No filme Na Natureza Selvagem, o jovem Christopher McCandless se rebela contra a família e parte, sem avisar ninguém, para uma aventura pelos Estados Unidos. Coloca fogo em seu dinheiro, abandona o carro e segue pedindo carona, contando com a ajuda de desconhecidos. Seu objetivo é chegar ao Alasca, onde pretende viver a maior das aventuras: ficar, finalmente, sozinho, longe da hipocrisia das pessoas. Chris atinge seu objetivo e chega a uma floresta coberta de neve, onde vive só por semanas. Ao final, porém, quando está prestes a voltar, a corrente de água que era apenas um fio quando ele chegou se tornou um rio caudaloso, e ele não consegue atravessar; acaba morrendo de fome, sozinho, na natureza. Baseada em uma história real, que virou livro nas mãos de Jon Krakauer, a saga de Chris tem uma ironia sutil. Em seu caminho para se distanciar das mentiras da sociedade, acaba conhecendo pessoas que marcam sua vida, e a quem ele também encanta profundamente. O casal de hippies, a jovem que flerta com ele, o amigo fazendeiro, o senhor que enxerga nele o filho que não tem: são muitos os laços que Chris constrói pelo caminho, enquanto discursa sobre os benefícios de ficar sozinho na natureza selvagem. Sem perceber, o jovem recebe ajuda, carinho e afeto das pessoas, a quem ele julga tão acidamente. Ele influencia e é influenciado, ama e é amado.
Os laços que Chris desenvolve, mesmo quando acredita estar partindo para uma vida solitária, evidenciam uma característica do ser humano, muitas vezes negligenciada por nós: somos seres sociais. "É impossível existirmos apenas como indivíduos. Quando nascemos, já nascemos em sociedade", diz a terapeuta existencial e professora de filosofia Dulce Critelli, da PUCSP. "Aprendemos tudo ao olhar outros seres humanos: a andar, a comer, a falar". Compare com um cachorrinho, por exemplo. Se o retiramos de junto de outros cães e o colocamos para viver com os humanos, ele ainda assim apresentará características caninas: abanará o rabinho, latirá. Já o homem não: se o retiramos do convívio humano ao nascer, suas ações serão completamente diferentes. Podemos alimentar, como Chris, o ideal da autossuficiência e do individualismo, a ideia de que somos completamente livres e autônomos. Mas o ser humano, isolado, não existe; frágeis demais para sobreviver sozinhos, fomos programados biologicamente para viver em comunidade. Precisamos uns dos outros para viver.
Para além dessa interdependência, existe a influência: as coisas que sentem e pensam as pessoas que amamos afetam nossa maneira de pensar. Isso é fácil de perceber em algumas instâncias. Se nosso parceiro gosta de cinema alemão, por exemplo, é provável que vejamos juntos alguns desses filmes, e como resultado eu posso acabar gostando deles também. O que é mais difícil é ver que pessoas que sequer conhecemos também têm uma influência profunda em nossa vida. A extensão desses laços tem implicações mais profundas do que nos acostumamos a imaginar.
Melancolia contagiosa
Sabe quando você está triste e nem sabe por quê? Tudo vai bem na sua vida, no emprego, a saúde está boa, mas de repente bate aquela dor no peito... Quando percebe, está deprimido. "Você não sabe, mas alguma perturbação pode estar acontecendo na sua rede", diz o pesquisador e netweaver Augusto de Franco. O amigo do amigo do seu amigo pode estar tendo algum problema, e esse sentimento se transmitiu, como um vírus, até você, que não o conhece. Quando diz "rede", Franco não está falando das mídias sociais, como Facebook e Twitter; ele se refere aos grupos dos quais as pessoas fazem parte, grupos dentro dos quais elas têm laços com outros participantes. Estudioso do tema, o papel de Franco como netweaver é tecer redes, ou seja, fomentar conexões, criar espaços e ferramentas em que as pessoas possam interagir. Pode ser um site, um evento, um projeto.
Para o médico e pesquisador de Harvard Nicholas Christakis, o estudo das redes sociais veio após observar fenômenos de saúde. Você deve conhecer alguma história em que um idoso morre e, pouco tempo depois, seu companheiro também falece. É o que os médicos chamam de "efeito do viúvo", e acontece porque os laços foram cortados, deixando as pessoas desamparadas, o que acaba se manifestando em doenças e acidentes diversos. Estudando esse efeito, Christakis começou a se perguntar se as consequências da interrupção, e do fortalecimento, dos laços sociais também seriam fortes para outros tipos de relações, como de amizade, de parentesco e, finalmente, com pessoas que nem conhecemos.
Pesquisa após pesquisa, ele foi comprovando a força dos laços na vida das pessoas. Uma de suas primeiras descobertas foi sobre como as emoções podem ser surpreendentemente contagiosas. Um exemplo foi o estudo realizado com alunos de faculdade que, designados para dividir o quarto com colegas moderadamente deprimidos, foram ficando mais e mais deprimidos ao longo de três meses. Pode parecer estranho, mas tristeza "pega" que nem gripe: mesmo que nada de errado esteja acontecendo na sua vida, o astral do outro pode interferir no seu.
Ansiedade e felicidade também se alastram feito fogo pelas redes. Ter amigos felizes aumenta nossa chance de felicidade mais do que ganhar mais dinheiro. E, se esses amigos tiverem amigos felizes, nossa chance fica ainda maior. O curioso é que, estando contentes, acabamos atraindo mais amigos, que por sua vez também vão contribuir para o nosso bem-estar. É uma espiral ascendente positiva. Até mesmo o contato com desconhecidos pode nos afetar, como pode atestar qualquer um que saiu satisfeito de um restaurante depois de ter sido atendido com um sorriso. Nosso cérebro foi treinado para a empatia, para sentir o que o outro está sentindo, para imitar, mesmo sem perceber, as emoções e expressões faciais de quem está à nossa volta.
Se ela come, eu como
Hábitos, vícios e comportamentos também passam de pessoa para pessoa. Obesidade, por exemplo, contagia: se pessoas a sua volta começam a engordar, as chances são de que você engorde também. Isso pode acontecer por uma série de fatores. Dois amigos passam a frequentar uma nova lanchonete, por exemplo, e o hábito contribui para aumentar a circunferência das cinturas de ambos. Ou então, simplesmente, ao ver que uma amiga engordou, você pode mudar seus conceitos do que é aceitável em termos de peso, e achar que tudo bem engordar mais um pouco. Nesse caso, o que se transmite pela rede é um padrão. A colunista americana Ellen Goodman escreveu: "Anoréxicas profissionais como Kate Moss e Victoria Beckham podem apresentar um ideal de encolhimento impossível. Mas na vida real nós nos comparamos é com nossas amigas". Claro que nem todos irão engordar, pois influências vindas de todo lado atuam ao mesmo tempo; mas a probabilidade fica maior a cada amigo que ganha uns quilinhos. Parar de fumar é outro comportamento que se reproduz pelas redes. É como se jogássemos uma pedra na água e observássemos as ondas reverberando a partir do lugar onde ela caiu.
A seis graus de Kevin Bacon
Mas até que ponto essa influência se estende? Será que afetamos apenas nossos amigos e os amigos deles, ou isso se estende ainda mais longe? Segundo Christakis, em seu livro Connected ("Conectados", ainda não publicado no Brasil), a influência continua até três graus de separação (seu amigo está a um grau de você, o amigo do seu amigo está a dois graus, e assim por diante). Depois disso, o efeito some.
Tudo começou com a teoria dos seis graus de separação, testada nos anos 1960 pelo psicólogo Stanley Milgram. Na pesquisa, algumas centenas de pessoas que viviam no estado americano de Nebraska deveriam entregar uma carta a um executivo de Boston, a 1600 km de distância. Elas deveriam enviar a carta para alguém que conheciam pessoalmente, que teria mais chances de ter algum contato com o tal executivo, e essa pessoa então entregaria para alguém que conhecia, e assim sucessivamente. O objetivo era ver quantos nós havia na rede até que a carta fosse entregue; a média foi seis, resultado repetido em experimentos posteriores. Isso até gerou brincadeiras como o joguinho A Seis Graus de Kevin Bacon, em que as pessoas descobriam a rede de contatos que precisavam ativar para chegar ao ator americano.
Se ações e hábitos se espalham a três graus, é aí também que costumamos recorrer para encontrar nossos parceiros amorosos. A Pesquisa Nacional da Saúde e da Vida Social dos Estados Unidos de 1992 descobriu que 68% das pessoas conheceram seus companheiros depois de terem sido apresentadas por um amigo em comum. Gostamos de achar que somos livres para escolher, e a ideia de um casamento arranjado, como os de antigamente, nos dá calafrios. Mas nossas redes sociais acabam funcionando como casamenteiras. Um amigo dá uma festa, e lá ele nos apresenta alguém; nessa introdução, dirá alguma coisa que temos em comum, como o fato de colecionarmos cavaquinhos ou gostarmos de literatura russa do século 19, e assim é mais fácil engatar uma conversa.
Poderosos laços fracos
A história de como conhecemos nossos amores evidencia outro ingrediente poderoso das redes: a força dos laços fracos. Os laços fortes são os mais íntimos: melhores amigos, família, parceiros. Já os fracos são as pessoas menos próximas. Na hora de achar uma paixão, conseguir um emprego ou encontrar parceiros para projetos criativos, é nesse lago que mergulhamos; a pocinha dos nossos conhecidos imediatos pode não ter nenhuma cara-metade, ou não ter um trabalho quando você precisa de um, mas ampliando a rede para os conhecidos e para os conhecidos deles, nossas chances aumentam.
Nos tempos de hoje, os graus de separação entre as pessoas estão diminuindo. Com a internet, temos mais conhecidos, pessoas a quem nos relacionamos por laços fracos. Ninguém tem de fato 300 melhores amigos, mas podemos manter contato com todas essas pessoas pela web. E, vendo as pessoas que elas conhecem, o mundo fica menor. Estamos cada vez mais próximos uns dos outros (e de Kevin Bacon, por extensão). As consequências disso são inúmeras. A forma como nos organizamos em redes está mudando. Antes hierarquizada, com estruturas centralizadas (em que o operário da linha de produção não tinha acesso ao presidente da empresa, por exemplo), a sociedade caminha para uma organização em redes distribuídas. "Com todos interligados, as pessoas interagem mais. E, interagindo, estão cooperando", diz Franco. Hoje, por exemplo, é possível ter uma ideia e financiá-la por meio de crowdfunding, ou seja, muitas pessoas doam um pouquinho e a soma viabiliza o projeto. É o caso do site Catarse. me, uma plataforma para o financiamento de projetos criativos. É a antiga vaquinha, mas bem mais organizada e consciente do poder do coletivo.
Você com isso
O crowdfunding evidencia uma das vantagens de sermos sociais: se sofremos influência, também influenciamos. Nossos atos motivam e inspiram outras pessoas. Em seu livro O Ponto da Virada (Ed. Sextante), o pensador Malcolm Gladwell fala do tipping point ("ponto da virada"), o momento decisivo em que uma ideia, um comportamento, um produto ou uma mensagem se alastram. Uma pessoa faz um ato positivo, influencia outra, e de repente vemos um boom de atos positivos. "Basta uma pequena ação inicial para causar uma grande perturbação na rede", diz Franco. Assim, votar no candidato em que você acredita ou levar uma caneca para beber água no trabalho não são apenas pequenas ações isoladas: elas reverberam e influenciam pessoas. Tudo o que você faz conta. Nas relações, também, está a chave para nossa felicidade. Foi isso que Chris percebeu, pouco antes de ver que não poderia atravessar o rio para voltar para casa, em Na Natureza Selvagem. As semanas que passou sozinho fizeram com que valorizasse os laços que deixara para trás. Já fraco, ele escreve nas páginas de um livro: "A felicidade só é real quando compartilhada". Um clichê, mas, no caso do ser humano, um clichê doloroso, e felizmente, real.
Os laços que Chris desenvolve, mesmo quando acredita estar partindo para uma vida solitária, evidenciam uma característica do ser humano, muitas vezes negligenciada por nós: somos seres sociais. "É impossível existirmos apenas como indivíduos. Quando nascemos, já nascemos em sociedade", diz a terapeuta existencial e professora de filosofia Dulce Critelli, da PUCSP. "Aprendemos tudo ao olhar outros seres humanos: a andar, a comer, a falar". Compare com um cachorrinho, por exemplo. Se o retiramos de junto de outros cães e o colocamos para viver com os humanos, ele ainda assim apresentará características caninas: abanará o rabinho, latirá. Já o homem não: se o retiramos do convívio humano ao nascer, suas ações serão completamente diferentes. Podemos alimentar, como Chris, o ideal da autossuficiência e do individualismo, a ideia de que somos completamente livres e autônomos. Mas o ser humano, isolado, não existe; frágeis demais para sobreviver sozinhos, fomos programados biologicamente para viver em comunidade. Precisamos uns dos outros para viver.
Para além dessa interdependência, existe a influência: as coisas que sentem e pensam as pessoas que amamos afetam nossa maneira de pensar. Isso é fácil de perceber em algumas instâncias. Se nosso parceiro gosta de cinema alemão, por exemplo, é provável que vejamos juntos alguns desses filmes, e como resultado eu posso acabar gostando deles também. O que é mais difícil é ver que pessoas que sequer conhecemos também têm uma influência profunda em nossa vida. A extensão desses laços tem implicações mais profundas do que nos acostumamos a imaginar.
Melancolia contagiosa
Sabe quando você está triste e nem sabe por quê? Tudo vai bem na sua vida, no emprego, a saúde está boa, mas de repente bate aquela dor no peito... Quando percebe, está deprimido. "Você não sabe, mas alguma perturbação pode estar acontecendo na sua rede", diz o pesquisador e netweaver Augusto de Franco. O amigo do amigo do seu amigo pode estar tendo algum problema, e esse sentimento se transmitiu, como um vírus, até você, que não o conhece. Quando diz "rede", Franco não está falando das mídias sociais, como Facebook e Twitter; ele se refere aos grupos dos quais as pessoas fazem parte, grupos dentro dos quais elas têm laços com outros participantes. Estudioso do tema, o papel de Franco como netweaver é tecer redes, ou seja, fomentar conexões, criar espaços e ferramentas em que as pessoas possam interagir. Pode ser um site, um evento, um projeto.
Para o médico e pesquisador de Harvard Nicholas Christakis, o estudo das redes sociais veio após observar fenômenos de saúde. Você deve conhecer alguma história em que um idoso morre e, pouco tempo depois, seu companheiro também falece. É o que os médicos chamam de "efeito do viúvo", e acontece porque os laços foram cortados, deixando as pessoas desamparadas, o que acaba se manifestando em doenças e acidentes diversos. Estudando esse efeito, Christakis começou a se perguntar se as consequências da interrupção, e do fortalecimento, dos laços sociais também seriam fortes para outros tipos de relações, como de amizade, de parentesco e, finalmente, com pessoas que nem conhecemos.
Pesquisa após pesquisa, ele foi comprovando a força dos laços na vida das pessoas. Uma de suas primeiras descobertas foi sobre como as emoções podem ser surpreendentemente contagiosas. Um exemplo foi o estudo realizado com alunos de faculdade que, designados para dividir o quarto com colegas moderadamente deprimidos, foram ficando mais e mais deprimidos ao longo de três meses. Pode parecer estranho, mas tristeza "pega" que nem gripe: mesmo que nada de errado esteja acontecendo na sua vida, o astral do outro pode interferir no seu.
Ansiedade e felicidade também se alastram feito fogo pelas redes. Ter amigos felizes aumenta nossa chance de felicidade mais do que ganhar mais dinheiro. E, se esses amigos tiverem amigos felizes, nossa chance fica ainda maior. O curioso é que, estando contentes, acabamos atraindo mais amigos, que por sua vez também vão contribuir para o nosso bem-estar. É uma espiral ascendente positiva. Até mesmo o contato com desconhecidos pode nos afetar, como pode atestar qualquer um que saiu satisfeito de um restaurante depois de ter sido atendido com um sorriso. Nosso cérebro foi treinado para a empatia, para sentir o que o outro está sentindo, para imitar, mesmo sem perceber, as emoções e expressões faciais de quem está à nossa volta.
Se ela come, eu como
Hábitos, vícios e comportamentos também passam de pessoa para pessoa. Obesidade, por exemplo, contagia: se pessoas a sua volta começam a engordar, as chances são de que você engorde também. Isso pode acontecer por uma série de fatores. Dois amigos passam a frequentar uma nova lanchonete, por exemplo, e o hábito contribui para aumentar a circunferência das cinturas de ambos. Ou então, simplesmente, ao ver que uma amiga engordou, você pode mudar seus conceitos do que é aceitável em termos de peso, e achar que tudo bem engordar mais um pouco. Nesse caso, o que se transmite pela rede é um padrão. A colunista americana Ellen Goodman escreveu: "Anoréxicas profissionais como Kate Moss e Victoria Beckham podem apresentar um ideal de encolhimento impossível. Mas na vida real nós nos comparamos é com nossas amigas". Claro que nem todos irão engordar, pois influências vindas de todo lado atuam ao mesmo tempo; mas a probabilidade fica maior a cada amigo que ganha uns quilinhos. Parar de fumar é outro comportamento que se reproduz pelas redes. É como se jogássemos uma pedra na água e observássemos as ondas reverberando a partir do lugar onde ela caiu.
A seis graus de Kevin Bacon
Mas até que ponto essa influência se estende? Será que afetamos apenas nossos amigos e os amigos deles, ou isso se estende ainda mais longe? Segundo Christakis, em seu livro Connected ("Conectados", ainda não publicado no Brasil), a influência continua até três graus de separação (seu amigo está a um grau de você, o amigo do seu amigo está a dois graus, e assim por diante). Depois disso, o efeito some.
Tudo começou com a teoria dos seis graus de separação, testada nos anos 1960 pelo psicólogo Stanley Milgram. Na pesquisa, algumas centenas de pessoas que viviam no estado americano de Nebraska deveriam entregar uma carta a um executivo de Boston, a 1600 km de distância. Elas deveriam enviar a carta para alguém que conheciam pessoalmente, que teria mais chances de ter algum contato com o tal executivo, e essa pessoa então entregaria para alguém que conhecia, e assim sucessivamente. O objetivo era ver quantos nós havia na rede até que a carta fosse entregue; a média foi seis, resultado repetido em experimentos posteriores. Isso até gerou brincadeiras como o joguinho A Seis Graus de Kevin Bacon, em que as pessoas descobriam a rede de contatos que precisavam ativar para chegar ao ator americano.
Se ações e hábitos se espalham a três graus, é aí também que costumamos recorrer para encontrar nossos parceiros amorosos. A Pesquisa Nacional da Saúde e da Vida Social dos Estados Unidos de 1992 descobriu que 68% das pessoas conheceram seus companheiros depois de terem sido apresentadas por um amigo em comum. Gostamos de achar que somos livres para escolher, e a ideia de um casamento arranjado, como os de antigamente, nos dá calafrios. Mas nossas redes sociais acabam funcionando como casamenteiras. Um amigo dá uma festa, e lá ele nos apresenta alguém; nessa introdução, dirá alguma coisa que temos em comum, como o fato de colecionarmos cavaquinhos ou gostarmos de literatura russa do século 19, e assim é mais fácil engatar uma conversa.
Poderosos laços fracos
A história de como conhecemos nossos amores evidencia outro ingrediente poderoso das redes: a força dos laços fracos. Os laços fortes são os mais íntimos: melhores amigos, família, parceiros. Já os fracos são as pessoas menos próximas. Na hora de achar uma paixão, conseguir um emprego ou encontrar parceiros para projetos criativos, é nesse lago que mergulhamos; a pocinha dos nossos conhecidos imediatos pode não ter nenhuma cara-metade, ou não ter um trabalho quando você precisa de um, mas ampliando a rede para os conhecidos e para os conhecidos deles, nossas chances aumentam.
Nos tempos de hoje, os graus de separação entre as pessoas estão diminuindo. Com a internet, temos mais conhecidos, pessoas a quem nos relacionamos por laços fracos. Ninguém tem de fato 300 melhores amigos, mas podemos manter contato com todas essas pessoas pela web. E, vendo as pessoas que elas conhecem, o mundo fica menor. Estamos cada vez mais próximos uns dos outros (e de Kevin Bacon, por extensão). As consequências disso são inúmeras. A forma como nos organizamos em redes está mudando. Antes hierarquizada, com estruturas centralizadas (em que o operário da linha de produção não tinha acesso ao presidente da empresa, por exemplo), a sociedade caminha para uma organização em redes distribuídas. "Com todos interligados, as pessoas interagem mais. E, interagindo, estão cooperando", diz Franco. Hoje, por exemplo, é possível ter uma ideia e financiá-la por meio de crowdfunding, ou seja, muitas pessoas doam um pouquinho e a soma viabiliza o projeto. É o caso do site Catarse. me, uma plataforma para o financiamento de projetos criativos. É a antiga vaquinha, mas bem mais organizada e consciente do poder do coletivo.
Você com isso
O crowdfunding evidencia uma das vantagens de sermos sociais: se sofremos influência, também influenciamos. Nossos atos motivam e inspiram outras pessoas. Em seu livro O Ponto da Virada (Ed. Sextante), o pensador Malcolm Gladwell fala do tipping point ("ponto da virada"), o momento decisivo em que uma ideia, um comportamento, um produto ou uma mensagem se alastram. Uma pessoa faz um ato positivo, influencia outra, e de repente vemos um boom de atos positivos. "Basta uma pequena ação inicial para causar uma grande perturbação na rede", diz Franco. Assim, votar no candidato em que você acredita ou levar uma caneca para beber água no trabalho não são apenas pequenas ações isoladas: elas reverberam e influenciam pessoas. Tudo o que você faz conta. Nas relações, também, está a chave para nossa felicidade. Foi isso que Chris percebeu, pouco antes de ver que não poderia atravessar o rio para voltar para casa, em Na Natureza Selvagem. As semanas que passou sozinho fizeram com que valorizasse os laços que deixara para trás. Já fraco, ele escreve nas páginas de um livro: "A felicidade só é real quando compartilhada". Um clichê, mas, no caso do ser humano, um clichê doloroso, e felizmente, real.
Revista Vida Simples