sábado, 6 de outubro de 2012

Personalidade - José Junior - Fundador do AfroReggae

JOSÉ  JUNIOR Fundador do AfroReggae, ONG que promove projetos de dança, teatro e música para jovens de favelas cariocas (Foto: Tomas Rangel/ÉPOCA)

O grande erro que cometi na vida foi não ter estudado direito e não ter feito faculdade. Fiz o ensino fundamental numa escola particular, em Olaria, Zona Norte do Rio de Janeiro. Fui cursar o ensino médio no Liceu de Artes e Ofícios (escola profissionalizante). Fui reprovado e abandonei a escola aos 17 anos. Só voltei aos 23, numa escola em que bastava pagar a mensalidade para passar. Estudava à noite e sempre faltava às aulas. Nesse período, trabalhei como entregador de jornal e taxista. Consegui concluir o ensino médio, mas não considero que tenha um diploma. Poderia fazer aquele discurso de que não tive oportunidade, mas não seria verdade. Eu tive. Tive e tenho. Meus pais me incentivaram a estudar, mas eu era um cara que não ligava para isso e brigava muito. Morava no centro, perto da Lapa, onde era bem raro alguém fazer faculdade. A maioria de meus amigos de adolescência morreu no tráfico ou de aids.
Hoje, trabalho com comunicação. Acho que teria me ajudado cursar jornalismo, cinema, serviço social, pedagogia, sociologia ou antropologia. Não sei se o AfroReggae estaria melhor ou pior por isso. Seria importante para mim. Poderia ser melhor do que sou.
Leio bastante. Mas seria bom, mesmo com 44 anos, tomar vergonha na cara. Pretendo fazer um curso na faculdade Ibmec. Eles me deram uma bolsa de estudos. Posso escolher o conteúdo. Quero aproveitar.

Figuras públicas deveriam evitar falar que não estudaram e, mesmo assim, chegaram lá. Outro dia, vi que, em Cuba, até prostitutas, taxistas e boa parte da população têm nível universitário. Isso é muito bom. É claro que a história econômica lá é outra. No AfroReggae, me considero um bom e, ao mesmo tempo, um mau exemplo. Nunca me disseram nada diretamente, mas os meninos se perguntam: ‘Se o Junior não estudou, por que vou estudar?’. Os jovens das favelas e do subúrbio se espelham em pessoas que não estudaram, em cantores de funk, pagodeiros, jogadores de futebol e em gente como eu. Isso é ruim. Quero fazer uma campanha para promover pessoas como o Elias, um garoto que conheci no Ceará e entrevistei para o Conexões urbanas (programa do Multishow). Ele precisava ir nadando para a faculdade, porque a ponte da cidade estava quebrada. Ele embalava os livros num saco plástico, colocava uma das mãos para cima e ia nadando com a outra, à noite. Eu o chamei de Elias Phelps. Ele não gostou e disse: ‘O Phelps nada por medalha. Eu nado para mudar minha vida e a da minha família’. Tomei essa na cabeça.

Quero que meus quatro filhos estudem, mas sei que não posso obrigar, apenas aconselhar. No AfroReggae, eu obrigo. Ex-traficantes têm de ter ensino médio. Dois deles estão fazendo Direito. Não acho normal o cara falar errado. Estou baixando uma norma que começará a valer quando o AfroReggae completar 20 anos, em janeiro. Ninguém mais será contratado sem ter o ensino médio completo. Quem não tem terá de fazer. Quando criamos o AfroReggae, quase ninguém tinha terminado a escola. Agora, na sede do projeto, quase todo mundo é formado.

Um comentário:

  1. Pensando assim, é um grande exemplo. Que mais pessoas pensei como ele valorizando os estudos e a qualificação profissional.
    Marlene Morceli

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