domingo, 24 de junho de 2012

Te Contei, não ? - Rio+20 decepciona ao não traduzir discursos para a prática

Rio 20 foi marcado por protestos do começo ao fim. Foto: Daniel Ramalho/Terra

Enquanto ambientalistas e ONGs faziam protestos pedindo aos chefes de Estado que apresentassem propostas mais ambiciosas ao documento final da Rio+20, o que se viu no Rio de Janeiro nos três dias da cúpula dos líderes foi uma sucessão de discursos para exaltar seus governos e criticar opositores. O texto de 49 páginas intitulado "O Futuro que Queremos" foi aprovado no final da tarde de sexta-feira sem nenhuma objeção.

O líder das negociações em torno do documento, que apresenta as propostas para promover o desenvolvimento sustentável nas próximas décadas, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, já havia alertado os setores mais críticos de que a reunião dos chefes de Estado seria apenas uma formalidade. "Eles não vieram ao Rio de Janeiro para analisar um texto feito pelos burocratas, e sim para fazer discursos, apresentar posições políticas e avançar em encontros bilaterais", disse em uma coletiva à imprensa.
Um dos maiores opositores ao que considerou de fracasso total, o diretor-executivo do Greenpeace Brasil, Marcelo Furtado, afirmou ao Terra que, apesar da pressão da sociedade, não tinha esperanças em um avanço na última hora. "Os presidentes não têm a menor condição de discutir isso. Foram as delegações dos seus países que aprovaram o texto da forma como está". Segundo ele, o documento não apresenta nenhuma meta, apenas termos burocráticos. "Tudo o que defendíamos sobre metas, números e compromissos desapareceram. A única coisa que temos hoje é uma promessa de um processo, que poderá ser desenvolvido até 2015".
A embaixadora brasileira Maria Luiza Viotti concorda que os avanços vão depender de discussões até 2015. "Para estabelecermos os objetivos do desenvolvimento sustentável precisamos colher subsídios técnicos, científicos, de um relatório que aponte o que realmente precisa ser feito. Hoje não temos esses dados sobre a água, sobre oceanos. Até temos alguma coisa sobre energia, mas ainda é pouco. A construção de toda essa base será trabalhada posteriormente entre a ONU, a academia e a sociedade civil. Ainda temos muita luta pela frente", disse a embaixadora ao destacar que o arcabouço técnico será discutido entre os países durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, ainda este ano.
Avanços
Para o ex-ministro e atual secretário estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Carlos Minc, o que se viu de melhor nesse período de Rio+20 foram
as propostas apresentadas pelas maiores cidades do mundo para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa. "As ferramentas que as cidades apresentaram são palpáveis, tem resultados práticos. Cortar 25% das emissões dos transportes e da construção civil e acabar com os lixões até 2014 são questões práticas, que mostram como essa escala local e regional tem muito mais poder de ação do que os chefes de Estado, que caminham a passos muito lentos".
Ele destaca que na reunião da cúpula da Rio+20, os avanços ficaram por conta do fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), com mais recursos financeiros, e também no incentivo às tecnologias limpas. Para a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, a conferência do Rio não pode ser tratada com um fracasso. "Aqui estamos sinalizando um novo caminho da sustentabilidade e da biodiversidade" disse ao destacar que foi mantido o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas entre nações ricas e pobres.
Fracassos
Um dos pontos mais criticados pelos especialistas e até por algumas delegações, como
Alemanha e Islândia, foi em relação à proteção dos oceanos. O tema foi minimizado no texto final após pressão dos Estados Unidos, Japão e Austrália. Segundo Minc, o documento aprovado apresenta apenas algumas generalidades sobre a preservação da biodiversidade marinha, mas sem propor o controle das águas que estão fora dos limites de cada país. O secretário também destacou que não foi apresentada nenhuma proposta para acabar com os subsídios destinados à produção de combustíveis fósseis, responsáveis pelo aumento nas emissões de CO2.
Para Carlos Rittl, coordenador do programa de Mudanças Climáticas e Energia da ONG WWF, um dos maiores problemas é que a conferência não apontou de onde virão os recursos financeiros para custear o desenvolvimento sustentável. "Sem indicar a fonte dos recursos, não tem resultado nenhum". Os países que compõe o grupo do G77, que inclui o Brasil, propuseram a criação de um grande fundo para financiar as ações, mas a medida foi vetada por algumas nações ricas. O documento final cita a participação do setor privado, do mercado financeiro, mas não aponta quanto cada nação terá de arcar para garantir as mudanças no padrão de produção e consumo.
Outro fator de grande discussão é a retirada da expressão "direitos reprodutivos", que se refere à liberdade da mulher de decidir se quer ou não ter filhos, do texto final. O tema foi pauta até do discurso da secretária de Estado americana Hillary Clinton, uma das personalidades mais aguardados do evento. "As mulheres precisam ser empoderadas para decidir quando querem ter filhos. Os Estados Unidos vão continuar trabalhando para que esse direito seja respeitado nos acordos internacionais", afirmou ao endossar a crítica das feministas à pressão exercida pelo Vaticano e por países com forte influência religiosa.
Para o diretor do Greenpeace, tudo o que foi feito no Rio de Janeiro na última semana não passa de um discurso vazio. "Se a gente estivesse há 20 anos, quando nem se tinha um diagnóstico bom da situação ambiental, até valeria isso. Mas estamos fazendo a lição de casa a todo esse tempo. Não podemos chegar aqui e apresentar um novo processo burocrático. Isso é muito pouco, a sociedade, não estou falando da sociedade civil organizada, mas da população que sofre os efeitos do desastre ambiental, esperava muito mais", completou.
Contudo, conforme destaca Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon, a definição da Rio+20 como um fracasso dependerá muito das ações de cada um de nós a partir de já.

Nenhum comentário:

Postar um comentário