabalho publicado também por Harvard, em agosto de 2011, indicou que comer carne vermelha processada todos os dias aumenta em até 51% o risco de sofrer da doença. Carnes não processadas elevam o risco em 19%.
- Esse resultado também pode estar ligado aos hábitos de vida da pessoa - avalia o endocrinologista Ricardo Meirelles.
- Quem tem uma dieta saudável costuma se exercitar mais. Já a falta de atividade física causa o aumento de gordura corporal, inclusive a abdominal, associada à resistência à insulina, primeiro passo para o surgimento do diabetes.
Em 2004, um grupo de pesquisadores britânicos apontou um risco maior de desenvolver artrite reumatoide entre pessoas que tinham uma dieta pobre em frutas e rica em carnes vermelhas. Já em 2006, mulheres americanas na pré-menopausa se revelaram mais propensas a sofrer de alguns tipos de câncer de mama. Os componentes de algumas carnes vermelhas aumentam os níveis de hormônios nestas pacientes, avaliaram os pesquisadores, o que pode favorecer o surgimento de certos tumores.
Apesar dos resultados, os especialistas são unânimes em afirmar que o problema é o exagero. Uma dieta balanceada, que contenha vegetais, leguminosas, frutas, carnes brancas e - por que não? - vermelhas, é apontada como fonte de longevidade.
- Uma alimentação bem equilibrada e a prática de atividade física regular previnem a obesidade, um dos maiores perigos para a saúde mundial - frisa Aline.
Jornal O Globo
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