quarta-feira, 27 de junho de 2012

Te Contei, não ? - O Carioca que ajuda a poluir a Baía da Guanabara



Para os índios tamoios, era uma casa muito engraçada. Na esquina das ruas Princesa Januária e Senador Eusébio, hoje no Flamengo, alguns nativos a chamaram de akari oka (casa de branco), no século XVI. Nome com o qual também batizariam o rio que ali corria e, mais tarde, viraria a denominação do povo do Rio: carioca. Hoje, a casa seria um desafio para os arqueólogos. Já o rio, sem ser tratado à altura de sua importância histórica, chega à sua foz tão poluído que termina numa uma estação de tratamento de esgoto, de frente para o Pão de Açúcar, no Parque do Flamengo, antes de desaguar na Baía de Guanabara. Isso numa cidade chamada Rio de Janeiro e num estado cuja população é intitulada de fluminense, ou seja, aquele originário do rio.
Com doutorado em ecologia, o ambientalista francês Nicolas Bourlon traz um olhar estrangeiro de espanto com a situação. Para ele, é um contrassenso o Carioca ser alvo de tantos maus-tratos.
— Um dos erros do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) foi o de não investir em projetos com custo menor para estimular a preservação dos rios da cidade. O Carioca limpo e recuperado traria balneabilidade à Praia do Flamengo. Imagina o valor simbólico de uma recuperação dessa — diz Nicolas.

Boticário vendia água do Carioca no Cosme Velho

O Rio Carioca surge nas Paineiras, no Parque Nacional da Tijuca, com uma água cristalina que convida ao banho. Quem se aventurar a descer rio abaixo vai topar rapidamente com as agressões. No Cosme Velho, a comunidade dos Guararapes, em que as casas não têm seu esgoto ligado à rede formal, polui seu curso com dejetos e lixo. Dali, depois de descer um belo resquício de Mata Atlântica, o Carioca chega ao Largo do Boticário, no Cosme Velho. Imundo. Arquiteto e historiador, Nireu Cavancanti ressalta que o largo foi urbanizado justamente para realçar a presença do Carioca ali.
— Em 1836, o boticário Joaquim Luís da Silva Souto, que vendia a água do Carioca em sua farmácia, teve a feliz ideia de comprar o terreno e fazer um loteamento. Seu objetivo era transformar o largo num complexo turístico e de saúde.
Nos tempos coloniais, índios e, depois, escravos vendiam a água do Carioca pelas ruas gritando “i”, água em tupi. O rio também foi fundamental para o abastecimento da cidade.
Atualmente, depois do Largo do Boticário, o rio corre pelo subterrâneo da Rua das Laranjeiras, passando sob a Praça Praça José de Alencar e a Rua Barão do Flamengo até chegar ao Aterro do Flamengo, na estação de tratamento e na foz.
Para o professor Isaac Volschan, da Escola Politécnica da UFRJ e especialista em saneamento básico, o Carioca pode suscitar uma discussão fundamental:
— O rio tem uma estação de tratamento. E isso inverte a lógica das boas práticas, que é ligar as casas à rede de esgoto formal justamente para não poluir os rios. O Carioca sofre com o esgoto de favelas, mas provavelmente as ligações clandestinas na cidade também o prejudicam. As campanhas para fiscalizar as redes de águas pluviais deveriam ser constantes. Assim, os problemas seriam resolvidos em sua origem.
O Carioca é um dos emblemáticos rios que conduziram a história do estado e que hoje se encontram esquecidos. Mas há outros tão representativos quanto e, como ele, abandonados.
Pelos rios que desembocam na Baía de Guanabara, exploradores navegaram para chegar à Serra dos Órgãos. E, entre os séculos XVII e XIX, portos nos rios da Baixada Fluminense serviram de rotas alternativas para o ouro das Minas Gerais, além de ponto de convergência da produção agrícola da região. E, assim, forjaram alguns dos povoados mais prósperos da época na Baía de Guanabara, no entorno de portos em importantes cursos d’água. Em Duque de Caxias, foi o Porto Pilar, no Rio Pilar. Em Magé, o Porto da Estrela, no Rio Inhomirim. Já na região de Tinguá, o Porto Iguaçu, no Rio Iguaçu.
Do apogeu do Porto Pilar, resta apenas a bela e maltratada Igreja Nossa Senhora do Pilar. O rio que lhe deu o nome teve sua vazão bem diminuída e, tomado por gigogas, virou um valão de esgoto e lixo. O Porto Estrela é somente ruínas, à semelhança do Porto Iguaçu, perdido em uma propriedade particular de Nova Iguaçu.

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