quarta-feira, 20 de junho de 2012

Entrevista - "Não vou mudar" - Rafinha Bastos - Revista Época

SEM  DESCULPAS O comediante Rafinha Bastos, na semana passada, em sua produtora em São Paulo. Ele compara o humor  às arenas de vale-tudo  (Foto: Julia Rodrigues/ÉPOCA)

Sabe aquela da grávida que entrou no elevador e deparou com o Rafinha Bastos? A cena, que seria prosaica, vira piada impublicável na boca do gaúcho Rafael Bastos Hocsman, de 35 anos. Rafinha, como prefere ser chamado, é o humorista que aviltou as grávidas ao dizer que manteria relações sexuais com a cantora Wanessa Camargo, então gestante, e com seu filho. A brincadeira custou-lhe o emprego na Band, onde apresentava o CQC, e relegou-o ao papel de vilão. Rafinha não se desculpa, não se arrepende e diz que não há limites para o humor – inclusive, a grosseria. Ainda assim, está de volta. Diz que manterá o estilo polêmico na versão brasileira de Saturday night live, que estreia neste domingo na Rede TV!. Em junho, irá ao ar no canal a cabo FX com outro programa, A vida de Rafinha Bastos.
ÉPOCA – Já o chamaram de arrogante. Segundo o dicionário, arrogante é sinônimo de insolente, atrevido, ousado e...
Rafinha Bastos – Você entrevistou meu pai? Olha, algumas dessas características são minhas, mas respeito os outros. Meu trabalho na televisão deixou isso claro. Sempre tive conexão com o público. Sou bem recebido quando faço matéria, entro na casa das pessoas. Se um jogador de futebol diz que vai destruir o outro time, se um lutador de vale-tudo diz que vai acabar com o oponente, ninguém os chama de prepotentes. Se assumo uma postura ofensiva, passo a ser malvisto.
ÉPOCA – Arrepende-se de ter dito que teria relações sexuais com a cantora Wanessa Camargo, que estava grávida, e o filho dela?
Bastos – Esse episódio é bobagem. Não fiz absolutamente nada errado. Não matei ninguém. Não bati em ninguém. Fiz na TV o que faço no palco. Naquela situação, havia material instigante para comédia. Não considerei que fui defenestrado. Não vou chorar porque, sei lá, vazaram minhas fotos pelado na internet. Não tenho tempo para isso. O comediante Tracy Morgan, da série 30 rock, disse que, se o filho dele virasse homossexual, ele o esfaquearia. Foi processado e se desculpou. Eu nunca faria isso. É contra a natureza do trabalho. O humor precisa de liberdade. É agressivo, ácido, carrega arrogância e desrespeito.
ÉPOCA – Não é necessário fazer um julgamento moral sobre se é certo brincar com agressão sexual, antes de fazer uma piada?
Bastos – Não. Minha medição é se é ou não engraçado. Posso falar da minha família ou da sua, se for engraçado. Mas tem de ser no lugar certo. Não sou o tipo que se senta à mesa e diz: “Estupraria sua mulher, ô meu tio”. Não sou um sociopata. Sou um comediante que acha graça em coisas pesadas. Fiz piada sobre estupro. Quem divulga diz: “Rafinha fala por aí que mulher feia tem de ser estuprada”. É uma descontextualização. Falei num ambiente de desconstrução: o palco. Quem diz isso não pensa: “Calma, ele é comediante. Será que pensa realmente essas coisas?”. Vou perder a graça se virar um puritano e medir o que falo. Isso aconteceu com Eddie Murphy e Adam Sandler, superastros dos palcos que mudaram. Não vou mudar. Humor e limites não têm a menor ligação.
ÉPOCA – E o que fará para ensinar a seu filho o que é certo e errado?
Bastos – Cada caso é um caso, e minha vida pessoal é outro caso. Tenho opções de exposição, e, em certas questões, basta para mim apenas que minha família entenda como penso.
ÉPOCA – O que faz para evitar novos processos judiciais?
Bastos – Nada. E meus advogados ficam p... com isso. Coloquei um vídeo na internet em que distribuo meus DVDs nas ruas (o DVD A arte do insulto, que exibe um stand-up comedy de Bastos, foi proibido pela Justiça). Nenhum advogado me recomendou fazer isso. É inconsequente confrontar a lei que me puniu, mas essa lei é babaca.

ÉPOCA – Uma coisa é sua interpretação da lei. Outra é o que a Justiça diz sobre seu comportamento.
Bastos – Sim.
ÉPOCA – O que seus advogados dizem dessa sua atitude?
Bastos – O que atrai processo é a exposição. Vira uma máquina de divulgação dos promotores públicos e políticos. Um senador (o capixaba Magno Malta, do PR) dedicou dez minutos para falar de mim. É uma máquina que alimento.
ÉPOCA – Mas não alimenta essa máquina porque ganha dinheiro com ela?
Bastos – A questão não é dinheiro. Para mim, nunca foi. Apesar de ser judeu, nunca fui muito apegado a ele.
ÉPOCA – Dizer que judeu é apegado a dinheiro não é preconceito?
Bastos – Isso é um estereótipo. Todo estereótipo tem exceções. Sou uma delas.
ÉPOCA – Alguma coisa não lhe dá vontade de fazer piada?
Bastos – Claro que tem coisas que digo: “Não dá”. Aí, fica a cobrança: “O que Rafinha vai falar da Xuxa (que relatou ter sofrido abusos sexuais)?”. Às vezes, não tenho vontade de tirar sarro. O que se dá é o seguinte: acontece alguma m... em um lugar e eu penso outra m... Agora, eu preferiria estar com os roteiristas fazendo piadas em vez de responder sobre o que acho da comédia. Estou perdendo tempo. Se você colocar isso na entrevista, vou ficar muito mais confortável.
ÉPOCA – Está registrado. E foi confortável sua saída da Band?
Bastos – Meu humor era ovelha negra. A história com a Wanessa somou-se a outras. Naquele episódio, ocorreu a coisa do “cara que conhece o fulano, outro que liga para não sei quem”. Para mim, só chegavam ordens de não falar sobre determinados assuntos. Eu perguntava: “Mudamos a maneira de fazer humor? Vão bancar minha posição ou vocês estão ficando bundões? Qual é o problema?”. Respondiam que, na TV, minha pancada ganhou força, meu soco ficou mais forte. Eu me recuso a entender esse tipo de coisa. Não tenho nada contra a emissora ou quem trabalha lá. Queria liberdade. Eles não tiveram coragem para bancar. Simples assim. Não fui demitido.
ÉPOCA – O episódio o abalou?
Bastos – Pergunte a minha mulher. Ela vai dizer que não titubeei. Meu pai ficou chateado. Ele me ligou choroso uma vez e me perguntou: “Esse negócio de cadeia, meu filho, pode realmente acontecer?”. Com os processos, começaram a noticiar que seria preso. Fiquei triste por ter afetado meus pais.
ÉPOCA – Nesta semana, estreiam seus programas na Rede TV! e na FX. Como surgiram essas oportunidades?
Bastos – A Endemol (detentora dos direitos do Saturday night live) me propôs um projeto. Não queria fazer um talk show ou algo do tipo “Rafinha sem censura”, que seriam passos previsíveis naquele momento. Fechei com a FX um programa chamado A vida de Rafinha Bastos. Já fiz o primeiro episódio. Outros 12 serão gravados no final do ano. Apesar do nome, não é um reality show. É uma ficção baseada no que se passou comigo. Tem advogado me aconselhando, esposa chateada com as piadas e os amigos que não entendem o que faço. Não dará para saber o que é biográfico e o que é ficcional.
ÉPOCA – E como apresentador do Saturday night live, um programa americano que tem limites, vai dar para se enquadrar?
Bastos – Aceitei fazer o programa com condições. Não queria voltar para a TV aberta. No Carnaval, a Endemol me ligou dizendo que tinha um projeto para mim. Falaram do Saturday night live, o sonho de todo humorista. Aceitei porque fiquei com a produção executiva, o controle dos esquetes, elenco e roteiro.
ÉPOCA – Será diferente da versão original?
Bastos – É parecido com o americano na vinheta, no cenário e no convidado especial. Alguns quadros ficarão no factual, como o Weekend update, com notícias e reportagens. Os esquetes ao vivo e o monólogo de abertura serão meus. Produzir esquetes ao vivo é bem difícil. Acompanho as gravações e cuido dos cenários, que têm de ser benfeitos.
ÉPOCA – Tem planos de levar seu humor ao cinema?
Bastos –Tenho dois roteiros. No segundo semestre, vou investir neles. Estou esperando a hora certa. Não quero gastar cartucho como coadjuvante do ator B no filme C.
ÉPOCA – Quem lhe faz rir?
Bastos – Meu pai.
ÉPOCA – Ele é engraçado?
Bastos – Não, mas me faz rir pra c... Ele é muito sarcástico.
ÉPOCA – E o que lhe faz rir?
Bastos – Sou tão idiota quanto os outros. Dou risada até de tombo e de pum. Pode fazer a melhor piada do mundo, se um cara solta um pum na hora certa com o som certo, é mais engraçado.

Revista Época

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