Descobri a poética da geologia em uma visita à Patagônia. Levei na mala A Viagem do Beagle, relato de Charles Darwin dos seus cinco anos de aventura a bordo do navio comandado por Robert FitzRoy. O capitão convidou Darwin para acompanhá-lo por medo de enlouquecer sem um amigo por perto. O motivo pessoal ajudou a fundamentar as descobertas que, mais tarde, revolucionariam a visão da humanidade sobre a evolução da vida no planeta.
Jamais terminei o livro, falha que espero um dia corrigir. A descrição detalhada da paisagem lembra A Terra, o primeiro capítulo de Os Sertões, de Euclides da Cunha, cujas observações sobre a geografia brasileira guardam um caráter tão dramático quanto a terceira parte da obra: A Guerra, dedicada a Canudos. Euclides ignora o fato de não dotarmos o reino animal e o vegetal de uma suposta alma e iguala, em sentimento, a batalha travada por homens, plantas e pedras na dura natureza do Nordeste. Darwin fez escola.
Na minha modesta viagem exploratória ao Chile, me ative aos capítulos sobre a passagem do Beagle pela América do Sul meridional. A narrativa de como as enormes planícies argentinas foram criadas lembra um romance épico. A placa submersa, atingida por uma força geológica inimaginável, teria emergido de uma só vez, trazendo para a superfície seres marinhos que, até hoje, descansam no solo dos Pampas.
Ao chegar a Torres del Paine, outro impacto monumental. A coroa de vales e montanhas, grande atração do parque nacional, é uma das mais jovens cadeias do mundo. Acredita-se que um cataclismo súbito tenha elevado o complexo de uma só vez. Imaginar um fenômeno de tal proporção é como arriscar dar forma a um titã.
A geologia é uma ciência exata e ao mesmo tempo mística. É impossível contemplar a grandeza de suas medidas sem ser açoitado pela consciência da pequenez humana. Torres del Paine é uma cadeia adolescente, seus picos ainda não foram corroídos pela erosão. A impetuosa aspereza de suas rochas ainda não foi domada. Elas demonstram uma índole oposta à doçura redonda dos contornos do Pão de Açúcar.
Todo brasileirinho se acalma quando entende que não há terremotos nem furacões no Brasil. Estamos sentados no centro de uma placa tectônica. Somos quentes, úmidos e arredios aos enfrentamentos. Mesmo lidando com a violência diária, o Brasil permanece refratário às revoluções sanguinárias e às guerras com os vizinhos. Tal e qual o chão que pisa.
Pois eu estava envolvida em um texto sobre Minas Gerais e me interessei pela mineração de diamantes. Ignorante absoluta das técnicas de extração, escrevi que um escravo cavava a rocha e fui consultar um amigo geólogo para saber se estava dizendo besteira.
Estava.
Cássio me falou de um mistério inquietante e infinitamente mais interessante do que a minha estupidez poderia criar. Os diamantes surgem em um complexo grupo de rochas chamado kimberlito. Sua fusão ocorre 150 quilômetros abaixo da terra e, na sua jornada até a superfície, o mineral carrega consigo os xenocristais, também fundidos nas profundezas do Hades. Ou seja, o kimberlito não produz diamantes, apenas os arrasta até nós. Todos os diamantes encontrados no Brasil são aluviais, trazidos pela água dos rios. Mesmo com todos os avanços da tecnologia, a fonte de kimberlito que os despejou no Sudeste e Centro-Oeste jamais foi encontrada. Suspeita-se que esteja em uma reserva indígena, no coração da Amazônia, atualmente explorada pelos nativos, em parceria com mineradoras israelenses.Essa mistura de Tupã com Torá, corrida do ouro e mistérios de Minas e essa faceta fantasmagórica dos solitários de noivado reafirmaram minha admiração pelo tema. Não sabemos de onde eles vêm, temos apenas a arte, a luxúria e a ganância de possuí-los.
Um alto funcionário da Vale me disse uma vez que o Brasil está sentado sobre um tesouro de mais de 300 anos de exploração mineral. Ainda somos, e talvez sempre seremos, um país extrativista. A terra que nos fez assim.
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